O Tenente Quetange, conto de Iúri Tyniánov, filmado em 1934 com trilha sonoro de Prokófiev, está nas livrarias, numa primeira edição em português graças à Editora Cosac & Naify, que também apresenta Ássia, de I.S. Turguêniev.

Tyniánov (1894-1943) transforma um fato (ou boato) histórico numa novela tragicômica, cuja carapuça serve tanto ao czarismo quanto ao “reinado” de Stalin. Consta que durante a época de Pável I, deu-se um incidente verdadeiro, fruto do lapso de um escrivão que deu por morto um oficial vivo, ao mesmo tempo que criava um outro, antes inexistente.

Com base nesse fato, em 1928 Tyniánov publica O Tenente Quetange. Tudo começa quando o novo escrivão do Regimento Preobrajénski, ao transcrever a ordem-do-dia, que seria apresentada ao imperador, comete dois erros: um de natureza trágica, o outro de natureza cômica. Primeiro, dá como morto o vivíssimo tenente Siniukháiev; em seguida, confere existência, por um erro de transcrição – no lugar de “a nomeação para tenentes que tange a…”, redige “a nomeação para tenentes Quetange…” -, à personagem que dá título ao conto.

É ao contraste entre esses dois destinos que se deve a força do conto, uma verdadeira excursão pelo universo burocrático. Quetange vai sendo promovido, casa-se, tem um filho, chega ao generalato e tem um funeral digno das grandes autoridades – ou seja, sua biografia é exemplar. Enquanto isso, o pobre Siniukháiev, morto por decreto, não consegue reaver seu direito à existência, nem com as intervenções de seu pai junto a um barão, e acaba reduzido a pó, como se nunca tivesse existido.

Turguêniev

Ássia, também de natureza tragicômica, é excelente porta de entrada para a obra de Ivan Serguêievitch Turguêniev, que forma com Dostoiévski e Tolstói a tríade dos grandes romancistas russos do século XIX. Num relato breve, conta a história de um amor, em tom de comédia e melancolia, sentimentos íntimos e dilemas nacionais.

O acaso reúne três viajantes russos numa estação termal alemã. De um lado, N., o narrador, recém-saído de um desencanto amoroso. Do outro, Gáguin, jovem aristocrata com veleidades artísticas, e a jovem Ássia que dá título à novela. Simpatizam uns com os outros, freqüentam-se, passeiam pelos arredores idílicos, até que N. e Ássia se apaixonam um pelo outro – mas não no mesmo tempo, nem sequer a tempo de poderem viver seu amor.

De um lado, as atitudes do narrador dizem tanto de sua personalidade pouco enérgica quanto da inércia de sua classe social, a jovem nobreza bem-nascida e liberal de um vasto império autocrático. Ao passo que as iniciativas sempre cabem à jovem Ássia (ou Aninha), filha bastarda de um grão-senhor, jovem cheia de imaginação e vontade de viver, às turras com seu destino de bárinia, moça aristocrática.

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