Após conceder entrevista a Érica Busnardo e Guilherme Voitch, cujas reportagens foram veiculadas pelo jornal Gazeta do Povo nos dias 6, 7 e 8 de março de 2005, Carmen Lucia da Silva disse ter se sentido constrangida ao ler o que estava publicado. Infelizmente, houve uma série de equívocos que atingiram não só a pesquisadora, mas também os xetás. Carmen é doutora em antropologia social, pesquisadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná, responsável pela unidade de pesquisa de Etnologia Indígena do museu e defendeu dissertação de mestrado e tese de doutorado a partir de pesquisas realizadas junto aos xetás desde 1996.
Generalização
A reportagem de 7 de março afirma: ?Estudiosos nunca tiveram como mapear com certeza o destino de todos os xetás?, mas não cita nomes. A antropóloga Carmen Lucia lembra que, na década de 50, existiram diversos pesquisadores, como o antropólogo e professor da Universidade do Paraná, José Loureiro Fernandes, a arqueóloga Annete Laming-Emperaire, os lingüistas Èestimir Loukotka e Aryon Dall?Igna Rodrigues, o cinetécnico Vladimir Kozák, entre outros.?
Relata que na década de 90, com a comunidade xetá presente, não se pode dizer que existem estudiosos. ?Ao que me consta, apenas eu sou a antropóloga que vem pesquisando o grupo. Com minha dissertação de mestrado estudei o contato e o quase extermínio total do grupo, sob a ótica dos xetás. Na minha tese de doutorado trabalhei com as suas narrativas sobre a sociedade que quase desapareceu enquanto corpo físico, mas que existe na memória dos mais velhos e que revive nos filhos, netos e nas futuras gerações. No aspecto da lingüística, quem vem dando continuidade à pesquisa da língua, que iniciou em 1960 quando os xetás ainda viviam na Serra dos Dourados, é o doutor Aryon Dall?Igna Rodrigues, lingüista, professor aposentado da Universidade de Campinas-SP e da Universidade de Brasília, onde dirige o laboratório de línguas indígenas/Lali/UNB e é professor emérito.?
Reemergência
Nas reportagens de 6, 7 e 8 de março, afirma-se que Carmen Lucia da Silva é autora do projeto de reagrupamento dos xetás. Com veemência a pesquisadora nega: ?Não sou responsável pelo projeto de reagrupamento, que por sinal não existe. O que houve foi a criação de um grupo de trabalho, através da Portaria 984/PRES de 20/10/1999, com vistas a ?proceder estudos de viabilidade de reagrupamento dos remanescentes xetás?, coordenado pelo assessor de assuntos indígenas do Estado do Paraná, o senhor Edívio Battistelli. Deste grupo eu não fiz parte?.
A pesquisadora afirma que jamais faria um projeto de reagrupamento dos xetás porque ?eles são sujeitos de seus interesses e vontades. Só a eles cabe a agência de um projeto reivindicatório do direito de retomarem suas vidas juntos para revitalizar sua cultura e garantir a sua sobrevivência física e cultural. A reemergência étnica é algo que vem de dentro para fora, não o contrário, e ela vem ocorrendo em diferentes regiões do Brasil, principalmente no Nordeste. Fazer um projeto com essa intenção é pensar que os xetás não têm agência, que eles não pensam por si próprios. Significa tratá-los como objetos, e eles não o são. Aconteceu, no passado, quando foram tirados de seus lugares por acharem: ?Ah! este é bonitinho, vou criar?, ?ah! este vou trocar por um boné para poder torná-lo um bom cristão?, ?ah! estes não têm mais mulheres, vou levá-los comigo?. Assim foram dispersos. Agora, não se pode repetir o mesmo erro ao se pensar um caminho de volta?.
Carmen observa que ?falar em reagrupar soa estranho até para eles. Mas falar num convívio para revitalizar a língua, com base nas experiências históricas do passado e do presente, lutar para voltar a viver juntos, no lugar onde estão suas memórias e seus antepassados, não são apenas desejos que alimentam, mas direitos. E hão de saber como fazer isso, da mesma forma que souberam resistir até os dias atuais?.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no programa de pós-graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
E-mail: zeliabonamigo@uol.com.br