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A poesia sem fim do ‘bruxo’ Jodorowsky

Estavam todos em Cannes, no ano passado. Nicolas Winding Refn exibindo Demônio de Neon na mostra competitiva e os chilenos Alejandro Jodorowsky e Pablo Larraín na Quinzena dos Realizadores. O primeiro, com Poesia Sem Fim – que estreou na quinta, 6. O outro, com Neruda. Dois filmes sobre poesia, e poetas. Na movimentada coletiva de Poesia Sin Fin, Jodorowsky lembrou a agitação cultural do Chile – de Santiago – nos anos 1940. Fez uma observação interessante – “Pablo Neruda, filmado por Larraín, era um Buda, não nos interessava muito, a meus amigos e a mim. Nós amávamos Nicanor Parra, o poeta da rua. Deus tem um senso de humor peculiar. Pablo Neruda, PN, o poeta. Nicanor Parra, NP, o antipoeta, e suas iniciais são invertidas. É cósmico, não pode ser mera coincidência.”

Nicolas Winding Refn. O diretor cult de Drive, com Ryan Gosling, cultiva Jodorowsky em seu panteão particular. Chegou a ser convidado pela curadoria da Quinzena para apresentar o novo longa do cineasta. Seu público delirou quando ele se curvou perante o ‘viejo’. Apesar do carinho, Jodorowsky bem que tentou, mas não conseguiu encontrar nenhum produtor interessado em bancar o segundo volume de sua autobiografia cinematográfica. Começou com A Dança da Realidade, em 2013, e ele tem planejados mais três volumes. Em Cannes, 2016, estava louco para iniciar o terceiro, em que vai contar como, em Paris, conheceu André Breton e o esoterismo, “e salvei o surrealismo”, como gosta de contar.

Sem produtores interessados, o que fez Jodorowsky? Apelou para o crowdfunding. “Mas não queria caridade. Oferecia, em troca, dinheiro poético, poesias dirigidas especialmente para os investidores, ou então ler cartas de tarô para eles.” Pois Jodorowsky é único e é múltiplo. Escritor, diretor, quadrinista, bruxo, xamã. O criador da ‘psicomagia’. “Se a arte não for terapêutica, não será” – seu mantra. “E ele nem conseguiu realizar a sua versão de Duna, o livro cult de Frank Herbert”, escreveu a Variety, lamentando que, de obra tão complexa e rica, David Lynch tenha conseguido tirar um filme apenas sofrível. É motivo de especulação o que Jodorowsky faria com o material.

Nosso homem deve sua fama a dois clássicos das sessões da meia-noite, convertidos em obras obrigatórias entre os midnight movies – o western El Topo e A Montanha Sagrada -, embora, para o repórter, o melhor e mais convulsivo Jodorowsky seja Santa Sangre, sobre a relação obsessiva entre filho e mãe. Poesia Sem Fim é sobre filho e pai. De cara, na ficção autobiográfica, o jovem Jodorowsky, Alejandrito, interpretado por Adan Jodorowsky, filho do diretor, peita o pai, interpretado por outro filho, Brontis. O filho quer ser poeta, o pai exige que seja doutor. Na realidade, o conflito cavou um fosso entre eles e Alejandrito partiu para o mundo. Nunca mais reencontrou o pai, o que Jodorowsky não recomenda para ninguém. “Poesia Sem Fim é sobre como consegui perdoar meu pai, e a mim mesmo. Chorei muito no set.”

Numa típica ficção do autor, sua versão ‘jovem’ se enamora de uma mulher experiente, que o conduz numa jornada de sexo, e não apenas. Ela, interpretada pela mesma atriz que faz a mãe (Pamela Flores), lhe diz que, cada vez que saírem à noite, tocará suas partes íntimas. Há algo de Federico Fellini na forma onírica de contar essa história, mas não propriamente o de Oito e Meio, o que seria óbvio, mas o de Os Boas Vidas/I Vitelloni, da própria época em que se passa Poesia Sem Fim. Como filme, possui sequências belíssimas – fotografia de Christopher Doyle, trilha de Adan Jodorowsky -, mas talvez seja irregular. Como a vida, que também é feita de momentos, garante o velho (88 anos) Alejandro.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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