Mais importante celeiro de jovens designers da moda nacional, a Casa de Criadores cuja 44ª edição se encerrou na última sexta, 30, ilumina uma dualidade de extremos da moda contemporânea. De um lado, uma nova geração de marcas que enxerga a passarela como meio e mensagem para manifestos politizados pró-diversidade racial, inclusão e visibilidade LGBT e de gordos, por exemplo. Em geral, eles não têm formação em design, não ligam para aspectos comerciais e mercadológicos. Preferem projetar as muitas ideias e questionamentos que trazem na cabeça.
Estão nesse grupo nomes como o da estreante Vicente Perrotta, uma estilista trans, que realizou a mais perturbadora apresentação do evento. Líder de uma ocupação na Unicamp onde acolhe travestis e pessoas com identidades de gênero pouco tradicionais, ela utiliza peças usadas recolhidas num ponto de coleta em frente ao seu ateliê como matéria-prima para suas criações.
“Minha roupa não tem gênero, numeração nem acabamento. Falo sobre ressignificação do consumo”, explica Perrotta. “Faço o processo inverso. Rasgo as roupas, as construções, vou tirando a opressão que observo no mundo e no consumo em geral”, diz. Na passarela, isso vem temperado por mensagens contundentes que tratam de religião, sexo e aids em roupas amplas, capazes de vestir corpos de qualquer dimensão, como um vestido feito com diversas camisetas puídas.
Também representante dessa jovem guarda, o Brechó Replay é um coletivo que vem se destacando por apresentações teatrais e pelo discurso de inclusão, especialmente no que toca à diversidade racial e de tipos corpos. “A gente não chama de desfile, não chama de moda, o que fazemos é uma performance”, explica Eduardo Costa, um dos integrantes do Replay.
A dessa temporada emulava uma festa de formatura pouco ortodoxa e trazia peças retrabalhadas com estampas tribais feitos por meio de serigrafia – uma colaboração com o coletivo de artistas Inserto. “Queremos subverter essa ideia de que o bonito é sempre polido e o feio não”, afirma Ikaro Kavalcante, um dos artistas do grupo. “Nossos corpos são incertos, nossa linguagem é incerta, esse é nosso modo de viver, de fazer e de resistir”, completa Viviane Lee, outra artista do clã.
Resistência é uma das palavras da vez na Casa de Criadores. Até mesmo entre o grupo do extremo oposto dessa jovem guarda, formado por uma turma mais madura, experiente e focada no design da roupa propriamente dito.
O nome mais emblemático desse núcleo é o estilista Rober Dognani, que fez uma coleção de vestidos de festa toda construída em algodão, uma sutil subversão num universo em que reina o glamour de sedas, rendas, tules e cetins. Foi uma celebração à alta-costura, à técnica, à roupa e à moda brasileira, tendo como pano de fundo um encontro (imaginário) entre dez dos mais influentes estilistas do País, todos falecidos: Clodovil, Dener Pamplona, Markito, Ocimar Versolato e Clô Orozco, entre eles.
Nesse guarda-roupa feito a 20 mãos, surgem vestidos e capas dramáticos, com dimensões e volumes exagerados, exibidos por modelos acompanhadas de clones (impressionantemente semelhantes) dos criadores homenageados.
Nessa mesma turma estão Martins.Tom, que fez uma coleção em homenagem à avó (trabalhando estampas pela primeira vez), Weider Silveiro, misturando padronagens de xadrez, camuflados e florais, inspirado pelo performer Leigh Bowery, e Fernando Cozendey, que investiu no escapismo de motos e automóveis, desenhando uma coleção esportiva, com recortes aerodinâmicos e um quê de fetiche. “É uma coleção engraçada, bonita, sexy e é isso. É uma mulher motoqueira que pega a estrada, vai e desbrava seus caminhos”, conta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.