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‘A Odisseia do Cinema Brasileiro’ traz outro olhar sobre produções nacionais

No Rio, o lançamento teve direito a debate, com participação de Walter Salles e Fernanda Montenegro, e mediação do blogueiro do jornal O Estado de S. Paulo Rodrigo Fonseca. A Odisseia do Cinema Brasileiro, de Laurent Desbois (Companhia das Letras, 574 págs.), traz um olhar de fora sobre o cinema brasileiro. Em meio à enxurrada de lançamentos – livros que resgatam os escritos de Paulo Emílio Salles Gomes e Jairo Ferreira -, o de Desbois destaca-se pela originalidade na abordagem de autores muitas vezes negligenciados.

Em que outro livro você vai ter a obra de Carlos Hugo Christensen tratada como gente grande? E que outro pensador do cinema brasileiro ousa dizer que, pelo conjunto da obra, os dois autores mais consistentes do Brasil são Walter Hugo Khouri e, claro, Glauber Rocha? Essa revalorização do paulista que, por muito tempo, carregou a fama de ser ‘o sueco’ do cinema brasileiro, não se dá só no livro. Eryk Rocha, no documentário Cinema Novo, também integra parte do cinema de SP no movimento – Khouri, representado por O Corpo Ardente, Paulo Sérgio Person, por São Paulo S.A.

No prefácio, Walter Salles faz uma afirmação que poderia ser de Eryk Rocha sobre os autores do Cinema Novo – “Desbois mostra que a história do cinema brasileiro é a de autores que, além de desvendar um país, souberam sonhá-lo.” Salles propõe uma epígrafe de Paulo Emílio – “Não somos nem europeus nem norte-americanos.

Privados de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo é.” Essa afirmação, pinçada com precisão cirúrgica, remete a outra afirmação de Paulo Emílio nos anos 1950, comparando as estreias de Khouri e Nelson Pereira dos Santos. Em Rascunhos e Exercícios, o patriarca da crítica fez época ao opor dois filmes e duas correntes, Estranho Encontro e Rio, 40 Graus. Seriam passado e futuro, descolonizados e alienados culturais. O rótulo de alienado acompanhou Khouri a vida inteira. Desbois ousa, agora, dizer – “Além de ter sido o maior diretor de atrizes do cinema brasileiro, (Khouri) também foi um de seus raros autores. Ao lado de Glauber Rocha, seu oposto estético e semântico, sua obra é a única, até o momento, de real (assinalado no texto) coerência.”

Num encontro com o repórter, no Rio, Desbois relatou sua experiência. “Tive o privilégio de trabalhar nos serviços culturais da embaixada francesa em diversos países da África, Europa e América do Sul. Isso me permitiu vivenciar o outro – outras culturas, outros olhares. Fiz doutorado em literatura e ciências da arte pela Universidade de Paris X e colaborei com Cahiers du Cinéma no fim dos anos 1990.” Nessa função, Desbois foi um dos responsáveis por divulgar a ‘retomada’ do cinema brasileiro no exterior. No texto de abertura, Terra dos Índios, ele invoca os índios quíchua da Bolívia e os tupinambás e guaranis do Brasil, para os quais o tempo passa de maneira diferente – de trás para frente. “Se a vida deles fosse um filme, o futuro seria apresentado em flash-back.”

Esse paradoxo lhe permite pensar que o Brasil – país do futuro para Stefan Zweig – é, na verdade, um país sem memória do eterno retorno das coisas esquecidas, em especial de seu cinema. O cinéfilo brasileiro pode se orgulhar de seus autores, mas para o mundo a participação do País no universo do cinema é quase nula. “A História do Cinema de Maurice Bardèche nem cita o Brasil e o Guia de Filmes de Jean Tulard, com 10 mil títulos, lista só 16 produções brasileiras.” Desbois, que mora no Rio, assumiu o desafio de contar a história desse cinema negligenciado ou esquecido. Publicou dois livros na França – Les Rêves d’Icare, que cobre de 1940 a 70 e investiga as experiências da Vera Cruz e da Atlântida, a eclosão do Cinema Novo e a resistência ao golpe cívico/militar, e La Complainte du Phoenix, mapeando a produção de 1970 a 2000, quando se reinicia a produção, após a era Collor.

Os dois volumes saem agora num só, no Brasil – A Odisseia do Cinema Brasileiro, da Atlântida a Cidade de Deus. Como Homero, Desbois divide seu livro em 12 capítulos, correspondentes aos 12 cantos da Odisseia. Estão lá a chanchada (Arte Brasileira), Oscarito e Grande Otelo, a Vera Cruz (e sua estrela magna, Eliane Lage). Os ícones do Cinema Novo (Glauber, Nelson, Ruy Guerra e os outros), as grandes polêmicas (estética vs. cosmética da fome), e os outsiders, enfim resgatados – Khouri e Christensen. Desbois ousa dizer que o filme gay de Carlos Hugo, O Menino e o Vento, é uma obra-prima. A história continua. “Quero fazer um terceiro livro, mas é preciso mais distanciamento”, avalia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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