A nova agonia do RPM

Dois anos depois da estrepitosa reunião que rendeu a venda de 270 mil discos, 50 mil DVDs e a realização de quase 200 shows, o RPM agoniza. Uma briga entre seus membros rachou a banda e ameaça novamente o futuro do grupo que conheceu o céu e o inferno do rock brasileiro: dos quase 3 milhões de cópias vendidas de Rádio Pirata ao Vivo, lançado em 1986 (recorde absoluto de um único disco de rock até hoje), à decadência e finalmente à extinção nos anos 90.

Na semana passada, uma carta intitulada A Verdade sobre o RPM 2004, assinada pelo guitarrista Fernando Deluqui e pelo tecladista Luiz Schiavon, foi publicada no site da banda (www.rpm.art.br) e distribuída para algumas redações. No texto, Deluqui e Schiavon acusam o vocalista Paulo Ricardo de ter registrado as ?marcas? RPM, Rádio Pirata e Revoluções por Minuto no meio da turnê de RPM MTV ao Vivo 2002, sem consultar os outros integrantes, e de ter aberto uma empresa com atribuições de gravadora e agência de empresariamento (RPM Entretenimento), sem a participação dos demais.

Em seguida, há cerca de dois meses, teria dado um ultimato aos companheiros: ?Ou assinaríamos um contrato com a empresa dele, que lhe daria poderes para decidir tudo, inclusive repertório, capa, venda de shows, licenciamentos, propriedade sobre os fonogramas, etc., ou seríamos ?excluídos? da banda?, revela a carta de Deluqui e Schiavon. ?Todo o lucro destas operações fica para a ?RPM S/A?, da qual são sócios o próprio Paulo e três ou quatro ?investidores?, entre eles sua mulher e alguns amigos de ambos?.

Para completar, Paulo Ricardo descartou o repertório que vinha sendo trabalhado e passou a compor com a dupla alagoana Sonic Jr., propondo que Deluqui e Schiavon criassem a partir desse novo trabalho. ?Era exigido que tanto o guitarrista Deluqui quanto o tecladista Schiavon ?encaixassem? seus trabalhos nos arranjos de um novo repertório, apenas executando ou complementando partes previamente criadas por terceiros e pelo próprio Paulo?, afirma a carta.

Gemidos

Em entrevista a O Estado por telefone, Deluqui contou que Paulo Ricardo chamou o Sonic Jr. (?uma dupla que está começando agora?) para produzir o novo disco, e que o repertório teria ?pouquíssimas partes de guitarra e teclados?: ?Não tem por quê esvaziar os arranjos das músicas. O RPM sempre teve teclado pra caramba e grandes solos de guitarra?. E arremata: ?Ele canta daquele jeito, com aqueles gemidos e gritinhos dele, e nem por isso a gente fica pressionando para ele cantar de outra maneira. O Paulo devia dar graças a Deus por ter conseguido reunir a banda, e ter mais força e humildade para seguir em frente. Mas ele está com os valores totalmente invertidos, baseados no ego e na ganância?.

Direitos

E há também a delicada questão dos direitos autorais: como assina praticamente todo o novo repertório, Pauro Ricardo teria ?um considerável rendimento adicional com direitos?. O guitarrista e o tecladista contam ainda que, como se recusaram a trabalhar nessas condições, teriam sido pressionados a ?abandonar a banda?, e depois comunicados de que seriam ?desligados?, ?uma vez que a marca RPM agora pertence à PRM Artes (PRM de Paulo Ricardo Medeiros)?.

O texto termina dizendo que ?este ?novo? RPM, como está sendo apresentado, não passa de um engodo para disfarçar um projeto individual do sr. Paulo Ricardo, que não tem a hombridade de fazê-lo com seu próprio nome, temeroso de uma possível rejeição do público, e usa a marca da banda para garantir seus lucros?.

E conclui: ?Usa-a também para confundir o público, profissionais do meio e promotores de shows, misturando o nome da banda RPM a uma nebulosa empresa ‘RPM Entretenimento’, artifício que permitirá que ele (ou seus funcionários) venda(m) gato por lebre?.

Os ex-companheiros de Paulo Ricardo agora prometem recorrer às ?medidas judiciais cabíveis? para recuperar o nome. Mesmo assim, não descartam a possibilidade de voltar a tocar com o vocalista: ?Gostaríamos que ele voltasse atrás para continuar com a banda?. Lembrando que o baterista Paulo ?P.A.? Pagni optou por seguir com Paulo Ricardo.

?Não podemos ficar parados no tempo?

Em conversa por telefone, Paulo Ricardo deu a sua versão dos acontecimentos. Confirmou o registro dos nomes, mas nega que tenha feito sem o conhecimento dos outros integrantes do grupo: ?Essa volta superou todas as expectativas, fizemos uma turnê maravilhosa, e eu retomei uma idéia que já tinha antes – de ter produtos licenciados da banda (camisetas, bandeiras, bonés). Um negócio bacana, oficial, mas para isso teria que registrar os nomes, o que levava tempo e dinheiro. Eu disse que faria, e eles concordaram?.

Com relação à mudança de planos no repertório da banda, o vocalista explica: ?O adiamento do novo disco, previsto inicialmente para ser lançado em outubro, me fez repensar o RPM estruturalmente. Talvez não devêssemos mais nos submeter a uma grande gravadora, temos todas as condições de ter o nosso próprio selo… além disso, com o fim da turnê, pude ouvir com calma o material que vínhamos produzindo. Achei tudo muito datado, anos 80 demais, com aqueles teclados sinfônicos, guitarras de garagem, e concluí que uma banda que prega Revoluções por Minuto não pode ficar parada no tempo?.

Ele diz ter discutido o assunto com a banda: ?O Nando achou bom, pois assim teria mais tempo de se dedicar à carreira solo; o Luiz não gostou muito, mas também não contra-argumentou; e o P.A. adorou a idéia, achou que poderia explorar outras formas de tocar?.

Para Paulo Ricardo, foram Deluqui e Schiavon que se afastaram, ao deixar de ir aos ensaios: ?Começamos a trabalhar forte no novo disco, marquei ensaio todo dia, durante um mês, das 14 às 20h. O P.A. ia sempre; o Nando quase não aparecia. Eu ligava, e ele dizia que estava se divertindo com a carreira solo; e o Luiz, quando ia, fazia tudo com uma má-vontade, uma displicência, que daria ?justa causa?. RPM quer dizer ?Revoluções por Minuto?, e não ?Repartição Pública de Músicos?, que você aparece a hora que quer, põe o paletó na cadeira e vai embora?.

?Sejam felizes?

Chegou um momento, segundo o vocalista, em que ele cansou de discutir: ?Vou fazer a coisa do meu jeito, e eles que sejam felizes?. O encontro com os alagoanos do Sonic Jr. foi intermediado pelo fotógrafo Rui Mendes, amigo pessoal de Paulo: ?O Rui tinha fotografado o Abril Pro-Rock deste ano, em Recife, e me disse que tinha visto um duo interessante. Eu ouvi o material, gostei e a gente marcou um encontro. A coisa fluiu de uma maneira espetacular, totalmente nova e estimulante. As músicas foram saindo uma atrás da outra, a gente foi se empolgando, e quando nos demos conta tínhamos um disco quase completo?.

Mesmo assim, a intenção era gravar o disco com os companheiros de RPM. ?O P.A. teve uma empatia imediata com os meninos do Sonic, mas o Nando e o Luiz ficavam criando caso… eu dizia ?depois a gente discute isso, mas venham ensaiar?. As músicas deles estão paradas no tempo, é só ouvir. Eu estou ali na frente, me recuso a ser uma caricatura dos anos 80, de ombreiras e mullets. A fila andou, e só eles não perceberam?.

O novo trabalho com a grife RPM, com Paulo Ricardo e Sonic Jr., deve sair em março. ?Eles fazem lamúrias enquanto nós fazemos shows?, conclui.

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