A história de uma mulher alforriada que volta a ser escrava é o objeto do espetáculo carioca A Negra Felicidade. Dirigida por Moacir Chaves, a montagem reconstitui um episódio verídico do Rio de Janeiro do século 19: em 1870, uma ex-escrava pede um empréstimo para conseguir comprar a liberdade de sua filha. O agiota, contudo, decide cobrar a dívida assumindo a posse da moça.
À época, o caso foi levado ao tribunal. E é precisamente sobre esse processo judicial que a peça se detém. “Não se trata de uma dramatização dessa situação, mas de uma relação com a notícia bruta, com os documentos”, comenta o diretor, que construiu a dramaturgia a partir dos autos do processo jurídico, de classificados de jornal daquele período e de um sermão do Padre Antônio Vieira.
“Além do imenso valor literário, esse é um sermão que trata especificamente da natureza ignóbil do homem, que explora a própria espécie”, pontua Chaves.
A despeito do caráter histórico, o caso recuperado por A Negra Felicidade pode servir para ampliar o entendimento sobre questões atuais. Ao recorrem à justiça, mãe e filha acabaram condenadas a prestar serviços por dois anos ao homem que as ameaçava. “Vivemos falando sobre a violência das cidades como se tratasse de um novo fenômeno e não da base sobre a qual nossa sociedade foi calcada. A violência de hoje é desprezível se comparada à da escravidão”, observa o encenador.
Além de A Negra Felicidade, a Companhia Alfândega 88, criada por Moacir Chaves em 2011, traz outro título de seu repertório a São Paulo. Labirinto leva à cena três textos do dramaturgo gaúcho Qorpo Santo: Hoje Sou Um, e Amanhã Outro; As Relações Naturais e A Separação de Dois Esposos.
Escrita no século 19 e desconhecida até a década de 1960, sua obra tratava de temas interditos como a sexualidade e a pedofilia. A Separação de Dois Esposos traz, inclusive, aquela que é considerada a primeira cena gay do teatro brasileiro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.