Entre um vestido do ano de 1868 bordado com 5 mil asas de besouros e uma túnica de seda de aranha sintética, desenvolvida por uma empresa de biotecnologia, está exposta uma bolsa da marca Osklen feita com couro de pirarucu, o maior peixe de água doce da Amazônia.

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A exposição em questão é a Fashioned from Nature, a mais completa mostra sobre a relação da moda com a sustentabilidade, em cartaz no Victoria and Albert Museum, em Londres, até o dia 27 de janeiro. Estão reunidas ali obras-primas da tecelagem e da confecção, exemplares históricos da alta-costura e roupas criadas a partir de novos processos tecnológicos, que prometem reduzir o impacto ambiental dessa indústria num futuro próximo.

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Assim como a indústria alimentícia vem passando por uma revolução que exige informações claras sobre a procedência dos ingredientes, a moda de luxo se prepara para o crescimento do consumo consciente, enxergando nele um dos principais movimentos do mercado. “Vamos nos perguntar sobre a verdade das roupas que vestimos”, incita Chiara Gadaleta, fundadora do Eco Era, uma plataforma dedicada a moda sustentável. “Quem fez o que, onde e como? Precisamos saber disso tudo e também entender o que as roupas representam e qual a mensagem que passamos através do que vestimos.”

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A questão da sustentabilidade hoje é realmente uma forte tendência que pode ser vista no museu, nas passarelas, nas mídias sociais e até em ações das redes de fast-fashion.

O trunfo da Osklen em relação ao assunto é seu pioneirismo. Há mais de dez anos, a marca criou o Instituto-e, que desenvolve projetos de cunho sócio-ambiental, como o do uso do pirarucu, que hoje é matéria-prima de 48% dos seus acessórios em couro. “Antes disso, já fazíamos experiências com a pele da tilápia, usávamos algodão orgânico e trabalhávamos na capacitação de artesãos e designers em comunidades”, lembra Oskar Metsavaht, o diretor de criação da Osklen.

O discurso em torno de tecidos naturais e de formas sustentáveis vem reverberando no mercado como um todo porque está totalmente alinhado aos anseios das próximas gerações. “O novo luxo representa um estilo de vida compatível com os valores de sustentabilidade. É um modo de ser que é o contrário do exibicionismo. É atribuir um design sofisticado a materiais sustentáveis unindo a estética à ética”, afirma Oskar.

As enormes escamas do pirarucu, que tem o tamanho de um golfinho, e sua textura metalizada conferem mesmo um efeito 3D surpreendente às criações. Mas os bastidores de sua produção revelam um universo paralelo bem distante do glamour das vitrines. Refazer os passos da pele de pirarucu, do manejo ao varejo, por exemplo, leva tempo e um longo percurso em aviões, barcos e canoas – são 11 horas a partir de Manaus rumo à reserva de Mamirauá, no coração da floresta amazônica, onde ocorre o manejo.

Nas margens do rio Solimões, dezenas de pequenas comunidades, com cerca de 20 famílias cada uma, vivem sem luz elétrica (nem geladeira e afins) e sem sinal de celular, em casas de madeira desprovidas de móveis. Eles dormem em redes e tomam água da chuva.

Há pouco mais de uma década, o pirarucu estava ameaçado de extinção nesta região, quando iniciou-se um processo de conscientização dos ribeirinhos encabeçado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS). Durante um ano, a pesca foi interrompida até ser instituída uma nova forma de manejo, no qual os peixes são retirados apenas durante uma temporada de três meses (de setembro a novembro) com o uso de redes largas para proteger os filhotes, respeitando o ciclo reprodutivo da espécie.

Com isso, cerca de mil famílias foram beneficiadas e tornaram-se guardiãs da pesca local (evitando a invasão de barcos pesqueiros de outras áreas). “O couro do pirarucu antes era tido como resíduo e descartado, jogado fora. Hoje, ele pode render até 17 vezes mais do que se fatura com a comercialização da carne”, diz Gilvan Sousa, técnico da FAS. No ano passado, o manejo rendeu R$ 3 milhões às comunidades.

As questões que esse tipo de trabalho envolve são complexas. Incluem hábitos e tradições culturais, políticas públicas e aspectos econômicos. “Quando pensamos no desmatamento da Amazônia imaginamos as grandes empresas de soja e de pecuária. Mas além delas, o próprio ribeirinho também desmata para arrendar sua terra para criação de gado, pensando em aumentar a sua renda”, explica Nina Almeida Braga, diretora executiva do Instituto-e. “Ao propor uma alternativa como a do pirarucu, tocamos também questões que vão além da roupa. Para as gerações futuras, saber sobre a origem da matéria-prima e suas certificações será essencial”, finaliza Nina.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.