A moda e as palavras

Se alguém me pedisse uma definição breve e esquemática de moda, eu arriscaria esta: trata-se de uma ditadora extremamente afável, risonha, benevolente. E embora não exija obediência ou vassalagem, de forma autocrática, a verdade é que quase todos olhe obedecem. Não apenas de modo servil, mas até prazerosamente.

Note-se, porém, que esse fenômeno não se verifica apenas no modo de vestir, na maneira de “embrulhar” o bípede implume que se chama homem. Ou mulher. Sobretudo mulher… “Et pour cause”. Isso acontece em vários outros setores. Inclusive, no terreno pedregoso do léxico da língua.

Sim, também as palavras podem estar, entrar ou sair de moda. Mas podem também ser descartadas liminarmente e lançadas no limbo incolor do ostracismo e do esquecimento. Vulgarmente chamado de lixo. Apenas para dar um exemplo: quem utiliza hoje a palavra “rapariga”, que até os anos 40 ou 50 era o feminino gramaticamente correto de “rapaz” (e continua sendo em Portugal, diga-se de passagem). Não se sabe por que cargas d’água, a partir de meados do século passado o vocábulo em apreço passou a ter uma acepção francamente pejorativa. Por isso, saiu de moda.

Outro exemplo: quem escreve ou fala hoje de rapé ou caixa de rapé? No entanto, inúmeros escritores, de Machado de Assis a Graciliano Ramos e Coelho Neto, se referiram com freqüência ao hábito de cheirar rapé, para provocar um gostoso espirro. A partir de uma certa altura, rareou ou desapareceu o hábito – e com ele a palavra. (E eu nem ouso pensar em escrever o termo com que, naqueles anos tranqüilos, se designava a prosaica e vulgaríssima caixa de rapé… Esse, não apenas saiu de moda como foi execrado, destituído, exilado, degredado para os cafundós-do-judas. E nunca mais se ouviu falar dele em todas as paróquias brasílicas…)

Algumas pessoas têm preconceito contra certas palavras, que consideram curtas ou compridas, fáceis ou difíceis, elegantes ou pernósticas. Já eu, no fundo da cripta da minha insignificância, penso que existem apenas palavras certas ou erradas, corretas ou incorretas, adequadas ou inadequadas para exprimir uma idéia ou veicular um pensamento. As palavras são o que são. E são como são. Não passam, todas elas, como diz Shakespeare pela boca de Hamlet, de “words, words, words”.

Acredito que, contemporaneamente, três palavras, entre outras, se destacam pelo fato de estarem, por assim dizer, no auge da moda. Qual é esse triunvirato verbal? Ei-lo: emblemático, paradigmático e globalização. Há outras? Certamente. Mas essas me parecem emb… Cala-te, boca.

Com relação ao primeiro dos três vocáculos referidos, confesso “mea culpa, mea maxima culpa”, que eu próprio uso e abuso da mesma há mais de quarenta anos. Desde o tempo em que, provavelmente, apenas três brasileiros a utilizavam sempre que preciso. Refiro-me aos mestres Alceu Amoroso Lima, Antônio Houaiss e Antônio Cândido. Haveria um quarto, que eu prefiro omitir, por razões estratégicas… Seja como for, eu fui talvez um dos primeiros “plagiadores” dos mestres, usando e abusando da palavra com habitualidade – ou com a maior cara de pau.

Para o termo “paradigmático”, vale talvez o mesmo “curriculum vitae” de “emblemático”. Já o vocábulo “globalização” é de uso (e abuso) mais recente. Ele exprime uma realidade transnacional, planetária, ecumênica – e eu não entro no mérito, se é boa ou má -, e como tal deve ser aceito com certa reverência. Mesmo que se torça o nariz, involuntariamente… Voltando à palavra derivada de emblema, não há dúvida que ela, além de profundamente significativa (e significante) é também agradável, elegante, sonora, cantante. Em síntese: emblemática.

Estou convencido de que, depois desses três vocábulos que todos têm na ponta da língua, ou dos dedos digitantes, não está muito longe a hora e a vez, não do Augusto Matraga rosiano, mas de outro vocábulo denso, tenso, intenso, sonoro, musical: arquetípico. Quem quer servir-se dele? Estejam à vontade. Ele é todo vosso.

João Manuel Simões

é escritor e membro da Academia Paranaense de Letras.

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