Tradição

A magia do carnaval na verde e rosa

“Mangueira, teu cenário é uma beleza que a natureza criou”, o samba em exaltação à Estação Primeira de Mangueira traduz em versos musicais um sentimento difícil de explicar.

A casa de Jamelão, Tia Zélia, Cartola, Alcione, Chico Buarque é grande: dentro dela cabem exaltados integrantes da escola, crianças que nasceram ao som do samba, moradores da comunidade e quem mais chegar.

Na fachada do grande barracão – colado ao pé do Morro da Mangueira, na zona norte do Rio de Janeiro – o verde e rosa marcam posição. A rua em frente é abrigo para dezenas de barraquinhas com os mais variados quitutes, que vão de cachorro quente a ovo em conserva. Em uma dela está lavrado: “Quem é do mar não enjoa”. Para estômagos fortes.

Mas, como diria Chico Buarque, entrar na Estação Primeira é como pisar em um chão de Esmeraldas. Ou como proclama o hino de exaltação composto por ele: “Todo mundo te conhece ao longe, pelo som dos seus tamborins e o rufar do seu tambor”. Chegou a Mangueira.

A dualidade de cores faz do cenário um complemento para a cortina do palco, na verdade uma enorme bandeira da escola. Um conjunto de samba embala o primeiro momento da noite.

Do camarote, Alcione cumprimenta fãs, bate papo com amigos, mas os olhos permanecem atentos à frente, miram o show. A paixão pela Mangueira é evidente: O rosa colore o vestido longo e duas rosas adornam os volumosos cabelos de Marrom.

Devagar, Alcione caminha em direção ao palco e canta um pedido: “Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar”. A outra é Meu ébano: “É! você é um negão de tirar o chapéu , não posso dar mole senão você créu!”.

Mesas de plástico organizadas simbolicamente em uma fila deixam livre o estratégico espaço ao centro da quadra. É lá que se dança. Ao redor, a maioria das cadeiras está vazia – uma em especial chama a atenção.

À frente, do lado direito do palco um senhor está sozinho, admirando. Ele aparenta a serenidade de quem se sente em casa. Olhando, calcula-se que o senhor usando chapéu tenha uns 80 e poucos anos. Às costas da camisa que ostenta as cores da Escola está designado: “Diretoria”.

Velha guarda. Aos seus lados e sua frente estão todos os passistas, uns dançam freneticamente enquanto outros posam para fotografias. Umas dez ou quinze pessoas pareciam turistas, que, como tal, ficavam maravilhados com tudo ali.

A certa altura percebe-se uma movimentação comum, deslocamento que ao mesmo tempo expande e internaliza. Da escada ao lado do palco descem mestre-sala e porta-bandeira, caminhando rumo ao meio do espaço.

Aquele senhor de chapéu levanta e acompanha, agora portando um apito no peito. Eles se unem aos outros integrantes da velha guarda, e também a passistas e sambistas do morro para abrir os trabalhos da noite.

No ápice, ouve-se o primeiro rufar dos tambores. Os passos movem-se sem se darem conta, tomados pela onda que emana de todos os lados. Na hora ninguém escapa: com a benção de Cartola e Jamelão a Bateria da Mangueira mostra porque veio ao mundo. A intensidade se multiplica no instante em que o telhado do barracão se abre, deixando à vista o céu cheio de estrelas.

É indispensável muito samba no pé e sangue na veia para acompanhar o intenso mover de corpos. A música guia uma catarse coletiva que capta todas as boas vibrações do mundo. Sem esperar o carnaval chegar, essa gente mostra que o samba é lá na Mangueira.

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