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A jornada dos marginalizados em ‘Yomeddine’

Embora Yomeddine – Em Busca de um Lar tenha sido uma rara unanimidade no Festival de Cannes do ano passado, muitos críticos reclamaram da inclusão do longa do estreante A.B. Shwaky na competição. O filme teria sido muito melhor apreciado fora de concurso, ou em alguma mostra paralela. A competição sempre carrega um peso muito grande. Os filmes são comparados e há muita pressão, porque em jogo está a Palma de Ouro, que pode representar dinheiro e prestígio. Por seu perfil, Yomeddine é um road movie simples e caloroso. Com a Palma como farol, tornou-se obrigatório procurar e expor seus defeitos, que são os de um primeiro filme.

A.B. Shawky graduou-se em cinema na Universidade de Nova York. Escolheu um diretor de fotografia argentino, Federico Cesca. Foram para a estrada, revelando um Egito que não está no gibi. Cannes sempre teve um olhar para o cinema egípcio, por meio dos filmes de Youssef Chahine, que misturavam descrições históricas e sociais a uma forma musical, com direito a canto e dança. Shawky busca outro recorte. Seu filme conta a história de um homem, Beshay, que, curado da hanseníase, permanece no isolamento. Quando sua mulher morre, ele resolve partir. Com o garoto, montado num burro, partem em busca de um lar. Justamente esse foi o subtítulo que Yomeddine ganhou no Brasil, distribuído pela Imovision.

Indicado pelo Egito, Yomeddine concorreu a uma vaga no Oscar. A Academia deve ter achado que era demais dois filmes com crianças e sobre pobreza. Preferiu Cafarnaum, de Nadine Labaki – seguindo o exemplo do júri de Cannes, presidido por Cate Blanchett. Há controvérsia. Apesar de alguns momentos mais sentimentais, Yomeddine é austero, quase neorrealista. A jornada expõe preconceitos – cada vez que vem à tona o passado de Beshay. Criança, ele foi deixado no confinamento para hansenianos pelo pai, que prometeu voltar. Existe algo de Lion – Uma Jornada para Casa, de Garth Davis – os dois irmãos, separados naquela estação. O que prometeu voltar, e nunca veio. Outro difícil retorno ao lar.

No caminho, Beshay e Obama, o menino, encontram poucos amigos – o ex-caminhoneiro que perdeu a perna. São todos estropiados, mas se unem na solidariedade e no afeto. Em 2009, Shawky havia feito um curta como trabalho de faculdade. The Colony marcou seu primeiro encontro com a colônia de hansenianos ao norte do Cairo. Foi lá que ele encontrou seu ator, o carismático Rady Gamal, que apresenta deformidades produzidas pela doença. Para Shawky, ele não é nenhuma aberração, mas parte da nossa diversidade humana. O diretor e seu fotógrafo possuem um olho para a paisagem, essencial num road movie. Filmam a pobreza com austeridade, evitando o ‘poverty porn’, como definiu Shawky na coletiva. “O que me interessava eram as pessoas, a humanidade de meus extraordinários atores, que se atiraram com intensidade nos personagens, sem a salvaguarda dos profissionais, que não são.”

O diretor foi criticado pelo excesso de música, que força a emoção. Defendeu-se dizendo que era um dado cultural. “A musicalidade é muito presente nos filmes egípcios. Vocês sabem – aqui mesmo em Cannes passaram vários filmes de Youssef Chahine.” O título, Yomeddine, refere-se ao Dia do Julgamento. Os animais, sem pecado, vão diretamente para o céu, e o burro evoca Balthazar, de A Grande Testemunha, de Robert Bresson. “É impossível haver estudado cinema sem conhecer Bresson”, refletiu o diretor. O ponto do filme refere-se à dor dos humanos, que não são isentos de pecado, mas também merecem o paraíso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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