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A intensa e trágica vida de Edwin Valero

O boxe se orgulha de ter em sua história inúmeros casos de recuperação social. Homens que canalizaram a violência para conseguir sucesso nos ringues, ao espancar seus adversários. Mas não foi isso que ocorreu com o venezuelano Edwin Valero, cuja vida é contada em El Inca, destaque desta terça, 31, da 41ª Mostra de Cinema. O longa é o indicado da Venezuela para concorrer ao Oscar na categoria de melhor produção estrangeira.

Ignacio Castillo Cottin, diretor de El Inca, conta que o filme sofreu censuras por parte do governo venezuelano e deixou de ser apresentado em todas as salas do país. Além de políticos, parentes do pugilista afirmavam que a obra fora feita sem a autorização da família.

“Trata-se de um precedente muito grave contra a liberdade de criação. Eu me sinto humilhado e não posso deixar que pisem em meu trabalho dessa forma”, disse Cottin, que estudou cinema el Los Angeles e estreou como diretor em 2008.

O ator Alexander Leterni interpretou Valero de forma espetacular. Ele ganhou 12 quilos e treinou boxe por um ano. “As gravações duraram três meses e foram 12 horas diárias. Trabalho difícil, pois o personagem tinha características totalmente diferentes das minhas.”

Leterni fez questão de contracenar com pugilistas nas cenas de luta. “Foi uma exigência minha”, afirmou o ator, que se mudou para o Equador, com a esposa e a filha, após o final das gravações. “Compramos um restaurante e vamos passar um tempo fora para que eu possa me desligar do personagem. Chorei muito após a última cena.”

El Inca é um filme intenso, violento, chocante, assim como foi a vida de Edwin Valero. Ele teve uma infância marcada por brigas nas ruas de Mérida e que sempre acabavam nas delegacias. Em 2001, aos 19 anos, estreou no boxe e venceu os 12 primeiros duelos por nocaute no primeiro assalto. Um exame de rotina apontou uma mancha no cérebro, diagnosticada como um coágulo, devido a um acidente de moto.

Valero teve a carreira paralisada por 14 meses. A convivência com grupos perigosos o fez gastar o tempo livre com álcool e cocaína. Quando voltou, lutou na Ásia, Panamá, França e México, sempre apresentando uma violência incomum. Valero era um peso superpena (58,967 quilos), que tinha capacidade para derrubar oponentes muito mais pesados.

O título mundial veio na 20.ª luta, em 2006. “Ele era um sujeito imprevisível, sem controle”, disse o empresário Bob Arum, que chegou a pensar em fazer uma luta entre Valero e o astro Manny Pacquiao.

Com o cinturão conquistado, Valero acumulou um ciúme doentio pela esposa Jennifer Carolina Viera, com quem teve dois filhos. Segundo jornalistas, “nunca mais se viu a moça sorrir”. Esta relação é intensamente descrita em El Inca.

Valero passou a dar declarações políticas bombásticas e tatuou no peito a bandeira venezuelana e o rosto do presidente Hugo Chávez. Virou um instrumento político. Atribuiu ao fato de não obter visto para lutar nos Estados Unidos por causa de seu engajamento chavista, mas, na verdade, respondia a processo por dirigir embriagado.

Em 2010, dois meses após o último triunfo, levou sua esposa para o hospital com perfurações nos pulmões e nas costelas. Afirmou que as contusões haviam ocorrido após uma queda. No hospital, ameaçou médicos, enfermeiros e policiais. Um mês mais tarde, aceitou ser internado e passaria um tempo em uma casa de reabilitação em Cuba, mas, no dia do embarque, foi pego em seu carro dormindo, bêbado, e perdeu o voo. Dez dias depois, foi para Valencia. Na manhã seguinte, de pijama e descalço, se dirigiu até a recepção do hotel e informou que havia matado Jennifer a facadas.

Sem resistir à prisão, foi levado para a cadeia, onde policiais tiveram o cuidado de retirar o cadarço de seus sapatos com medo de que ele poderia se suicidar. E foi o que ele fez com as calças durante a madrugada. Edwin Valero morreu aos 28 anos. Sua carreira somou 27 lutas, 27 vitórias, 27 nocautes. El Inca é de tirar o fôlego.

DICAS DESTA TERÇA-FEIRA

Desaparecer no Nada

O diário de um homem que perde suas conexões no mundo e só pensa em desaparecer. O português Pedro Maia é discípulo do mestre japonês Yasujiro Ozu, que, quando morreu, exigiu que escrevessem em sua lápide somente isso: nada. Belas Artes 3, 21h40.

Ramiro

Outro filme português. Manuel Mozos conta a história de um homem satisfeito com sua vidinha – uma pequena loja de livros, a avó doente, o cão, a vizinha adolescente. Mas algo ocorre que vai tumultuar tudo. Cinesala, 17h40.

Paulo Autran – O Senhor dos Palcos

Só as cartas que Fernanda Montenegro lê já vale o filme. Bom. O que omite sobre o homem, o diretor Paulo Abujamra revela sobre o artista. Frei Caneca 1, 18h.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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