As características do povo brasileiro vêm sendo descritas há muito tempo. Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Hermano Vianna relatam e enfatizam o enriquecimento da cultura brasileira com suas bases índias e negras, que formam o Brasil e o plasmam “como um povo mestiço na carne e no espírito, herdeiro de todas as taras e talentos da humanidade”(Ribeiro, 1995). Desse modo, “todo brasileiro, mesmo alvo e de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra ou pelo menos a pinta do indígena e do negro, principalmente do negro, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno. Somos um povo novo feito de povos milenares.”(Freyre, citado por Superfilmes O povo brasileiro)
Neste mesmo trabalho, Hermano Vianna afirma que “todos nós somos mestiços. Qualquer povo é produto do encontro de várias culturas. (…) Todos os povos de certa forma tentavam se pensar como puros, no início da história daquilo que é o ser francês, o ser alemão, etc. Uma lição importante que o Brasil pode dar aos outros povos é aceitar o desafio da mistura, aceitar a idéia de que nós não temos uma essência, uma pureza, mas que somos desde sempre mestiços, que é a partir daí que temos de reinventar uma maneira de estar no mundo.”O preconceito de alguém em relação a qualquer povo é um ato de ignorância, pois refere-se a si próprio.
O escritor paranaense, Inami Custódio Pinto, em fase final da preparação de seu próximo livro sobre o folclore, afirma que “nossa população ainda está em formação. Acredito que não vamos esperar mais do que 150 a 200 anos para que ela se homogeinize, e a população futura do Brasil será de mulatos e morenos, pode crer.”
Os costumes alegres trouxeram a tendência do seu espírito às festas profanas e religiosas, trazendo danças, cantos, músicas ardentes, o samba, a modinha, que é produto mestiço, resultado do encontro do árabe da península e do árabe do oriente africano, modificados no Brasil. “Nas relações sociais, a brandura cordial do negro deu entrada a hábitos de ternura como fazem os mocorongos (mulatos), matutos do Estado do Rio que se cumprimentam com um aperto de mão, seguindo-se por um toque mútuo no ombro direito, terminando com um novo aperto de mão”, enfatiza o escritor.
No centro dos debates sobre preconceitos, discriminações injustiças existentes em relação aos negros, quase não se fala de sua contribuição científica, percebida no cotidiano. João Dornas Filho (1902-1962), historiador, na obra A influência social do negro (1943, p. 11), afirma que ele é responsável pela maioria das características do povo brasileiro. “Ele foi o esqueleto, o arcabouço que afeiçoou a nossa raça, dando-lhe não só as linhas como a homogeneidade, que só a língua e a religião não teriam sido capazes de conseguir.”
De acordo com Inami, “o Brasil passa o que passa e consegue sobreviver devido à índole, também herdada do negro. Quanta docilidade, apesar de escravos. Você vê, as amas-de-leite amamentavam os filhos de seus algozes…”
Afirma Dornas Filho (1943, p.18) que “dessa amalgamação de almas e costumes, ficou uma infinidade de festas e folguedos que ainda hoje perduram”. Entre as festas cita-se a congada, o reizado, que se deixou influenciar pelo catolicismo, dando a característica do pitoresco. Alguns aspectos da influência do negro estão presentes na formação e estabilização das grandes propriedades agrícolas, do desenvolvimento da indústria do açúcar, da mineração do ouro e do diamante, da agricultura da cana-de-açúcar e do café. Ele trouxe um estádio mais adiantado de civilização, pois ele já vivia na África trabalhando uma agricultura regular, pastoreando o gado e conhecendo a siderurgia. Ele trouxe o processo de redução de ferro, remanescente provável de alguma instituição árabe no oriente africano, pois utilizava métodos aqui desconhecidos.”
No cotidiano alimentar, “a influência africana se exerce no angu, no vatapá, no chuchu, no jerimum (abóboras e morangas) e no quiabo, além da noz de cola, do azeite de dendê, do pano, do sabão da Costa e da galinha de Angola, grande poedeira e de carne deliciosa”, destaca Inami.
Lucildo Sergio, representante da etnia negra em Curitiba, ressalta que “ainda é pequena a representatividade dos negros em cargos de alto escalão, na política e nas universidades. Mas já houve um espaço conquistado, pois, no início, os negros eram trocados por coisas. Por meio de lutas pela sua libertação, como a de Zumbi do Quilombo dos Palmares, houve conquistas de espaços sociais, pela demonstração dos talentos e da cultura.”
Afirma não sentir preconceito em seu ambiente de trabalho, mas que ainda falta muito para que todos tenham as mesmas oportunidades, como quer a Constituição Brasileira. Para ele, a influência do negro no cotidiano se exerce pelo símbolo do futebol, Pelé, mas especialmente pelo samba. “No dia-a-dia, ao ouvir o samba, as pessoas estão usufruindo daquilo que o negro criou. Elas podem não parar para pensar, mas isso ocorre e elas estão em contato com os elementos que fazem parte da etnia negra”, afirmou Lucildo.
Zélia Maria Bonamigo
, jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail:
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