A infinita admiração de Wajda por Walesa

O filme mais badalado de ontem, 5, não estava em concurso, mas o fato se explica: não é sempre que um grande personagem contemporâneo é retratado no cinema como foi Lech Walesa por seu conterrâneo, mestre Andrzej Wajda.

O título não esconde o sentido do projeto – Walesa – O Homem da Esperança é uma hagiografia do líder sindicalista que se tornou a figura mais importante do seu país, enterrou o stalinismo na Polônia e ganhou o Prêmio Nobel da Paz, foi eleito presidente e comandou a nação na primeira fase pós-comunista. Sua trajetória é, de fato, impressionante.

Wajda, aos 86 anos, autor de clássicos como Cinzas e Diamantes, O Homem de Ferro e tantos outros, também o é. Consegue imprimir ritmo frenético a essa vida de luta, quer dizer, fazendo-nos sentir como era o dia a dia de Walesa quando contestava as autoridades do seu país e tentava liderar os trabalhadores rumo a um sindicato independente.

O filme tem um atrativo a mais para os italianos. Serve de âncora à narrativa a recriação de uma entrevista concedida em 1981 por Walesa à mítica jornalista Oriana Fallaci (1930-2006). Controversa, agressiva e cheia de ideias sobre tudo, era, ela própria, uma personagem e tanto. É interpretada por Maria Rosario Omaggio, que tem semelhança física com a personagem real e a mesma voz rouca esculpida em nicotina. No papel de Lech Walesa, Robert Wieckiewicz, assustadoramente parecido ao original.

As primeiras cenas entre os dois são muito boas. A uma pergunta agressiva, Walesa acusa a repórter de ditadora e ameaça encerrar a entrevista. Num momento em que ele se gaba de si, pergunta a Oriana se o considera presunçoso. Também ela dotada de um ego monstruoso, responde: “Não, por que acharia?” É engraçado.

Esse colóquio entre entrevistadora e entrevistado pontua a narrativa relembra os momentos-chave da ascensão de Walesa. Wajda filma como jovem. E ele, ou seu roteirista, Janusz Glowacki, mostra-se capaz de encontrar recursos interessantes de narrativa. Por exemplo, a primeira vez em que o ainda anônimo Walesa é detido, antes de sair de casa tira a aliança e o relógio e recomenda à mulher: “Se eu não voltar, venda para pagar as compras”. Será sempre assim. Mesmo quando já homem famoso, mas ainda perseguido pelas autoridades, deixará sempre o relógio e o anel em casa.

O retrato que emerge é fascinante: eletricista de formação, Walesa sabe, intuitivamente, dirigir-se à multidão. É líder nato. Esnoba intelectuais: “Fazem reuniões intermináveis de cinco dias para chegar à mesma conclusão a que eu chego em cinco segundos”. Gaba-se de nunca ter lido um livro. “Vou até a página cinco, depois desisto.” No final da entrevista, despede-se de Oriana e diz: “Se você escrever um livro dessa entrevista, mande para mim. Vai ser o primeiro que vou ler”.

Liderando greves, tornando-se conhecido mundialmente, consegue colocar o governo nas cordas. Associando sua figura à do papa Wojtyla, e valendo-se espertamente da queda de braço final entre as superpotências, Walesa acaba por se impor.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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