A história é escrita por historiadores, todos eles se dizendo sérios.
O saber da história, no entanto, é produto de estórias vividas, para usar de termos meio equívocos, importados, mas nem por isso menos verdadeiros.
Não gosto de histórias hígidas, meio bestas, às vezes totalmente pretensiosas e formais. Prefiro as estórias da vida, aquelas de Lobato e Twain, que dão sentido à vida.
O nome desta estória é Ariel que, por sinal, fez história.
O nome ele era e é Ariel Ferreira do Amaral e Silva, e não foi importante pelo nome e sim pela palavra e pelo exemplo. Não foi um ser excepcional. Foi um simples e, por isso, morreu como um passarinho… feliz por ter sido simples e passarinho.
Por isso ele fez história. Discreta, porque não a perseguiu, nem a enfeitou. Mas porque foi justo, um justo em todos os sentidos. Um ser humano, um homem que imitiou o que era bom – provindo de uma tradição familiar – mas não um intencional das coisas estereotipadas que o mundo paranaense fabrica, por fáceis, interesseiras, midiáticas e estratificadoras.
Somos todos nós vítimas dessa mania. Ariel não o foi. Atrás de sua seriedade, permitiu-se em silêncio dar o seu a cada um, como diriam os romanos em seu direito fundamental, que ele tanto amou, mas que adaptou sem conservar exageradamente, nem tergiversar pelas modas de um mundo jurídico tergiversador pela própria natureza dos seus operadores insensíveis, utilitaristas e masturbadores.
Não me venham com “varões de Plutarco” e coisas que tais que são arco retórico. Discursos e retóricas à parte, a vida só vale por ser ela mesma, errada ou certa.
Um homem sério não necessariamente é a somatória de virtudes – mas sim de virtudes e defeitos, estes, às vezes melhores que as virtudes, daquelas que se exibem como troféus marqueteiros – bem da moda.
Um homem sério é um homem de princípios, às vezes errados e até anacrônicos, mas de convicção. Um homem sério não é o falto de sorriso, mas dotado – até sem querer, quem sabe – da mania de pensar coisas boas para todos, um altruísta, enfim.
Esse homem era do tempo em que, como juiz de família, pacientemente ouvia as partes, seus ódios e amores, seus filhos – não se limitando, como hoje, a remeter audiências conciliatórias (?) vitais, à simples burocracia de um escrivão, uma espécie de despachante de coisas desimportantes.
Não por acaso, a jurisdição é voluntária, mas não é coisa de somenos…
Dir-se-á que o tempo hoje é outro e pouco, e os interesses são outros.
Tempo são achados para quem trabalha e meros interesses não são valores.
Era do tempo em que as pessoas tinham amor à terra, não pelo gosto de possuí-la, mas pelo de tê-la como mãe generosa.
Andava por aí, como o seu podão. Não para podar, mas para plantar as árvores que jamais, sabia, veria se transformar em pinheiros. Esses mesmos que hoje erguem seus muitos braços ao céu, em direção a ele, o Ariel da natureza.
Dos campos gelados do sul, em Clevelândia ao calor do Norte Pioneiro, em Santo Antônio da Platina, foi o amante dessa telúrica paixão verde.
Como juiz, era do tempo em que um conflito de terra era precedido de vistoria e avaliação local e de suas implicações humanas, muito antes do preceito constitucional que muitos juízes não querem conhecer, porque preferem só os autos – que às vezes não lêem, o gabinete, a caneta e os assessores bonitinhos.
No dia 16 de junho Ariel faria todos os séculos da idade de um homem sério, severo até. Se não tivesse ido para o céu, voando como um passarinho – e, por isso, com a seriedade dos passarinhos – estaria fazendo o aniversário das coisas boas e dos sentimentos imperscrutáveis, mas sentimentáveis, como deve ser sentimental a vida.
Portanto, Ariel é; não era. Não apenas esteve, mas está aqui e agora, no mundo que é o de dizer o direito, não apenas de aceitá-lo como uma fatalidade legal, muitas vezes o féretro da legitimidade.
Fez-se Ariel e fez-se ele como um homem de todos os tempos e do seu tempo, como se fosse o senhor dos tempos.
Esse mesmo tempo lhe fará completa justiça, como Deus a faz, em silêncio e simplicidade.
Gerônimo de Macedo Molli
é advogado, professor, escritor e poeta anarco.