Existe até um nome – found footage – para o tipo de cinema fantástico e de terror que se tornou cada vez mais frequente nas telas, a partir do fenômeno A Bruxa de Blair, em 1999. São histórias de mortes, ataques, desaparecimentos cujos registros são providencialmente filmados – com câmeras portáteis, celulares – e que permanecem para quem quiser seguir as pistas. O melhor de todos esses filmes é Cloverfield, a fantasia sobre um monstro que ataca Nova York, de Matt Reeves. E é nessa tendência que se inscreve A Forca, de Travis Cluff e Chris Lofing.

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Pode estar surgindo uma nova figura emblemática do terror. Depois de Freddy, Jason e Michael Myers, chega Charlie. O filme inspira-se no viral Desafio, Charlie, Charlie, que invadiu a internet, com a facilidade com que coisas tolas explodem na rede. A gênese do projeto talvez seja mais interessante que o próprio. Cluff encontrou Lofing, estudante de cinema de 19 anos, mas, segundo ele, em entrevistas, com cabeça de um moleque de 12/13 anos. Fizeram um trailer a troco de banana, venderam para a produtora de Atividade Paranormal, que investiu US$ 100 mil. A todas essas, A Forca já havia virado um case na internet, a ponto de a Warner comprar os direitos e dar ao filme ‘pequeno’ um megalançamento.

Havia gente pelo ladrão para ver A Forca na tarde de sábado, no PlayArte Marabá, uma das dezenas de salas que apresentam o filme na cidade. Lotação completa e uma plateia superagitada, louca para tomar sustos. Uma cena é emblemática. A garota que começa o filme fazendo selfies filma-se em primeiríssimo plano com o celular. De fundo avança um vulto, alguma coisa – o desenlace da cena fica para quem assistir ao filme. Você já viu essa imagem exatamente igual – em A Bruxa de Blair.

A Forca trafega pelo mundo do teatro. Começa com um registro filmado de uma peça montada numa escola, há mais de 20 anos. Na peça, o protagonista é enforcado e um acidente nunca explicado faz com que o sistema seja disparado e ele é enforcado de verdade. Passado todo esse tempo, um grupo amador tem a ideia, certamente insana, de remontar a peça, na mesma escola. O ‘enforcado’ é agora o astro do futebol que abandonou o time da escola e virou ator para impressionar a garota por trás do projeto. Há uma cena bem interessante. No centro do palco, o garoto, na peça, deve beijar a menina, mas o problema é que Reese é ruim demais, e fica paralisado diante de Pfeiffer, por quem é louco.

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Essa cena, exatamente, vai voltar e avançar um pouco quando o filme já está terminando. Você pensa – então é isso, tudo para que o garoto supere suas limitações. Você sabe como Hollywood adora histórias de superação. Mas não é. A história avança mais um pouco, e aí estraga tudo com explicações que banalizam o drama. A vítima na montagem original, sua namorada, o colega que ele substituiu – as ligações de todos com o presente não chegam a justificar o que ocorre, nem o como nem por que. Se a dramaturgia não se sustenta, a possível força da ‘forca’ vem do partido estético.

Assim como uma found footage traz o registro da tragédia passada, no presente Reese, Pfeiffer, mais um casal se encontram de noite, às escuras, na escola, onde o rapaz resolve seguir a sugestão do amigo. Já que ele é tão ruim como ator, não será melhor destruir o cenário da peça, poupando-se do ridículo de (não) atuar e consolando a namoradinha no dia seguinte? Só que dá tudo errado. A escola está às escuras, portas fecham-se e o prédio todo vira uma armadilha. Para complicar, existe ‘Charlie’. E, no meio do caminho, não uma pedra, mas uma corda (de enforcado).

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Qualquer cinéfilo concorda que a arte do cinema está numa certa forma, proposta pelos artistas, para que vejamos as coisas. No caso do found footage e suas filmagens amadores, temos o oposto disso. Esse tipo de terror não deixa nunca que o espectador tenha uma visão global das cenas. Elas são desconstruídas e o público, na maior parte do tempo, fica às cegas como os personagens. Que eles tenham o nome dos atores (Reese Mischler, Pfeiffer Brown etc) indica um desejo de misturar ficção e documentário. Um cinema de bordas, real ou falso? E como tudo se passa, supostamente, no teatro, então o que é a realidade? O método é angustiante, a solução, pobre. Mas a garotada adora. A questão é – quantas Forcas ainda teremos? É o (verdadeiro) desafio de Charlie. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.