Difícil imaginar que um ambiente frio, sem cor e ?cru? como um quarto de hospital possa gerar belos desenhos – quentes, vivos, coloridos. Dirá um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Como poderia um local, que para muitos é sinônimo de sofrimento e dor, ser inspiração e demonstração de amor? É uma questão de fé. Como bem sabe, explica e demonstra o artista Carlos Chá.
?Estes desenhos são diamantes da alma, cristais de vida, flores da mente, Célula de Amor?. Assim Chá apresenta seu trabalho, exposto até julho, no hall de entrada do Hospital Nossa Senhora das Graças, onde ele passa um mês tratando de câncer. Não apenas não desperdiçou o tempo em que está internado, como ganhou mais vida.
?Na UTI, onde passei cinco dias, eu tinha um bloco pequeno. Fiz mais de cinqüenta desenhos. Era uma maneira de registrar tudo o que se passa pela minha alma: impressões, acontecimentos, sentimentos. Era como se ao chegar minha vida zerasse e começasse tudo de novo?, revela o artista. O objetivo dos desenhos, produzidos nesse período delicado, era registrar uma grande descoberta, como comenta Chá: ?que todos aqui têm a mesma importância, todos têm que desempenhar suas funções com, mais que concentração, amor?.
Assinados com sangue, os desenhos de Chá seguem uma simbologia e têm uma idéia guia, mestra. As células em harmonia, às vezes assumindo a forma pacífica de mandalas, ilustram passagens da Bíblia, mais especificamente o Eclesiástico 17, que narra a criação do homem. ?É exatamente o processo que passo no hospital. É o momento que estou vivendo. A doença não apenas aprimorou minha arte, como me aprimora como ser humano. Com esta exposição quero passar para as pessoas que, mesmo dentro de um hospital, fazendo o que gosta e com amor anula-se o sofrimento e a cura vem mais fácil?, comenta.
Até agora Carlos fez mais de cem desenhos. No entanto, ele conta que este ?dom? não é de hoje. Um dos primeiros passos profissionais foi o personagem Pismuga, da história em quadrinhos que já alegraram as páginas deste jornal. Carlos, hoje com 36 anos, tinha, na época, 16 e chegou a lançar um livro com o personagem. O passo seguinte foi de amadurecimento da arte, de estudos, viagens e pesquisas. Nos últimos sete anos, ele se dedica a ilustrar a Bíblia, como ele mesmo explica, em um estilo livre, espontâneo e bem pessoal. Além da exposição corrente Células de amor, dos trabalhos mais recentes Chá destaca a exposição de 74 telas em Vila Velha, também ilustrando passagens bíblicas e a passagem deste mesmo trabalho pela Bienal de Londres. Para um futuro próximo, novas exposições já estão marcadas, como a de julho em Ponta Grossa.
Enquanto as próximas exposições não chegam, Carlos faz do quarto 307 seu atelier. Com o apoio da mãe Maria Inês, do irmão André, da esposa Maria Amélia e da filha Luísa, ele agradece e reconhece que, como diz, ?Deus está em tudo e principalmente no hospital?. Prova disso é essa exposição.
