Teorema começa com cenas que parecem as de um telejornal. Pessoas na rua são entrevistadas e dão suas opiniões sobre o estranho caso de um patrão que largou tudo para seus empregados e foi meditar nas montanhas. Seria essa uma ação excêntrica? Ou significaria uma tendência da burguesia, a ser seguida por outros proprietários? O tom é de farsa, porque nem mesmo o mais empedernido comunista sonharia com industriais que se desfazem dos seus meios de produção assim sem mais nem menos. O cineasta, comunista ele próprio, Pier Paolo Pasolini, seria o primeiro a saber disso.
Por essa razão, entre outras, esse filme de 1968, que reestréia hoje no Cinesesc com cópia nova, provocou tantas discussões quando foi lançado no mundo, e também no Brasil – que, convém recordar, na época vivia sob uma ditadura militar. Tudo, nesse filme, parecia convidar ao escândalo, e não apenas o empresário que larga tudo e sai pelo mundo, buscando talvez um sentido para sua vida. Havia outros motivos.
A história, em si, parecia sacrílega porque imitava a Anunciação católica. Um carteiro avisa uma família rica que ela receberá a visita de um estranho. Ele chega, na figura de bela estampa (estamos falando dos anos 60s) de Terence Stamp. O estranho transa com todos da casa. A mulher, o marido, o filho, a filha, a empregada. Todos, depois de se relacionarem com ele, mudam de vida. O marido, como vimos, abandona sua empresa e vai para um deserto. A mulher dá vazão a uma sexualidade havia muito reprimida e torna-se cliente de garotos de programa. O filho passa a dedicar-se às artes mas não consegue produzir nada que faça sentido. A filha torna-se muda. E a empregada (Laura Betti) volta para seu vilarejo e é tida como santa milagrosa. Depois da visita do estranho não sobra pedra sobre pedra da família burguesa. Apenas a doméstica, como representante do povo, é capaz de redenção.
Mas se o filme se enunciasse com essa simplicidade que o resume numa sinopse, certamente não teria sido premiado pelo Ocic (Office Catholique Internationale du Cinéma), o órgão católico que premia o cinema. Essa premiação apenas acrescentou uma dose extra de escândalo ao filme. Afinal, Pasolini, notório marxista, era também cristão. Mas o seu era um cristianismo popular, pobre, operário. Vale dizer que sensibilizava setores progressistas da igreja, que podiam não concordar com a sua leitura materialista da história, mas estavam bem de acordo sobre a necessidade de mudar as coisas cá na Terra.