A estréia do escritor Ignácio de Loyola Brandão no teatro

O escritor Ignácio de Loyola Brandão sentiu na pele, ontem(17), a diferença entre literatura e teatro. Quando pronto, um romance pede fruição individual e solitária, enquanto o teatro é arte coletiva, criada a cada noite, diante do espectador e jamais está pronto. Quando o espetáculo termina, nada resta da criação e tudo recomeça, sempre com risco de dar errado, na noite seguinte. A vida não é fácil para autores de teatro, cuja criação, além de tudo, chega ao espectador depois de passar por filtros. Visivelmente tenso, na sexta fileira do Guairinha, a sala menor do imponente Teatro Guaíra, iria acompanhar a montagem de sua primeira peça teatral, "A Última Viagem de Borges", que estréia no dia 25 em São Paulo, no Teatro Anchieta.

Com Luiz Damasceno no papel de Borges, direção de Sérgio Ferrara e cenários de Maria Bonomi, a encenação de seu texto é uma das estréias nacionais da mostra principal do Festival de Teatro de Curitiba, que termina dia 27.

A expectativa de Loyola era visível. "A platéia ontem (na abertura do evento, quando foi apresentada ‘Foi Carmem Miranda’, de Antunes Filho) estava inquieta; é sempre assim?", pergunta preocupado. Não. Na segunda noite do festival, o público parece mais heterogêneo, não mais só convidados e patrocinadores, mas gente que comprou ingresso para ver teatro.

Tanto que, ao fim do espetáculo, um Loyola muito emocionado subiu ao palco. E tinha motivo. O público acompanhou com interesse, com risos e silêncios atentos. Ninguém abandonou a sala, prática comum nesse festival. "Querem que eu fale, mas não tenho palavras, só um nó na garganta."

Grande parte dos méritos desse espetáculo está no texto, que inicialmente tinha 200 páginas e foi retrabalhado com permissão e contribuição do autor. É assustador saber que alguém mergulhou na complexa e sofisticada obra do escritor portenho Jorge Luis Borges para criar uma peça. Loyola escapa de algumas armadilhas, como a tentativa de criar uma biografia e também de apelar para aquela dramaturgia muito explorada, em que um autor à beira da morte relembra momentos de sua vida. Loyola prefere a estrutura da viagem de aventuras, ainda que ela não tenha uma teatralidade explícita e, num primeiro olhar, se aproxime mais do cinema.

Desde o ponto de partida – a busca de uma palavra perdida – passando pelos obstáculos até o desfecho, lança habilmente mão de elementos recorrentes na obra de Borges como a travessia de desertos e labirintos ou o embate com espelhos e duplos. Quem conhece bem os contos desse escritor mundialmente reconhecido, vai identificar citações e personagens. Mas o desconhecimento total de sua obra não impede que se acompanhe essa aventura.

Era noite de estréia. Por um lado, a alegria de descobrir que há comunicação entre espetáculo e público, qualidade essencial no teatro. Por outro, acertos e equívocos ganham visibilidade. São simples e bonitos os elementos cenográficos utilizados por Maria Bonomi como livros, cadeira, um baú. Mas há um excesso no elemento essencial, a projeção.

Ela é muito apropriada, porque une beleza, força e função dramática, por exemplo, no momento em que Borges se vê obrigado a penetrar numa quadro do pintor Xul Solar. Projetado de forma que parece se aproximar do público e dos personagens, tem-se a impressão de que o escritor vai mesmo atravessá-lo. Mas há momentos em que a projeção é mera ilustração, como o balão que supostamente traria o aventureiro Burton.

Em outros, a boa iluminação e as projeções não conseguem disfarçar a falta de elaboração nos movimentos, como por exemplo a cena em que as pessoas girando sobre si mesmas ao se sentirem ‘perdidas’ no deserto. A excitação da estréia costuma também eliminar sutilezas nas interpretações. Há bons atores nessa montagem. Talentoso e experiente, Damasceno atua com a qualidade já esperada. Marco Antônio Pâmio mostra uma bem-humorada e inteligente criação para o Bibliotecário Imperfeito, principal oposição a Borges no desfecho da viagem. Olayr Coan, como Funes, o Memorioso, acerta ao acentuar a rabugice, em detrimento do ódio, fazendo assim de seu personagem o contraponto cômico. Talvez por insegurança, se apóia um pouco demais nos palavrões. O equívoco ficou mesmo na construção de Sherazade, desde o figurino – só ele é atualizado, contrastando inexplicavelmente com os demais e, para agravar, a escolha é infeliz, resultando numa imagem vulgar -, passando pela interpretação, racional demais; à sensualidade das palavras não corresponde igual jogo de cintura. Foi uma estréia. Entre as vantagens do teatro, está a de poder melhorar a cada noite.

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