Olhava o garoto que engraxava seus sapatos com agilidade profissional, cantarolando baixinho ao ritmo do pano lap-talap-lap-talap. Alguns amigos o viram e foram se acercando. A conversa rodou ligeira. Futebol, mulher, mais futebol, até que um deles o lembrou: Por que você não se candidata a vereador? era a vez da política no papo.

Candidatura nunca lhe passara pela cabeça. Estava bem posto na vida profissional, na familiar. Uma poupançazinha, algumas aplicações, um cacauzinho em conta corrente, casa paga, escriturada, carro novo próprio, filhos em escolas particulares, ia levando, remansozamente. Candidato a vereador? Chô, mico! Não mesmo. Pagou o engraxatinho e notou que ficara com aquela sugestão de candidatura lhe alfinetando a cabeça. Ouviu quando garoto lhe disse: “Dotor, não entre nessa …”.

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Em casa ficou parafusando: era bem relacionado, conhecido no trabalho e fóra dele, dava sua contribuição à comunidade como membro de clube de serviços (100%), freqüentava religiosamente sua igreja, fôra diretor de time de futebol, era querido na vizinhança, por que não?

De cara, a mulher foi contra. A sogra opinou dizendo que pegaria bem um emprego por quatro anos, oito, quem sabe.

Telefonou para uns amigos e marcou uma reunião em sua casa. Pediu à mulher que preparasse um jantar bem fornido enquanto ele ia buscar cervejas e umas garrafas de vinho, chilenos, claro.

Recebeu dos amigos em volta da mesa e ao som das garfadas total e irrestrito apoio à candidatura. Faltava escolher o partido. Partidinho nanico, nem falar. Tinha que ser PSDB, PFL, PMDB, PDT, PPS, um desses. No dia seguinte fêz um giro pelos Diretórios e acabou aceito num deles. Começava a inana.

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Alugou um salão no centro, chamou um entendido em propaganda/política, começou a preparar peças de campanha, cartazes, banners, pirulitos, santinhos, adesivos. Logo arregimentou cabos eleitorais. Entrou em órbita.

Estourou a verbinha da conta corrente, sacou a poupança e a aplicação, o telefone de sua casa não parava mais, matriculou os filhos numa escola pública, gente entrando olimpicamente pela sala e indo até a cozinha tomar café e beliscar panela. Vale disso pra isso, vale daquilo pra aquilo. O homem do aluguel do salão junto com o da gráfica cobrando, sua cara espalhada pela cidade lhe transmitia uma sensação de segurança. Não poupava nem ao catador de papel um abraço e o tapinha no ombro. Afinal, podia ser seu eleitor. Ficou com tendinite de tanto apertar mãos.

Na medida em que se aproximava o dia das eleições, o processo se acelerava. Acabou vendendo o carro do ano e comprou um fusca 87, que encheu de adesivos e cartazetes. Circulava pelos bairros tomando café frio e cerveja quente comendo “borrascos” churrascos com a côr e a textura de borracha de pneu. Dá-lhe Sonrisal.

Dentro de sua cabeça, diante de tudo que via e sentia, já se contava eleito. Puxa vida! Ainda bem!

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Dia da eleição. A cidade amanheceu fervendo como um caldeirão do Capêta. Reuniu o pessoal cabos eleitorais e os despachou para as Seções, recomendando atenção e esforço. Em seu âmago sentia que o clima exalava o cheiro da vitória.

As horas foram passando. Seus votos pingavam com a irregularidade de uma torneira nordestina. Ué! Que está havendo? Onde estão meus eleitores, aqueles que diziam me apoiar na base do “Conte comigo”, “Estamos aí!”, “Vamos em frente!”, “Você está eleito, cara!”. Por onde andariam?

Parou o fusca em frente a uma Seção, desceu e foi verificar: 9 votos. Foi até outra, mais 5. Outra mais, 12. Começou aquele sentimento de perda e derrota. A realidade caía sobre sua cabeça como um manto de ferro.

Foi pegar o fusca, um pneu furado. Sem estepe. Cabisbaixo e meditabundo, foi subindo a rua na direitura do centro da cidade.

Numa esquina estava o garoto engraxate. Ele olhou para os sapatos gastos e cambaios, pensou, esses coitados até que merecem uma graxa.

Cansado, o pala em tiras, pôs o pé direito no apoio da caixa, respirando fundo. O menino engraxate olhou para ele e disse:

– Eu não falei, dotor, que era pro senhor não entrar nessa?

Wilson Silva é jornalista e escritor

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