Na telona

A difícil tarefa de produzir ‘Getúlio’

Quem assiste a Getúlio e se surpreende com a beleza das imagens do filme – mesmo que sejam assinadas por um fotógrafo tão grande como Walter Carvalho -, não imagina as dificuldades que ele enfrentou. Numa visita ao set de filmagem, o Palácio do Catete, em que o ex-presidente Getúlio Vargas viveu confinado seus últimos dias, o repórter ouviu de Carvalho o desabafo. “Nunca enfrentei tantas restrições. Isso aqui (o Catete) é um museu. Não se pode tocar em nada. Não podia pregar um prego nas paredes para sustentar um cabo. Não podia arredar os móveis nem carregar na luz.”

A produtora Carla Camurati acrescenta, numa entrevista por telefone: “Ajudou muito na negociação o fato de eu ser diretora do Teatro Municipal (do Rio). Há toda uma burocracia para se filmar em lugares públicos. No caso do Catete, que é um museu, somam-se as dificuldades que todo mundo que já foi a museu sabe. Veja na tela – se algum ator se apoia num móvel, usa uma cadeira, nenhum desses objetos é do acervo. É da produção.” A exceção é justamente a cama em que Getúlio Vargas se suicidou, bem como o revólver com o qual disparou o tiro fatal.

Tony Ramos contou ao repórter que foi a cena mais difícil de fazer. “A gente podia sentir a carga do gesto trágico, como se a ficção estivesse virando realidade.” Carla conta: “Tive de convencê-los (os administradores do museu) que era fundamental o acesso à cama, ao revólver. Além de muito conhecidos, por fazer parte da história do Brasil, havia essa coisa da solenidade, que eu sabia que ia ajudar o João.” Carla refere-se ao marido, o cineasta João Jardim. Documentarista – Janela da Alma, em parceria com Walter Carvalho, Pro Dia Nascer Feliz e Amor?, esse último nas bordas da ficção -, Jardim trabalhou sempre no registro autoral, e vinculado ao real.

Para sua primeira ficção, ele não se desligou do real, e ainda pegou um tema polêmico. Getúlio, o pai dos pobres, é um fantasma que assombra a política brasileira. Ditador nos anos 1930 e 40, conduziu com mão de ferro um Estado totalitário. Mas, em 1954, ele está no Catete como presidente constitucional, eleito pelo voto do povo. Em 5 de agosto, há um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda. As investigações conduzem ao segurança do presidente. A oposição exige a renúncia ou a deposição. O presidente mata-se em 24 de agosto. É o recorte de João Jardim e de seu roteirista, George Moura.

O filme é um thriller poderoso, centrado nos 19 dias em que Getúlio sai da vida para entrar na história, como diz a carta-testamento. O suicídio, se é uma punição, também é uma saída honrosa. Foi difícil negociar com instituições como Exército, a Aeronáutica e os herdeiros de tantas figuras conhecidas. Jardim chegou a chorar durante a coletiva no Recife, ao lembrar tantas dificuldades. “Nenhuma empresa ligada a governo queria investir. Salvou-nos a iniciativa privada. Foi quem nos deu o dinheiro para iniciarmos a produção”, resume Carla. O tempo terminou agindo a favor. “O João maturou o roteiro com o George, o tipo de thriller que queria fazer.” Quando finalmente ia sair, o filme foi retardado por mais um ano. Tony Ramos, que ia fazer o papel, foi recrutado para uma novela. “Esse ano foi fundamental na decantação do projeto.”

Produtora e mulher do diretor, Carla, que é atriz e diretora, ajudou na escalação do elenco. “Mas o João já sabia quem queria, na maioria dos papéis.” Tony Ramos é um assombro. “Quando ele faz, parece bom, mas depois, quando se vê o resultado, é melhor. Ele só cresce. A Drica (Morais, que faz a filha, Alzira), também.” Carla está num momento especial. Será a diretora dos eventos culturais da Olimpíada do Rio. “Não vou fazer o show de abertura nem de encerramento. Isso é coisa de outra equipe. Será uma oportunidade rara para mostrarmos aos estrangeiros que virão ao Rio e ao mundo, que vai ver pela TV, a nossa diversidade.” O anúncio da programação ser&aacute,; feito no primeiro semestre de 2015. Até lá, terá muito trabalho. Também se despede do Teatro Municipal, cuja direção exerce há sete anos. Sofreu duras críticas no começo.

“Há uma incompreensão muito grande sobre o papel do gestor público no País”, lamenta. “A imprensa tem de criticar, mas muitas vezes só ataca.” A restauração do teatro deixou o Municipal fechado por um bom tempo, mas foi um trabalho completo. “Aprendi muito com todos aqueles especialistas. E, se já havia dirigido ópera e conhecia a parte musical, aprendi mais ainda com os artistas e técnicos. Descobri o corpo de baile, maravilhoso.” O saldo, ela avalia como positivo. “Criei programas como Imagem e Música, baseado no diálogo com o cinema, multipliquei a receita. O Municipal que vou entregar está melhor.”

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