A copista de Kafka: a violência nossa de cada dia

Felice Bauer não aparece nos livros, mas sem ela os escritos de Franz Kafka não teriam sobrevivido. Ela decifrava os garranchos do autor de O castelo e pacientemente os datilografava. Celebrado pela originalidade, Wilson Bueno usa a biografia dos dois apaixonados e a ficção de Kafka para fazer de A copista de Kafka um livro incomum, saudado mesmo por alguns críticos como uma autêntica obra-prima da moderna literatura brasileira. Personagens reais e fictícios convivem em textos curtos de rara e aguda beleza. Boris Schnaiderman, um dos mais importantes intelectuais em atividade no País, saúda o livro como uma ?verdadeira criação literária de nosso século??.

Paraná-Online – Quando o senhor encontrou Kafka pela primeira vez?

Wilson Bueno – Kafka está, creia, na minha vida, desde sempre. Um dos primeiros livros que li na minha adolescência e, curiosamente, eu o li como um livro de aventuras, foi esta pequena obra-prima que é A metamorfose. Nunca mais fui o mesmo. Ao me defrontar com a novela de Kafka, eu tocara num lugar ?para além?? da literatura. E descobri que escrever poderia ser um exercício de absoluta liberdade.

Paraná-Online – Felice Bauer, a copista de Kafka, realmente existiu?

Bueno – Felice Bauer, judia-alemã, sabemos, é uma figura histórica, nascida em Berlim. É parte integrante da biografia de Kafka. Talvez sem ela não teríamos conhecido o que hoje chamamos de ?kafkiano??. Felice existiu e persistiu na desarvorada paixão do escritor, com a mesma intensidade em que a literatura ?funda?? o relacionamento dos dois. Kafka era um ?ser de literatura?, se assim podemos ousadamente definir o gênio de Praga. E Felice Bauer, noiva, cúmplice, interlocutora, a esposa sempre adiada, detalhe instigante, acima e sobretudo, ela era a copista, a datilógrafa de Kafka…

wilsonbueno01071007.jpgParaná-Online – Por que escrever um livro sobre ela?

Bueno – Só ela, Felice Bauer, poderia, através de seus diários, de certo modo fraudados por minha escritura, urdir uma lenda de amor que se fizesse de e para a literatura.

Paraná-Online – A copista de Kafka é uma história de amor?

Bueno – Sim, sem dúvida. É uma ardente história de amor, porque reúne para si muito além que um intercurso de corpos. Abraça no mesmo enlevo, e no mesmo ódio, os desastres da paixão, e entre glórias e epifanias, a humanidade inteira.

Paraná-Online – O romance está sendo celebrado como uma vigorosa defesa contra o autoritarismo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Bueno – Da primeira à última página do livro tento surpreender o fascismo, a violência, o autoritarismo que marcam o cotidiano das pessoas, às vezes até de modo imperceptível. O ?domínio?? de uns sobre os outros, a inveja, a intolerância, o desamor. Nesse sentido, A copista de Kafka é, sim, uma veemente defesa contra o autoritarismo nosso de cada dia.

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