A nova-iorquina Stacey Kent nunca achou que tivesse uma carreira como cantora. Estudante de literatura comparada, ela sempre gostou de cantar, mas só levou o seu desejo adiante quando conheceu o então saxofonista amador e futuro marido Jim Tomilson, em Oxford, na Inglaterra.
Do amor dos dois surgiu o desejo de levar a música a sério. Sorte dos fãs do jazz, que ganharam uma intérprete digna da tradição de Billie Holiday e Ella Fitzgerald. Seu mais recente álbum, Breakfast on the morning tram tem uma versão em francês do Samba da benção, de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Amante da sonoridade brasileira, Stacey está animadíssima com a sua primeira visita ao País como uma das atrações do TIM Festival 2008, que acontece em outubro no Rio, São Paulo e Vitória.
1) A sua apresentação no TIM Festival será a sua primeira visita ao Brasil. Quais são as suas expectativas?
Olha, não posso te explicar o quanto isto é importante para mim. A gente está em turnê o tempo todo. Só para você ter uma idéia, desde que o meu mais recente disco saiu (Breakfast on the morning tram), em outubro do ano passado, tocamos em 27 países, mas nunca fomos ao Brasil. Jim (Tomilson, marido e saxofonista) e eu nos inspiramos tanto na música e na cultura do Brasil, chegamos a fazer um disco chamado Brazilian sketches há alguns anos, e nos parece uma insanidade que nunca tenhamos ido antes. Não só pelo som, mas também num nível pessoal, nos sentimos muito ligados ao País. É o clímax do nosso ano.
2) O seu último disco tem a canção Samba saravah (Samba da benção), de Baden Powell e Vinicius de Moraes, mas cantada em francês. Como foi essa escolha?
O disco não tem um tema propriamente dito, mas tem um alinhamento emocional para mim, poeticamente falando. Todas as canções moram num mesmo endereço emocional para mim. Samba saravah foi muito importante. Eu a cantei em francês porque eu cresci falando esse idioma e para mim não faria sentido cantar em português sem falar a língua. Na versão em francês tem uma frase, être heureux, c’est plus ou moins ce qu’on cherche (ser feliz é mais ou menos o que a gente procura) e acho que os brasileiros têm essa característica, melhor que qualquer outro povo do planeta, de equilibrar as alegrias e as tristezas das nossas vidas. Há a alegria da vida, mas com o conhecimento de que também teremos que agüentar a dor e a tristeza. E a canção fala disso. Um aspecto sem o outro seria como beber o vinho sem sentir os seus efeitos. Esse sentimento está mais ou menos presente em todo o disco.
3) Você tem tocado quase todas as noites e feito turnê sem parar. Como faz para cuidar da voz? Alguma rotina específica?
Não faço nada específico. Cuido de mim de uma maneira geral. Quanto melhor durmo, me alimento e me sinto como um todo, melhor a minha voz fica. Há muitos momentos em que não sacrifico a minha saúde fazendo coisas do tipo sair para jantar com todo mundo depois do show ou coisas do gênero. Tento manter uma boa disciplina quando estou na estrada. Mas devo dizer que um dos motivos pelos quais consigo cantar o tempo todo é porque canto baixinho. E isso é o que consigo fazer naturalmente, nunca poderia ser uma Janis Joplin.
4) Por causa do seu marido você se mudou para a Inglaterra há alguns anos. Como é para você ser uma americana nesse país?
Para ser honesta a gente só mora em Londres por causa da localização geográfica. Fazemos muitos shows pela Europa, Ásia, EUA e Canadá e simplesmente fica mais fácil ficar baseado no centro disso tudo. De qualquer forma, moro nos EUA durante os três meses do ano em que não estou em turnê. Nesses três meses Jim e eu ficamos no Colorado, distanciados do resto do mundo, e é ótimo. Eu vim pela p,rimeira vez à Europa quando era estudante, o que é uma história muito comum, porque queria fazer parte do mundo. Vivi na França e na Alemanha durante um tempo, por isso acho que, mesmo que não tivesse virado cantora, estaria morando na Europa. Sempre tive essa inquietação de conhecer o mundo.
5) É verdade que quando você levava uma vida acadêmica, estudando literatura, nunca te ocorreu viver da música?
A minha família não tinha músicos ou artistas, todos têm um perfil mais acadêmico mesmo. Apesar disso, todos tinham consciência de que eu era uma musicista – eu estava sempre ouvindo música e cantando sem parar e, enquanto todos conversavam nas reuniões de família, eu sempre estava absorta escutando a música do ambiente e perdia todas as piadas. Não sabia que poderia ter uma carreira como cantora, mas também não estava descontente estudando literatura, que era uma coisa de que gostava muito. Acho que tive sorte de encontrar o Jim no momento certo. Ele era um estudante com uma formação parecida com a minha. Se não tivéssemos nos encontrado, provavelmente nenhum dos dois teria uma carreira nessa área hoje.
6) Você venceu um câncer de mama e tem falado abertamente sobre isso. Como essa experiência a afetou?
Olha, eu sou quem eu sempre fui e não mudei. Mas acho que algumas coisas estão mais intensas em mim. Sempre fui uma pessoa que aprecia o que tem, do tipo que acorda de manhã e agradece, mas quando fui diagnosticada tudo se tornou mais intenso, cada momento importava muito mais. Você se dá conta que tudo é precioso, tudo é delicioso. Mas o mais curioso foi o timing. Descobri que tinha câncer assim que começamos a gravar Breakfast on the morning tram, o que tornou a feitura do disco extremamente intensa. Naquele momento a gente não sabia se eu estava morrendo ou vivendo.
Em vez de parar de trabalhar eu decidi seguir em frente porque não queria que a doença se transformasse no foco principal da minha vida. Sinceramente, não tinha escolha. Jim e eu sentíamos que precisávamos de algo positivo para nos inspirar, então decidimos ir em frente. O disco foi muito difícil de fazer, principalmente pela escolha das canções, mas o Jim me salvou. Nunca teria conseguido sem ele. Por outro lado, decidimos naquele momento manter a doença em segredo, principalmente durante as entrevistas do lançamento do disco, senão provavelmente teríamos que falar sobre o câncer o dia todo, o que seria muito desgastante. Felizmente, consegui vencer a doença. Mas acho que a experiência me deu gás para fazer coisas que quero. Por exemplo, no verão que vem vou voltar a estudar, que é uma coisa que estava querendo há tempos. Estava sempre enrolada com o trabalho, que obviamente sei que é uma sorte, mas agora vou dar uma parada e vou me permitir fazer o que quero.
7) Quais são os seus planos enquanto estiver no Brasil para o TIM Festival? Gostaria de visitar algum lugar específico ou conhecer alguém em especial?
É uma loucura porque temos pouquíssimo tempo. Jim e eu já estamos olhando a agenda e coçando a cabeça para tentar nos organizar em tudo o que queremos fazer enquanto estivermos aí. Muitos amigos já estão nos mandando sugestões e listas. Outro dia fiz um especial de TV com Pierre Barouh, que escreveu a versão francesa de Samba saravah, e ele me deu o e-mail porque quer me mandar uma lista de lugares para visitar, enfim. O nosso apetite é enorme. Espero que possamos fazer tudo o que queremos. Esperamos que a ida ao TIM Festival seja apenas o prólogo de muitas outras viagens.