Faz tempo – A Trama começou a nascer há quase 20 anos, em 1999. Naquela época, o diretor Laurent Cantet começou a pensar num filme sobre um ateliê literário. Na verdade, a inspiração veio de um ateliê literário real, que ocorreu em La Ciotat. “Teria sido muito diferente (o filme)”, admite Cantet. Justamente naquele ano, ele estava fazendo Ressources Humaines, sobre o mercado de trabalho. Vieram depois Em Direção ao Sul, Entre os Muros da Escola, que lhe deu a Palma de Ouro em 2008, Foxfire, um de seus trabalhos preferidos, Retorno a Ítaca e agora L’Atelier, que no Brasil recebeu o título de A Trama.

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Nesses 18 anos, a França virou alvo do terrorismo islâmico, a direita tem avançado. Foi após o ataque ao Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, que a ideia do ateliê voltou para o diretor. “Para dar voz a mundos que não se encontram nem reconhecem.” Laurent Cantet encontrou-se com o Estado quando estava na Mostra. Veio apresentar, no encerramento, justamente L’Atelier. O título brasileiro é o mesmo de um thriller político de Alan J. Pakula, de 1974, que o cineasta fez imediatamente antes de Todos os Homens do Presidente. Teoria da Conspiração, Warren Beatty – nada a ver com (o novo) A Trama. Nada?

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Um grupo de jovens participa de um ateliê literário com uma famosa escritora, Olívia. Marina Foïs é quem faz o papel. O grupo é heterogêneo, criam-se tensões internas. A polarização é entre Olivia e Antoine, Mathieu Lucci – que a filha de Cantet, encarregada de reunir o elenco, encontrou na rua. Há entre eles uma mistura de atração e repulsão, quase de amor e ódio. Os jovens, de ambos os sexos, vêm de um meio proletário. O avô de uma trabalhava no grande estaleiro de La Ciotat, cujo fechamento projetou a cidade numa crise de desemprego. E Antoine flerta com um guru de extrema direita, provoca os colegas islâmicos do ateliê. A trama do título refere-se justamente ao livro que o grupo pretende escrever na oficina literária. Uma trama policial.

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Cantet gosta de dar voz aos excluídos da sociedade francesa. Entre os Muros da Escola passava-se numa sala de aula que englobava a França. A Trama passa-se nas montanhas que circundam La Ciotat, e da casa, de qualquer ângulo, pode-se ver o estaleiro, que virou atração turística. Entre os dois, Cantet fez Retorno a Ítaca. Cubanos recebem um amigo que voltou do exílio. Acertam velhas contas. Do terraço descortina-se toda Havana. Cantet sabe que não é Joseph L. Mankiewicz, o mestre hollywoodiano da palavra, mas sente-se “honrado” quando o repórter diz que, em seus filmes, a mise-en-scène também se estrutura sobre o dinamismo dos diálogos. E, no caso dele, o diálogo está sempre ligado a singularidades de tempo e espaço.

“Ah oui, ah sim”. A sala de aula, o terraço em Havana e a ‘villa’ debruçada sobre o estaleiro de La Ciotat. Caso o cinéfilo não tenha se dado conta, o lugar é mítico. “O cinema nasceu com a chegada do trem à estação de La Ciotat”, lembra Cantet. “Os (irmãos) Lumière também filmaram a saída da usina deles em Lyon, que é lembrada em L’Atelier”, observa o diretor. Tudo isso pode até parecer perfumaria, mas inscreve A Trama num projeto muito sólido de cinema. Cantet não faz dialogarem apenas os extremos. Dialogam modernidade e tradição. Seu método – “O filme foi completamente escrito (com Robin Campillo, diretor de 120 Batidas por Minuto) e, antes da filmagem, tivemos três semanas de preparação. Duas foram só com o elenco jovem, Marina (Foïs) chegou na terceira. Nunca pretendemos, Robin e eu, escrever na embocadura, dos atores, que são locais, mas eu os incentivei a se apropriarem dos diálogos. O fato de estarem integrados quando ela chegou contribuiu para um certo antagonismo que a ‘estrangeira’, vinda de outro meio, provoca.”

Robin Campillo tem sido o montador dos filmes de Cantet, mas, desta vez, estava montando o próprio filme, que foi premiado em Cannes, em maio – A Trama passou fora de concurso. Uma arma é importante. Poderia provocar uma tragédia. Nada que o diálogo não venha resolver. Talvez seja o aspecto utópico de A Trama. O verbo contra os radicalismos. A arte contra a cultura do ódio. “É o que acende a esperança.” Depois de São Paulo, Cantet foi para o Rio – para ministrar uma oficina na Rocinha.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.