Aparentemente não há razão para nos interessarmos hoje em dia pelo monumento das cerca de 200 cantatas de Johann Sebastian Bach, argumenta um dos especialistas mais notórios neste gênero, o regente inglês John Eliot Gardiner, responsável por uma das integrais mais aclamadas do ciclo (os 60 CDs foram gravados em concertos nas próprias igrejas para as quais elas foram compostas no século 18). “Elas não se destinavam a ser ouvidas noutro lugar que não as igrejas, integradas ao serviço religioso”, diz Gardiner. Afinal, como escreveu Johann Matheson, contemporâneo exato de Johann Sebastian Bach e historicamente o primeiro crítico musical profissional, elas são uma forma bastarda, já que não passam de colchas de retalhos, ou melhor, de “quatro estilos”: a sucessão de recitativos e árias encaixa-se no estilo do madrigal, ou seja, operístico; os coros e fugas polifônicas ao estilo do motete; os acompanhamentos e interlúdios ao estilo instrumental; e, enfim, os corais ao estilo melismático. Ao contrário do que pensava Matheson, aí está a razão de sua originalidade: cada uma nos oferece música vocal solista, corais e música instrumental de alta qualidade, tudo numa obra só.

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É esta imensa variedade estilística, parecendo abraçar todas as músicas que se produziam na Europa da primeira metade do século 18, que faz a genialidade de Bach e o consolidou como pai fundador legitimado por todos os compositores que o sucederam nos últimos três séculos. De Beethoven a Stravinsky, de Mozart a Debussy, e de Brahms a Schoenberg, todos, sem exceção, reverenciaram desse modo o autor do Cravo Bem Temperado, da Paixão Segundo São Mateus, da Missa em Si Menor, dos Concertos de Brandenburgo, das Variações Goldberg e Arte da Fuga, além do majestoso, inigualável monumento formado por cerca de duas centenas de cantatas sacras, cobrindo quatro vezes o ano litúrgico cristão.

Estas rápidas palavras querem apenas dar a exata dimensão da importância do lançamento no Brasil da “bíblia” moderna das cantatas bachianas escrita pelo alemão Alfred Dürr (1918-2011). São 1404 páginas, resultado de uma vida inteira de dedicação a Bach (Dürr trabalhou na moderna edição crítica de suas obras e atuou por 32 anos no Instituto Bach em Göttingen). Todos os textos das cantatas estão traduzidos para o português e as análises são completas, tanto do ponto de vista histórico quanto musical. Pela primeira vez, o leitor de língua portuguesa tem acesso a informações consistentes e fundamentais sobre as cerca de 200 das 300 cantatas de Bach cujos manuscritos foram preservados. Outro ponto alto é a tradução, assinada por Claudia Sibylle Dornbusch e Stefano Paschoal, com revisão técnica de Marcos da Cunha Lopes Virmond. Os três participarão nesta quarta-feira, 25, às 19 horas, de uma mesa-redonda no Instituto Goethe (Rua Lisboa, 974, Pinheiros, entrada franca), intermediada pelo jornalista Irineu Franco Perpétuo, com entrada franca. Também estará presente o físico e ex-presidente da Fapesp, José Fernando Pérez, por um motivo básico: foi num almoço em Bauru, treze anos atrás, na sede da Edusc, que Pérez, então diretor científico da entidade e apaixonado pelas cantatas de Bach, sugeriu a tradução do livro de Dürr. Ainda bem que a universidade levou a sério este maravilhoso delírio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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