E uma enorme torre foi construída pela humanidade para chegar ao céu. Em sua fúria, Deus fez com que cada pessoa falasse uma língua diferente dispersando todos pelo planeta. A famosa passagem bíblica (Gênese), bem captada pelo cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, foi sua inspiração para levar ao cinema o longa-metragem Babel. Bem captada pois, assim como no livro sacro, no filme se observam as fronteiras transcendendo um lugar físico para existir em cada ser humano. Babel recebeu o Globo de Ouro de Melhor Filme Dramático na segunda-feira passada e estreou anteontem em todo o Brasil.
A Torre de Babel de Iñárritu traz idéias bem construídas e um roteiro sólido nas quatro divisões de núcleos realizadas com diferentes famílias e culturas, inclusive com quatro idiomas, cenários e tramas individuais sendo utilizados. A exemplo do que construiu em Amores brutos (2000) e 21 gramas (2003), em Babel o cineasta desconstrói a trama em histórias periféricas distintas e causa impacto com a coesão tomada pelo enredo após um acidente que cruza a vida de todos os personagens.
Em uma região quase inóspita do deserto marroquino, um tiro de rifle soa no ar e dois garotos se envolvem em um incidente que atinge o casal de americanos formado por Richard e Susan (Brad Pitt e Cate Blanchett). Nos EUA, uma babá é perseguida por ter cruzado a fronteira com o México com duas crianças americanas. No Japão, uma jovem surda sofre com a rejeição e se depara com a polícia buscando por seu pai. Situações distantes, mas plenamente racionais e bem costuradas no roteiro.
O decorrer da trama aborda as implicações do evento nos dias atuais com doses cavalares de mal-entendidos e falhas de comunicação, determinantes do caminho pessoal em todo o mundo. Babel também é recheado de elementos que, mesmo de maneira sutil, fazem críticas ao modo de vida como o abuso de autoridade. Na fronteira México-EUA, o personagem Santiago (Gael García Bernal) é recriminado por autoridades americanas no excesso de cautela policial seguido de ação hostil. A questão do controle imigratório dos mexicanos ao solo americano é abordada com imparcialidade, o que não a torna menos cruel.
Apesar de sério, o filme não fica sem momentos descontraídos de grande destaque. Em uma cena, ao se sentir ofendida por um grupo de jovens, a jovem surda Chieko (Rinko Kikuchi) ri dos garotos ao mostrar um monstro cabeludo, após deixar sua calcinha no banheiro. ?Se eles nos vêem como um mostro, vou lhes mostrar um cabeludo?, sentencia a personagem. Em uma cena de casamento, o núcleo mexicano dá show representando a cultura local. No Marrocos a situação possui mais tensão, com o terrorismo e a repressão cultural levando seu núcleo ao sofrimento contínuo.
O drama está presente do início ao fim sem abusar dos personagens. Sem super-homens ou vilões psicóticos, Babel é tão humano que toda sua estrutura se molda ao caráter dos personagens e seu desfecho pode ser sentido e dosado como uma vida. Os personagens lidam com situações problemáticas e a existência da culpa, em todos os casos, chega á inevitável encruzilhada do perdão.
Em um mundo bombardeado por informações e facilidade tecnológica na comunicação, é incrível como as pessoas se sentem tão isoladas umas das outras. Essa mensagem alimenta a Torre de Babel proposta nessa e nas obras anteriores de Iñarritu. ?Falamos de fronteira apenas como um lugar, e não uma idéia. Acredito que as verdadeiras fronteiras são as que existem dentro de nós? (Alejandro González Iñárritu). Amarrada a consciência com uma série de premissas morais, o doloroso paradoxo da humanidade afeta nações amigas, inimigas e dá visibilidade ao principal culpado das tragédias individuais, o homem.