A ideia de que uma banda tão desvairada quanto o Black Sabbath tenha tido um homem sensato por trás de seus riffs não convence com facilidade, principalmente se considerarmos as histórias de magia negra, morcegos, cocaína e outros excessos que integram o folclore do grupo. Mas é natural que para toda bizarrice cometida por Ozzy – um arsenal de fogos de artifício disparado em um corredor de hotel, um tubarão pescado de uma sacada e alçado, vivo, para dentro do quarto de baixo durante uma turnê – houvesse um pé no chão.
Em meio ao caos da vida na estrada após a explosão de Paranoid, segundo disco, de 70, Tony Iommi, longe de ser santo, compreendeu o custo de manutenção do mito e chamou para si a responsabilidade de guiar Ozzy e companhia por quase uma década de fama, drogas e a gravação de discos que serviram de alicerces para o desenvolvimento do heavy metal.
Seu lado da história é contado em capítulos breves e frases simples, no livro Iron Man – Minha Jornada Com o Black Sabbath, autobiografia de 2011, lançada pela editora Planeta esta semana. É longe de ser um caso oportunista, em que o músico busca monopolizar o crédito pelo sucesso da banda. Tony é justo e transparente quanto ao processo criativo do Sabbath: ele fazia os riffs, Ozzy esboçava as melodias e Geezer Butler colocava a letras. Mas os capítulos deixam a nítida impressão de que o Sabbath se desfaria sem os esforços do guitarrista.
Em suma, Iron Man é o relato de uma ascensão relâmpago e as dificuldades de manter a chama acesa em meio à orgia de substâncias e groupies que acompanhou o sucesso da banda. Como o próprio Iommi coloca, depois do frenesi de Paranoid, disco gravado em um dia, que chegou ao topo da parada inglesa com uma faixa-título composta em menos de meia hora, houve pânico e pressão entre o Sabbath para lançar um segundo disco à altura, um feito quase impossível considerando a urgência explosiva e bruta com que Paranoid é feito. Mas se o Sabbath nunca superou o seu primeiro clássico, Master of Reality, o disco seguinte, consolidou a seminal estética do grupo.
A solução, por um tempo, foi cheirar cocaína e concentrar-se na música. Isto, nas vezes em que Ozzy, Geezer e Bill Ward não conseguiam o arrastar para o bar. Mas lá pelo quinto álbum, Sabbath Bloody Sabbath, Iommi começou a ficar sem ideias. “A pressão tornou-se insuportável a ponto da banda postergar a gravação do quinto álbum, e a sensação foi de que o Sabbath iria acabar. Pensei: ‘nossa, nunca vai acontecer de novo. Meu Deus, perdi tudo!'”, completa o guitarrista.
A sensação de perda em relação à música era algo que atormentava Tony desde sua adolescência, quando ocorreu o famoso acidente em que perdeu as pontas de dois dedos da mão direita. Na ocasião, o guitarrista trabalhava em uma fábrica de chapas de metal, ao manusear uma prensa semelhante a uma guilhotina, se desconcentrou e viu seus dedos serem decepados. É o pesadelo de qualquer músico, mas, apesar do trauma, Tony contornou a situação de forma inspiradora: depois de um amigo mostrar-lhe um disco de Django Reinhardt, que revolucionou a guitarra no jazz com apenas três dedos na mão esquerda, Iommi encontrou uma forma (descrita em detalhes no livro) de fazer solos e acordes básicos – uma adaptação crucial para o desenvolvimento da sonoridade crua do Sabbath.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.