Onde está a verdadeira mentira: na representação dos atores ou nos jogos de retórica dos políticos? Em A Arte da Comédia, que aporta neste sábado, 11, no Sesc Santana após cumprir quase um ano de temporada no Rio, o diretor Sergio Módena vale-se da obra do autor italiano Eduardo de Filippo (1900-1984) para discutir a natureza da arte teatral. Mas não só. Os costumes hipócritas da sociedade e as artimanhas do jogo de poder entre os governantes também são postos sob escrutínio na criação.
Não por acaso, os dois protagonistas da trama são um velho diretor teatral (vivido por Ricardo Blat) e o prefeito de uma cidade (Thelmo Fernandes). Abalado por uma crise em sua miserável companhia, o encenador recorre às autoridades municipais em busca de auxílio. A ajuda lhe é negada, mas, ao ser expulso do gabinete, ele tem acesso a uma lista de personalidades que serão recebidas pelo administrador público naquela tarde e lhe propõe um jogo: irá infiltrar, entre os convidados, alguns atores de seu grupo. Caberá ao prefeito e seus auxiliares diferenciarem o que é realidade e o que é ficção.
Escrita em 1968, em um contexto em que a Itália ainda se recuperava dos abalos provocados pela Segunda Guerra, a peça retoma, de certa forma, a eterna discussão sobre a finalidade da arte. Em um país que tinha tantas preocupações e problemas graves a resolver, o teatro poderia soar completamente supérfluo.
O intuito de Eduardo de Filippo talvez fosse provar exatamente o contrário. “É uma questão que ainda não resolvemos”, comenta Módena. “Até hoje, não temos uma política cultural de fato, mas uma política apenas emergencial.”
Dramaturgo, ator e cineasta (diretor de filmes, como Hoje, Amanhã, Depois de Amanhã), Eduardo de Filippo criou A Arte da Comédia sem desprezar seus antecessores na tradição teatral italiana. A trama é nitidamente devedora da temática maior de Luigi Pirandello (1897-1936): o paradoxo entre a essência e a aparência, a distância entre o que um homem é e a maneira como é visto pelos outros. “Mas ele carrega esse debate para um território mais político e menos existencial”, ressalva o diretor. Para Ricardo Blat, indicado aos prêmios Shell e Cesgranrio por sua atuação, o texto vem justamente para afirmar a função social de cada profissão. “Mostrar o quanto o teatro pode ser uma ferramenta forte para mudar a sociedade”, crê o ator.
Outra herança que o autor considera é a de Goldoni (1701-1793). Esse grande reformador da comédia no século 18 subverteu os mecanismos da Commedia dell’Arte para criar um teatro de reflexão. Uma arte que ambicionava, através do riso, moralizar os costumes. “Não importa quantas camadas o texto tenha, A Arte da Comédia é muito popular e consegue se comunicar com públicos diferentes”, pontua Módena.
A reunião de um elenco com 13 atores (recentemente, apenas as produções dos grandes musicais conseguem bancar um casting desse tamanho) também se coloca como uma forma de resistência. “Uma atitude quase quixotesca”, considera o diretor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.