Se você procurar no YouTube vai encontrar o sepulcro – no cemitério da Chacarita, no bairro de mesmo nome, em Buenos Aires. ‘Gracias, Carlito’, ‘Al inolvidable y inalcansable interprete’. Não é raro que o jazigo, sempre florido, tenha um trago servido e o busto de bronze sempre tem um cigarro nos lábios. E o público – há sempre uma verdadeira romaria ao túmulo de Carlos Gardel, como há ao de Eva Duarte Perón, a Evita, em outro cemitério portenho, o da Recoleta.

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Hoje deve haver mais gente, mais flores, mais tragos e cigarros. Porque nesse 24 de junho se completam 80 anos da morte de Carlos Gardel, num acidente aéreo em Medellin, na Colômbia. Nascido em 11 de dezembro de 1890, ele estava no auge. Cantor, ator, encarnava não apenas a alma urbana argentina como elevou à condição de arte um ritmo, uma dança, o tango. Mas há controvérsia – cada um exibe seus documentos para provar que Gardel nasceu em Tacuarembó, no interior do Uruguai, filho ilegítimo de um chefe político local, ou então em Toulouse, na França. Nesse caso, seu verdadeiro nome seria Charles Romouald Gardès. O próprio Gardel desconversava. Quando indagado, dizia que havia nascido em Buenos Aires, ‘aos dois anos e meio de idade’.

Muito jovem, e conhecido como ‘El Morocho’, começou a cantar em cafés e cabarés suburbanos. Em 1917, com 27 anos, fez sua estreia formal no Teatro Nacional, em plena Avenida Corrientes, no Centro de Buenos Aires. Desde então, nunca mais parou de cantar – gravar – e filmar. Foram cerca de 900 gravações. Foxtrots, fados, pasodobles, milongas – o gênero precursor do tango – e, claro, tangos. Gardel teve grandes parcerias. Don José Razzano foi seu padrinho e, depois, Alfredo Le Pera compôs e o acompanhou em sucessos memoráveis. Le Pera morreu no acidente com ele. E – detalhe – era paulistano. Gardel vendeu milhões de discos em toda a América Latina e Europa. Com seu tipo viril, deu respeitabilidade ao tango, nascido na área portuária, no basfond.

Os especialistas dizem que o tango nasceu nos prostíbulos. E era dançado por homens, daí o costume de dançar de rosto virado, sem se olhar. Alguns dos êxitos de Gardel – Mi Noche Triste (o primeiro), Mano a Mano, Esa Noche me Emborracho, Adiós Muchachos, Yira Yira, Tomo y Obligo, Golondrina, Melodia de Arrabal, Mi Buenos Aires Querida, Por Una Cabeza, Sus Ojos se Cerraron, El Dia Que Me Quieras e Volver.

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Fez história também no cinema, interpretando, em 1930, o primeiro filme inteiramente falado da América do Sul – Encuadre de Canciones. No ano seguinte, fez Luces de Buenos Aires e o curioso é que o filme foi feito em… Paris. Como parte das comemorações dos 80 anos de morte de Gardel, a Fundación Cinemateca Argentina anunciou o restauro de seus filmes entre 1931 e 35. O primeiro é justamente Luces de Buenos Aires e, entre os demais, estão Melodia de Arrabal, El Tango en Broadway e El Dia Que Me Quieras.

O tango sobreviveu a Gardel, modernizou-se – jazzificou-se – com Astor Piazzola e voltou ao cinema com grandes diretores, ou um grande diretor. O primeiro tango de Bernardo Bertolucci foi dançado por duas mulheres, Dominique Sanda e Steffania Sandrelli, em O Conformista, de 1970. O outro, mais famoso, reuniu dois anos mais tarde Marlon Brando e Maria Schneider e Último Tango em Paris fez sensação pela voltagem erótica. A famosa cena da manteiga e o sexo anal tornaram-se uma questão de segurança nacional e o filme foi proibido no Brasil pela censura do regime militar.

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Foi muito barulho, mas não por nada. A mais bela definição do tango é que se trata de um pensamento triste que se pode dançar. Com origem na habanera e na polca, o tango tem como principal característica ouso do bandoneón. Jorge Luis Borges desfiou toda sua erudição para dizer/provar que o tango só poderia ter nascido no Prata. A ironia é que o nome designa um pequeno tambor africano.