A possibilidade de uma virada de mesa, que beneficiaria os rebaixados Palmeiras, Botafogo, Portuguesa e Gama, volta a rondar o futebol brasileiro. Desta vez, por conta da suspeita de uma irregularidade no contrato do lateral-direito Wendell, que disputou o Brasileiro do ano passado pelo Flamengo, e que poderia levar o clube carioca a perder 15 dos pontos que conquistou na competição, o que o jogaria para a segunda divisão. Aproveitando a situação, os clubes rebaixados estariam articulando um movimento para a virada de mesa: o Flamengo não cairia, mas eles seriam mantidos na primeira divisão. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, no entanto, garante que o regulamento não será rasgado.
Wendell jogou no Ceará no primeiro semestre de 2002, rescindiu o contrato e assinou com o Uniclinic, outro time cearense, que o emprestou ao Flamengo. A suspeita é que a assinatura do jogador foi falsificada no documento da rescisão. Isso invalidaria a negociação e, conseqüentemente, a posterior transferência para o Flamengo. Mas a CBF garante que não houve irregularidade.
O diretor-jurídico da entidade, Luiz Gustavo, explicou que a CBF forneceu o registro para o atleta e atestou sua negociação, porque todos os documentos estavam em ordem. De acordo com o dirigente, se ficar constatado que a assinatura de Wendell foi falsificada em sua transferência do Ceará para o Uniclinic (com quem o atleta tinha contrato até 12 de agosto de 2006), o responsável pelo erro é a Federação Estadual de Futebol do Ceará, encarregada de fazer os registros de transferências entre os Estados.
Ricardo Teixeira disse que os prazos para um possível recurso contra o Flamengo já caducaram. “Gostaria que aqueles que disseram que haveria virada de mesa dissessem e escrevessem agora que a CBF bancou tudo o que disse: que não haveria virada e isso não ocorreu”, afirmou o presidente da CBF.
Wendell confirma não ter assinado o documento de rescisão com o Ceará, mas garante que deu uma procuração para o seu então advogado, João Paulo Lopes, assinar por ele. A versão é confirmada pelo advogado do Ceará, Emerson Damasceno, e também pelo diretor de esportes do clube e ex-dirigente do Uniclinic, Clóvis Dias, que garante que não existe irregularidade na transferência de Wendell. “O próprio jogador já reconheceu isto. Ele já confirmou que o procurador dele foi quem assinou o contrato e nós já sabíamos disso”, disse Clóvis Dias.
Entretanto, o radialista e advogado cearense Carlos Tolstói, especializado em direito esportivo, sustenta que a rescisão do contrato de Wendell com o Ceará é irregular. Segundo ele, uma pessoa que não quis se identificar lhe enviou a documentação na qual, no lugar da assinatura do jogador, há um garrancho. “Mesmo que a assinatura seja de um advogado, conforme alega o jogador, não consta nenhuma procuração anexa, nem sequer é mencionado o nome dessa pessoa e nem que seja um procurador”, afirmou.
O Flamengo recebeu com ironia a possibilidade de disputar a segunda divisão. “Isso é choro de perdedor do Palmeiras. Eles estão desesperados, mas vão ser obrigados a jogar a segunda divisão”, disse o vice-presidente jurídico do clube, Michel Assef.
Wendell chegou ao Flamengo no dia 15 de agosto de 2002, contratado por empréstimo até o 31 de dezembro do mesmo ano. O atleta atuou contra a Ponte Preta, Bahia e foi escalado no banco de reservas no confronto com o Grêmio. O registro do contrato na CBF foi feito no dia 30 de agosto do ano passado.
Lusa vai à Justiça para não cair
Enquanto o Palmeiras esconde o jogo e, oficialmente, garante que não vai trabalhar pela virada de mesa, a Portuguesa já se mexe às claras para lutar pelos seus direitos. Vai entrar com representação no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), pedindo a instauração de inquérito para apurar se realmente o Flamengo utilizou de maneira irregular o jogador Wendell no Campeonato Brasileiro de 2002. “É preciso cautela e muito cuidado com esta denúncia, que pode vir a não ser o que se comenta. Mas vamos atrás dos nossos direitos”, disse o vice-presidente de Futebol do clube, Jerônimo Gomes.
A situação da Lusa é bem mais confortável que a dos outros rebaixados. Isso porque, como terminou o Brasileiro em 23.º lugar, subiria uma posição e permaneceria na Primeira Divisão caso o Flamengo perdesse os 15 pontos por ter escalado Wendell em três partidas do Brasileiro. Já Palmeiras, Gama e Botafogo só se salvariam por meio de uma virada de mesa. Por isso, o vice-presidente de Futebol da Portuguesa, Jerônimo Gomes, disse que o clube vai agir pensando apenas em seus interesses. “Não tive contato com dirigentes do Palmeiras, nem de outros clubes. Esse fato só interessa à Portuguesa.”
Mas pessoas próximas ao presidente palmeirense, Mustafá Contursi, garantem que o dirigente não vai usar o “caso Wendell” para tentar virar a mesa. O argumento usado é de que o único clube que se beneficiaria diretamente com a perda de pontos do Flamengo seria a Portuguesa. O Palmeiras subiria uma posição na classificação final do campeonato brasileiro, mas não o suficiente para escapar do descenso.
Mesmo assim, o Palmeiras acha que vai tirar proveito da situação. Ninguém, no Palestra Itália, acredita que o Flamengo será rebaixado. Ao mesmo tempo, a CBF não poderá mantê-lo na Primeira Divisão, sabendo que o clube atuou com um jogador irregular. Dessa maneira, há um otimismo grande entre os palmeirenses de que o Brasileiro de 2003 terá 28 clubes.
Segundo Sebastião Lapola, diretor de Futebol palmeirense, o clube ficou sabendo da situação irregular de Wendell pouco depois do fim do Brasileiro. “Soubemos de boatos.” Independentemente do problema do Flamengo, Mustafá continuará se apoiando na idéia de que Fluminense e Bahia teriam de jogar a Segunda Divisão e de que a Copa João Havelange, em 2000, já foi uma espécie de virada de mesa. A maioria dos conselheiros apóia o presidente.
O presidente do São Paulo, Marcelo Portugal Gouvêa, ainda acha que não haverá mudanças. “Não acredito na virada de mesa, mas, no Brasil, só se pode ter certeza depois do início do campeonato.” Segundo ele, pelo regulamento, os clubes só poderiam entrar na Justiça pedindo punição ao Flamengo 48 horas após a realização da partida em que o time utilizou irregularmente o jogador. “Mas depende, também, da interpretação. Pode-se interpretar que o clube tem 48 horas a partir do momento do conhecimento do fato.”