No dia 21 de agosto de 2004, o então editor de Cultura de O Estado do Paraná, Alex Gutenberg, decretou em uma coluna assinada por ele: “Os brasileiros são frouxos no esporte”. Ele se escudava numa experiência de ter cobrir três Olimpíadas. “Sim, os brasileiros são frouxos. Até dentro da delegação eles são fracotes”, disse com todas as letras. No dia 29 de agosto um magricela correndo com a camisa do Brasil se encarregou de desmenti-lo. Vanderlei Cordeiro de Lima não era um fenômeno e muito menos uma exceção e estava liderando a última prova das Olimpíadas de Atenas, a 28a edição dos jogos em sua era moderna, quando foi agarrado e jogado ao chão por um maluco que o segurou e o impediu de continuar. Era o ex-padre irlandês Cornelius Horan, que dois anos antes tinha invadido a pista do Grande Prêmio de Fórmula 1 na Inglaterra.

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O intruso usava traje típico irlandês, com saia, boina e meias compridas verdes e laranja. Vanderlei estava no quilômetro 36 dos 42,195 km da prova. E sua preocupação era manter a distância para o segundo colocado. O brasileiro tinha meio minuto de vantagem, mas o irlandês lhe roubou preciosos 20 segundos. Não fosse um espectador grego chamado Polyvios Kossivas, talvez o atleta brasileiro estivesse perdido definitivamente a chance de voltar para a prova. Mas quando todos pensavam, que Vanderlei fosse desistir, ele voltou. Abalado, mas voltou. E continuou correndo. Ele foi superado pelo italiano Stefano Baldini e pelo norte-americano Mebrahtom Keflezighi e terminou em terceiro lugar, com o tempo de 2h12min11s – a 1min16s do vencedor e 42 segundos do norte-americano. Mas quando ele entrou no estádio Panathinaiko o mundo inteiro o ovacionou.

O seu técnico, Ricardo D’Angelo, acredita que o incidente lhe roubou a vitória. “Ele tinha 25 segundos de vantagem, o que dá uns 250 metros. Mesmo se os outros tirassem uns três segundos por quilômetro, não iam alcançar. Ele perdeu pelo menos uns 20 segundos ali, perdeu concentracão, teve de recuperar o ritmo”, disse. O vencedor disse: “Ninguém vai se lembrar de mim. Todos se lembrarão de Vanderlei”. No dia seguinte a imprensa noticiou a vitória de Baldini, mas o herói do dia foi o brasileiro. E até hoje Baldini não sabe se venceria realmente não fosse o maluco irlandês. Além da medalha de bronze, o paranaense de Cruzeiro do Oeste se tornou o único brasileiro a ganhar a Medalha Pierre de Coubertin. E Vanderlei Cordeiro passou a ser reconhecido como um exemplo de humildade, perseverança, coragem e espírito esportivo.

Muito especial

Milhares de atletas ganharam a medalha de ouro. Mas em toda história das Olimpíadas a Medalha Pierre de Coubertin foi conferida a apenas 17 atletas.

 

A surpresa

Vanderlei Cordeiro começou a surpreender antes dos 10 km, em que saltou do 35º lugar para a primeira posição. Depois, rompeu os 15 km na 16ª colocação, permanecendo porém no pelotão da frente. A partir daí, assumiu a liderança até o incidente com o padre irlandês.

O maluco

O ex-padre Cornelius Horan, hoje com 68 anos, ainda tentou atrapalhar os Jogos Olímpicos de Londres. Ele assistiu a prova da maratona cercado por policiais durante todo o tempo. Ele prometeu vir ao Rio de Janeiro no ano que vem para acompanhar os Jogos na cidade brasileira.

Perfil

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Ex-jogador de futebol, Vanderlei Cordeiro de Lima nasceu em Cruzeiro D’Oeste e foi criado em Tapira, as duas cidades ficam no Noroeste do Paraná. Depois de um período em Maringá, o corredor foi para Sã,o Paulo, para integrar a então poderosa equipe da Funilense. Em 1998, conseguiu seu melhor tempo (2h08min31s), na maratona de Tóquio. Além do bicampeonato no Pan-Americano, Vanderlei conquistou duas vitórias importantes: a maratona internacional de São Paulo de 2002 e a de Hamburgo em 2004. Nas Olimpíadas de Sydney, ele não conseguiu de chegar entre os dez primeiros porque se machucou.