Atual 173.º colocado no ranking da Fifa, o Camboja está fora da Copa do Mundo de 2018, na Rússia, dificilmente conseguirá se classificar para o Mundial do Catar, em 2022, mas um projeto ambicioso idealizado por um treinador brasileiro de 43 anos faz o país sonhar com a sua primeira participação em Copas na edição de 2026.
Pouco conhecido no Brasil, Leonardo Vitorino assumiu o comando da seleção local no começo de março deste ano com uma missão: desenvolver o futebol cambojiano. O projeto apresentado à Federação de Futebol do Camboja tem como base o aprendizado do treinador em um estágio que fez na Alemanha, atual campeã do mundo e da Copa das Confederações.
Com suporte financeiro da Fifa e da Confederação Asiática de Futebol, Vitorino quer levar escolas de futebol para os 20 estados que formam o Camboja. Atualmente, existem apenas duas escolas em funcionamento. Uma em Siem Reap e outra em Svay Rieng, estados com população de 896 mil e 482 mil habitantes, respectivamente.
As escolas servirão para formar jogadores e técnicos pelo país. “Acompanhei o trabalho na Federação Alemã e pude ver como o futebol é desenvolvido por lá. Pretendo utilizar um pouco disso para desenvolver o futebol no Camboja através dos Estados”, disse o brasileiro. “É um método interessante porque você não premia apenas os grandes centros. Os melhores jogadores surgem nas pequenas cidades. Se você tiver bons formadores, terá bons atletas”.
Desta forma, novos clubes poderão surgir pelo Camboja. “A competitividade faz com que o futebol evolua. Com times em todos os Estados, você pode lapidar melhor os talentos que possam surgir. O objetivo é fazer com que o campeonato local seja disputado nos 20 Estados em quatro ou cinco anos. Hoje são apenas quatro Estados participando. Quase todos os times estão na capital (Phnom Penh). Com isso, o Camboja terá uma seleção mais forte”, argumentou Vitorino, atualmente um dos três brasileiros em seleções. Os outros são Tite, no Brasil, e Bianchi, em Angola.
VIDA DURA – A estreia não foi muito animadora. Com apenas duas semanas de trabalho, Vitorino viu o Camboja ser goleado pela Jordânia por 7 a 0, em partida válida pela fase de classificação das Eliminatórias para a Copa da Ásia, que será disputada nos Emirados Árabes Unidos, em 2019. No jogo seguinte, no entanto, o treinador, com mais tempo para trabalhar, conquistou um resultado histórico.
Um público de 40 mil pessoas no estádio Olímpico de Phnom Penh acompanhou o triunfo por 1 a 0 sobre o Afeganistão, no dia 13 de junho. O resultado contra uma seleção que está 18 posições acima no ranking da Fifa levou os torcedores ao delírio e deu respaldo para Vitoriano continuar o trabalho de desenvolvimento do futebol local. “Você tem um público altamente apaixonado. A média nos jogos da seleção é de 40, 50 mil pessoas. Tenho chance de deixar o meu nome marcado na história, fazer algo importante para o Camboja. É algo desafiador e empolgante”, afirmou.
Criado em Irajá, no Rio, até os 13 anos e vivendo com muitas dificuldades na infância e adolescência, Vitorino não desistirá tão fácil do sonho de disputar uma Copa do Mundo. “Eu acredito. Por que não sonhar? Vários países menores conseguiram, temos de sonhar grande”.
As chances vão aumentar em 2026 por causa da expansão do número de seleções de 32 para 48, já confirmadas pela Fifa. “Temos esse objetivo, mas depois de 2022 porque tudo isso passa pelo processo de estruturação da seleção e do futebol do país que ocorre. Isso leva tempo”.
Ele cita o Japão como exemplo de que é possível classificar o Camboja para uma Copa. “Tudo começou lá atrás quando o Zico acreditou e conseguiu ajudar no fortalecimento da liga e no desenvolvimento do esporte. Quero fazer o mesmo. Sabemos que estamos em um patamar abaixo dos rivais, mas temos condições de evoluir”. Para ajudar nesta evolução, Vitoriano cuida também da seleção olímpica do país. “Esses jogadores são o futuro do processo, temos de desenvolvê-los”.
Para explicar como um técnico brasileiro foi parar no Camboja, ele conta em seu currículo com passagens vitoriosas por times do Catar, Tailândia e Laos. Isso levou os dirigentes cambojianos a contratá-lo. Aproveita para reclamar do tratamento que os técnicos recebem no Brasil. “O longo prazo no Brasil são de três semanas. Comemora-se quando o técnico está há seis meses no cargo. Aqui posso trabalhar sem me preocupar”.
APAIXONADO – Em relação ao país asiático, ele é só elogios. “É muito bonito. Só vi algo mais bonito do que Siem Reap, onde existem muitos templos, em Roma. O mar daqui está entre as seis águas mais limpas do planeta, parece o Caribe”, comentou.
A família, por enquanto, continua morando no Brasil. A mulher Jaqueline faz visitas de três em três meses e o filho Leonardo, a cada seis. “Eles sempre me acompanharam, mas ainda não vieram definitivamente porque o meu filho está para entrar na faculdade”, explicou Vitorino, que tem contrato no Camboja até o fim de 2019. Ele diz que não pretende sair de lá tão cedo.