São Paulo (AE) – Só mesmo dentro do imenso e rapidíssimo veleiro Brasil 1, com Torben Grael ao leme, sentidos aguçados, ordens curtas para a tripulação, é que se pode avaliar o quanto esse comandante é parte de seu barco, manobrando toneladas na ponta dos dedos, com precisão e rapidez.

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Olhos no horizonte e nos instrumentos, na variação da cor do mar, nas ondas e no perigo de cabos que podem se soltar e mandar alguém para a água. Ouvidos atentos. O Brasil 1 zarpou nesta sexta-feira para a Europa. Levará cerca de 20 dias treinando pelo Oceano Atlântico até Cascais (POR), base do projeto de US$ 15,8 milhões (R$ 37,2 milhões) para a Volvo Ocean Race, regata de volta ao mundo, com largada em Vigo (ESP), em novembro. Serão oito meses de competição: a chegada está prevista para junho de 2006, em Gotemburgo, na Suécia.

Em Atenas, em 2004, Torben tornou-se o único velejador da história a somar cinco medalhas olímpicas – duas de ouro. Pois o russo Valentin Mankin, ele mesmo uma lenda do esporte, com quatro medalhas olímpicas – três de ouro – até trocou um dia a equipe da Itália, da qual era técnico, por um lugar "de camarote" na raia de Ágios Kosmas: foi de bote ver o brasileiro competir na classe Star, barco que é considerado o mais difícil para "afinar" – daí, ser chamado de "violino dos mares", o que rendeu a Torben o apelido de "Paganini".

São poucos os que têm conhecimento e sensibilidade suficientes, como Mankin, para apreciar uma velejada como se fosse um concerto de Paganini. Mas na Baía da Guanabara, a mais de 20 nós, de dentro do Brasil 1, é possível sentir o talento de Torben na facilidade com que domina toneladas de peso e de pensamentos em busca do limite da velocidade e dos riscos.

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Antes da partida para a Europa, o prazer da velejada ao pôr-do-sol corre pelo convés – mais um treino para a tripulação na agilidade do descer e subir das velas, nas manobras bruscas de mudança de direção ou aproveitando ao máximo o vento que vem de trás, vela-balão enfunada. O prazer está na força de rotação das catracas, na atenção total para os riscos, no bom humor, nas risadas. Olhando para cima, o mastro tem a altura de um prédio. Nas manobras, de um lado o convés está à beira da água. Do outro é quase como olhar para o mar, lá embaixo, da janela de um sobrado.

Marcelo Ferreira, 29 anos, o Playboy, proeiro de Torben Turbina Grael em três medalhas olímpicas na Star, deve perder pelo menos 10 de seus 100 quilos como regulador de velas. Com certeza, um dos responsáveis pela manutenção do bom humor a bordo, sua na catraca ao lado de João Signorini, o Joca. É preciso entrosamento com o companheiro para "pedalar com as mãos", um de cada lado, enrolando e desenrolando os cabos à toda velocidade para içar e baixar velas. Outra certeza: vai ganhar cintura.

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Torben também tem os ouvidos muito atentos. Aos estalos, a cada barulho mais alto. "Uma folga qualquer e a gente tem de corrigir. Quanto menos barulho, melhor. Já morreu muita gente velejando. É preciso conscientizar todo mundo disso o tempo todo".