Em 1954, 1974 e mesmo em 1990, não se pode dizer que os alemães foram campeões mundiais de futebol – as conquistas foram apenas dos alemães ocidentais. Embora o Muro de Berlim tenha caído em novembro de 1989, a reunificação ocorreu em outubro de 1990, depois do Mundial da Itália, quando a Alemanha bateu a Argentina por 1 a 0 na final. Se vencer de novo os argentinos neste domingo, a Alemanha unificada terá, portanto, sua primeira conquista.
O “ineditismo” desse triunfo pós-unificação é puramente simbólico, avalia o escritor Uli Hesse, ex-treinador de equipes juvenis na Alemanha. O autor de Tor! The Story of German Football (Gol! A História do Futebol Alemão), lançado em 2003, tornou-se referência mundial no desafio de associar a história de seu país à de seu esporte preferido. “Nem mesmo o fato de que este seria o primeiro time multicultural do país a vencer uma Copa é um tema na Alemanha. A importância é esportiva, pelo fato de que estivemos muito perto nos últimos Mundiais”, diz.
Não há grandes teses sobre o título inédito “deste” país talvez porque, ao menos no futebol, ainda não exista “uma” Alemanha. Os orientais não têm representantes na primeira divisão e apenas o meia Toni Kroos é do antigo terreno socialista – autor de dois gols em dois minutos no 7 a 1 de terça-feira. Em 2002, eram sete. O país formou uma seleção multicultural, modelo de integração e tolerância, mas o Leste continua marginalizado. No antigo território comunista, parecem não nascer craques.
Nem sempre foi assim. Durante a Guerra Fria, os orientais tinham um time capaz de encarar os ocidentais – tanto que venceram o confronto mais importante entre os dois países, há 40 anos. Foi no Mundial de 1974, quando as duas nações – separadas após a 2.ª Guerra – ficaram no mesmo grupo. Em um jogo cultuado – uma disputa entre socialismo e capitalismo em que o único argumento válido seria o placar – Jürgen Sparwasser tornou-se herói de “meio mundo” ao fazer o gol do 1 a 0 aos 23 minutos do segundo tempo, em Hamburgo. “Aquele era o jogo mais importante desde o Mundial de 1954. Pelo peso histórico, muito mais importante do que uma final de Copa do Mundo”, diz Hesse.
Em entrevista ao site da Uefa em 2010, Sparwasser, hoje com 66 anos, disse que se em sua lápide escrevessem apenas “Hamburgo 1974” todos saberiam quem estava enterrado ali. Os dois times avançaram, com os orientais em primeiro no grupo. Enfrentaram Brasil, Argentina e Holanda na fase seguinte e não passaram à final. Os ocidentais pegaram Polônia, Suécia e Iugoslávia e terminaram campeões contra os holandeses.
Para Hesse, as razões para o desequilíbrio futebolístico no país são econômicas. “Os times do Leste foram jogados dentro de um capitalismo que eles não entendiam e cometeram inúmeros erros. Ainda assim, isso deve mudar logo. O RB Leipzig deve chegar à Bundesliga, o campeonato alemão, em dois ou três anos”, prevê. Para o analista, faltam aos jovens do Leste referências próximas. “Eles não têm um grande clube em sua cidade, talvez por isso ainda não sigam adiante no futebol.”