No dia 6 de maio, a Liga dos Campeões da Europa terminou com um gol de Neymar. Era a consagração de uma temporada quase perfeita. Três títulos pelo Barcelona, 39 gols e sete assistências na temporada, artilharia da competição europeia – 10 gols, ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo.
O craque de 23 anos se concedia o direito de sonhar em estar entre os finalistas da Bola de Ouro. Pouco mais de duas semanas depois, tudo mudou: o atacante deixou a seleção brasileira e a Copa América pela porta dos fundos, tem a maturidade contestada e enfrenta novos problemas judiciais na Espanha e no Brasil.
A “temporada perfeita” de Neymar acabou seriamente abalada quase aos 45 minutos do segundo tempo. Mais precisamente naquele jogo contra a Colômbia em que, descontrolado, teve um acesso de fúria que assustou até gente experiente da comissão técnica da seleção.
Ele chutou a bola em direção a Armero após o fim do jogo, tentou dar uma cabeçada em Murillo e, após ser expulso, esperou o juiz chileno Enrique Osses na porta do vestiário para lhe dizer poucas e boas.
A noite de fúria de Neymar pode ter sido resultado do estresse de fim de temporada, da árdua tarefa de levar a seleção nas costas e do processo recém-aberto contra ele e seu pai e pela Justiça espanhola.
Mais um dos problemas advindos das suspeitas de que sua negociação com o Barcelona movimentou cifras bem maiores do que os 57 milhões de euros tornados públicos.
No entanto, várias vezes durante os últimos meses o craque se insurgiu contra situações e decisões que o desagradavam. Que o diga o técnico do Barcelona, Luis Enrique, que precisou ter muita paciência e jogo de cintura para conviver com os seguidos e públicos sinais de reprovação de Neymar a cada substituição.
Afinal, não dava simplesmente para trombar com um dos principais jogadores do melhor time do mundo, ídolo da torcida e que estava jogando o fino da bola. Neymar encantava também pelos dribles, pelas jogadas geniais em profusão, pelo trio mortal que fazia com Messi e Suárez.
No auge do desagrado, Neymar não fazia a menor questão de manter as aparências na relação com Luis Enrique, como comprovaram seus gestos após ser substituído em jogos contra o La Coruña e o Sevilla.
O treinador, paciente – embora existissem versões dando conta de que tinha na verdade era receio de entrar numa queda de braço com o craque -, respondia aos questionamentos defendendo o jogador.
“É impossível que um jogador mantenha o seu nível em 100% por toda a temporada. Existem momentos melhores e piores, e estou contente com seu rendimento nesta temporada”, disse, no auge da polêmica.
Tempos depois Luis Enrique também viria a defendê-lo das acusações de que humilhava propositalmente os adversários com seus dribles e jogadas de efeito. Até gente como Xavi, então seu companheiro no Barcelona, o criticou. Mas o treinador atribuía suas jogadas ao talento.
Nos episódios das reclamações contra o treinador, da parte de Neymar quem saiu em sua defesa foi o pai e fiel escudeiro. Que não aliviou tanto assim para o “júnior”. “Ele ainda é jovem, está aprendendo e dentro de pouco tempo levará em conta essas lições”, assegurou Neymar da Silva Santos.
O pai, aliás, é o braço de direito de Neymar. Fora do campo, cuidando dos negócios; dentro, dando conselhos e se fazendo presente sempre que possível, o que quase sempre é – não foi no Chile porque, tendo operado o joelho, Neymar pai não pôde viajar.
A distância do pai deve ter contribuído para a instabilidade emocional do craque – embora ao que se saiba o ritual de conversas telefônicas antes e depois dos jogos tenha sido mantido.
Antes das partidas, o pai dá ao filho conselhos como o de não se deixar levar por provocações; depois, costuma fazer uma análise técnica e crítica de seu desempenho.
E Neymar pai tinha motivos para ficar orgulhoso pelo filho. Ao mesmo tempo em que arrebentava no Barcelona, Neymar Jr. tornava-se cada vez mais importante para a seleção brasileira. Superava a decepção de ter sido empurrado precocemente para fora da Copa do Mundo por uma joelhada nas costas e ganhava espaço com o novo treinador.
Espaço e responsabilidade
Dunga não demorou muito tempo para fazer de Neymar o capitão de sua equipe. Nem levou em consideração a pouca idade do craque. “Neymar precisa ser desafiado sempre, de ter novas responsabilidades. Ele é competitivo, responde sempre positivamente”, argumentou o treinador.
De fato, nos amistosos da seleção Neymar se comportava como um líder dentro e fora de campo. Irritação, a rigor, só com Luis Enrique. Até que chegou a Copa América e ele se mostrou nervoso, estressado e descontrolado.
A árdua tarefa de suprir as deficiências de uma seleção limitada quando o quesito é talento, o cansaço de uma temporada desgastante, as provocações dos colombianos e mesmo a má vontade de juízes como Enrique Osses em conter os lances violentos de que é vítima – tem árbitro que o considera um simulador – certamente contribuíram para o destempero de Neymar.
Mas os problemas com a Justiça também devem ter atrapalhado. Até porque, dois novos “aborrecimentos” ocorreram recentemente. Na semana anterior, a Justiça espanhola abriu processo contra Neymar, o pai e três dirigentes do Barça por suposta fraude fiscal e desvio de dinheiro na negociação que o levou do Santos para a Catalunha; nesta, a juíza de Santos Thaís Cabaleiro Coutinho determinou que pai, filho e a N&N Consultoria, a empresa da família, apresentem todos os documentos da transação atendendo a pedido da Teisa, empresa que em 2010 comprou 5% dos direitos econômicos do jogador.
Há quem relacione seu nervosismo contra os colombianos especificamente à questão judicial na Espanha, que explodira às vésperas daquele jogo. Mas o fato é que Neymar foi provocado e não conseguiu se controlar. Por isso, viu sua temporada acabar.
Uma despedida de temporada melancólica para quem atravessou o Atlântico em um jatinho particular para se apresentar à seleção ambicionando o título da Copa América.
“Isso tornaria a temporada perfeita”, disse à época. Imaginava ser o “cara” do torneio para poder, no fim do ano, ficar entre três melhores do mundo, embora descartasse a Bola de Ouro por enquanto. “Seria uma honra, mas essa Bola de Ouro já tem dono, é o Messi”.
O começo na Copa América foi promissor, porque ele levou a equipe à vitória sobre o Peru e chegou a 44 gols pela seleção, tornando-se o quinto maior goleador da equipe ao lado de Jairzinho e Rivellino – ainda está atrás de Romário (56), Zico (66), Ronaldo (67) e Pelé (97). “Quero continuar atingindo marcas como essa para ajudar minha equipe com gols e passes”.
Mas, pelo menos por enquanto, não vai dar. Enxotado da Copa América, Neymar curte férias e, sobretudo, esfria a cabeça e recarrega as baterias. Afinal, daqui a pouco recomeça a caminhada de Neymar para ter, enfim, uma temporada perfeita.