Sirlene Pinho tem 1,57m e pesa 46 quilos. O biótipo de fundista fez com que o ex-patrão, o ultramarotonista Valmir Nunes, acreditasse que poderia ser uma corredora de rua. A baiana de Santa Cruz, que deixou a casa dos pais aos 7 anos, para morar com uma tia em São Paulo, aceitou o desafio.
Sua carreira é curta. Começou em 1999, foi interrompida por uma gravidez, em 2000, e esse é primeiro ano que compete provas com atletas de elite. Seus últimos resultados, no entanto foram suficientes para colocá-la na relação das brasileiras que podem correr bem a 79.ª edição da Corrida Internacional de São Silvestre.
O vice-campeonato da Volta da Pampulha, com 17,8 km, em novembro, e a vitória na Sargento Gonzaguinha, com 15 km, esse mês, chamaram atenção para o desempenho de Sirlene, de 25 anos, que trocou o trabalho de empregada doméstica em Santos, onde vive atualmente, pelo de corredora de rua.
A largada da prova feminina será às 15h15 do dia 31, em frente ao Masp, na Avenida Paulista. Os homens largam às 17 h. Ambas as provas serão exibidas pelas TVs Globo e Gazeta.
?Eu era magrinha e ele achou que se eu treinasse seria boa na corrida. Eu fiquei grávida. Depois que minha filha Beatriz nasceu, o Valmir voltou a me procurar e, em 40 dias, eu estava treinando novamente?, comenta Sirlene, que, rapidamente, apresentou uma grande evolução. Em 2001 correu os 10 km do campeonato santista em 39 minutos, mesma prova que, esse ano, fez em 34 minutos. Na Sargento Gonzaguinha venceu com 52min55s, tempo bem próximo ao de Marizete Rezende, a ganhadora de 2002, também campeã da São Silvestre.
Sirlene considera que sua vida mudou após adotar o atletismo. Hoje integra a equipe de corredores da Mizuno. ?Teria de trabalhar dois anos como faxineira para ter o salário de um mês?, observa. Também está feliz por ter feito muitos amigos desde que passou a treinar e competir. Os pais moram na Bahia, seus dez irmãos – nem conhece todos – vivem em diferentes cidades, espalhados pelo Brasil. ?Eu gosto de correr porque hoje tenho mais amigos.
Orgulho
?Viu o que o esporte pode fazer com a vida de uma pessoa??, observa o ultramaratonista Valmir Nunes, de 38 anos, que terminou o ano como líder do ranking mundial das 24 horas. Valmir é técnico de Sirlene e de mais 11 corredores que formam um grupo, batizado pelos próprios atletas com o nome Ultranunes, em homenagem ao fundista que apóia os corredores como pode.
?Eu treino na praia com esse grupo e o Valmir acompanha correndo ou de bicicleta?, conta Sirlene, que ainda está assustada ao ver seu nome na lista de favoritas. ?Eu escolhi a Sirlene pela magreza dela. Como já era veloz, cresceu muito na corrida com o trabalho de volume feito nos treinos. Nesse tipo de grupo, de corredores carentes, sempre se descobre talentos. O sofrimento da corrida se transforma em alegria e prazer. Acho que tenho mais prazer em ver que um atleta desses se destaca do que pelos meus resultados diretos?, afirma Valmir.
Pressão
Sirlene disse que tem receio de não corresponder à pressão de correr bem – no ano passado desistiu da São Silvestre no oitavo quilômetro. Ela vem sendo apontada por outras corredores, inclusive, como alguém que tem chances de ficar entre as primeiras. Não considera que os 15 dias de treinamento que fez em Campos de Jordão sejam suficientes, mas ressalta que já vem preparada das competições de novembro e deste mês.
Para a corrida, já traçou a estratégia: vai acompanhar as atletas de elite que devem formar o pelotão dianteiro. Mas sua referência é a maratonista Márcia Narloch, campeã pan-americana e a única mulher que tem índice olímpico para a maratona até agora. ?É com ela que eu me aconselho, com quem eu sempre falo. É experiente, conhece a prova?, afirma Sirlene, que não conhece o percurso todo e nunca enfrentou a subida da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio.