Série Prata 2004 foi manipulada

?Vencer por causa do apito sempre me incomodou. Espero que minha atitude contribua para limpar essa sujeira.? Assim, num tom de desabafo, um jogador que viveu de perto a enlameada Série Prata revelou à Tribuna detalhes das maracutaias que permeiam a divisão de acesso do Campeonato Paranaense. Com a condição de não ter o nome revelado, o atleta explicou o funcionamento do esquemão do apito que levou o Engenheiro Beltrão à Série Ouro de 2005.

O denunciante foi titular do Engenheiro durante toda a Segundona de 2004. Tudo correu normalmente na primeira fase, quando o clube do Centro-Oeste do Estado suou para conquistar a terceira e última vaga do Grupo B para o hexagonal decisivo. Águia de Maringá, Portuguesa Londrinense, Cascavel, Foz de Iguaçu e Fanático de Campo Largo foram os outros qualificados. Mas o Fanático, num episódio até hoje mal explicado, desistiu da disputa e cedeu lugar ao Império Toledo, de Aurélio de Almeida, quarto colocado do Grupo A.

As falcatruas, relata o jogador, começaram na etapa decisiva da competição. Era um jogo de cartas marcadas, no qual um dos objetivos dos envolvidos na máfia era promover o Engenheiro Beltrão. A suposta meta foi cumprida: o clube, apesar da pontuação modesta na fase de classificação, conquistou o título da Segundona com cinco pontos à frente do Cascavel, terceiro colocado. Junto com o Império, subiu para a Série Ouro – coincidência ou não, os dois clubes caíram de volta à Série Prata no ano seguinte.

As fraudes já haviam sido citadas por Evandro Rogério Roman. Em depoimento ao Tribunal de Justiça Desportiva, no dia 20 de setembro, o árbitro que denunciou a máfia do apito e sugeriu ao TJD que convocasse dirigentes do Engenheiro e do Império. ?Eles têm muito a contar sobre o acesso à Série Ouro?, falou o árbitro, no mesmo dia em que entregou os colegas supostamente corruptos. Pelo menos quatro dos seis árbitros acusados por Roman, e agora sujeitos à eliminação do futebol, teriam beneficiado o Engenheiro na Série Prata, de acordo com o ex-atleta do clube.

O tribunal já havia ouvido o presidente do Engenheiro, Luiz Linhares, que negou envolvimento em qualquer esquema de corrupção, mas confessou ter depositado dinheiro na conta de Antônio Carvalho – o ex-vice da Comissão de Arbitragem da FPF, suspeito de concentrar parte do dinheiro proveniente da compra de árbitros. Carvalho e Linhares alegaram que se tratava do pagamento por uma palestra sobre arbitragem e de despesas para organização de um torneio amador, mas divergiram no valor – o primeiro falou em R$ 2 mil, e o segundo em R$ 300.

Carvalho teve o nome incluído no relatório da procuradoria do TJD e corre risco de eliminação do futebol. Linhares foi poupado e dirigentes do Império Toledo, que disputou o Estadual-2005 com o nome Império do Futebol, não foram convocados para depor.

Entrevista

Paraná-Online: Como foi o acerto para o Engenheiro ganhar a Série Prata?
Ex-jogador do Engenheiro Beltrão: A primeira fase foi no pau, só nos classificamos no finalzinho. No hexagonal, quando começaram os acertos, foi tranqüilo. Tanto que mais tarde o seu Luiz (Linhares, presidente do Engenheiro Beltrão) disse que o time subiu por mérito dele. Tirou o nosso mérito.

Paraná-Online: Vocês eram avisados do esquema?
Jogador: Sim. Na terça-feira, já sabíamos quem ia apitar*. Seu Luiz falava: pode se atirar na área que o juiz vai dar pênalti. Acho que tivemos sete pênaltis só no hexagonal final. Quando o jogo não estava no esquema, dizia: se preparem, porque vai ser ?no pau? (sem facilitação).

* Os ?sorteios? das escalas aconteciam às quintas.

Paraná-Online: Como a diretoria anunciava esses acertos?
Jogador: Não havia reunião ou coisa do tipo. O seu Luiz falava com um aqui, outro ali.

Paraná-Online: Quais árbitros estavam ?vendidos??
Jogador: É só você conferir a escala das nossas partidas no hexagonal, que vai dar certinho. Dos 10 jogos, acho que o Magno apitou um, o Mafra, dois, o Cidão, um, e o Sandro (da Rocha), um. Outros dois foi o Triches, que estava fora do esquema. Os outros três não me recordo, mas também estavam fora. Mas quando os juízes não estavam acertados, eram os bandeiras.

Paraná-Online: Os juízes do esquema ajudavam muito o time?
Jogador: Sim. Lembro que o Cidão, por exemplo, operou o Águia (vitória do Engenheiro por 1 x 0).

Paraná-Online: Os árbitros corrompidos conversavam com vocês em campo?
Jogador: Não. Mas todos sabíamos que estavam no esquema.

Paraná-Online: E os adversários, o que diziam?
Jogador: Ficavam revoltados. Falavam: ?Esse tá no esquema de vocês?. Não tínhamos o que rebater e ficávamos quietos.

Paraná-Online: Com quem a diretoria fazia os contatos?
Jogador: Seu Luiz sempre ligava para o Valdir e o Carvalhinho.

Paraná-Online: Valdir de Souza e Antônio Carvalho, que eram presidente e vice da Comissão de Arbitragem?
Jogador: Não sei, só sei que os nomes eram Valdir e Carvalhinho.

Paraná-Online: E depois dos jogos?
Jogador: Sempre que a gente ganhava, os juízes do esquema se reuniam com seu Luiz na lanchonete Blitz, a maior da cidade. Comiam pizza e tomavam cerveja.

Paraná-Online: O pagamento era feito lá?
Jogador: Isso não sei. Mas seu Luiz tem fotos desses encontros com os árbitros.

Paraná-Online: Há outros árbitros envolvidos, fora aqueles citados por Evandro Rogério Roman?
Jogador: Fora esses não conheço. Tem alguns que, quando apitavam, sabíamos que estariam a nosso favor ou contra. Com Evandro, Héber (Roberto Lopes), (Henrique França) Triches, Carlão (Francisco Carlos Vieira), dificilmente a arbitragem tinha problemas.

Paraná-Online: Houve acerto em outras competições?
Jogador: Ouvi histórias de que o Magno, antes de apitar a final na Taça Paraná (vencida pelo Engenheiro Beltrão contra o Combate Barreirinha), em 2003, passou uma semana na cidade. Ele até ficou uns dias na fazenda do seu Luiz.

Paraná-Online: O que o levou a denunciar a corrupção?
Jogador: Não achava isso certo, não era lícito. Ter subido com este tipo de ajuda me incomodava. Já vi time tirar percentagem do prêmio dos jogadores e dar para o juiz. O Evandro (Rogério Roman) teve uma atitude digna, e no que eu puder vou ajudar.

Paraná-Online: Por que você prefere não aparecer?
Jogador: Primeiro, porque não tenho provas. Seria minha palavra contra a deles. E não quero complicar minha carreira, sei que pode haver represálias dos próprios árbitros. Mesmo que os corruptos sejam eliminados do futebol, a corda sempre estoura do lado mais fraco.

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