São Paulo – Uma hora, no máximo, dura a principal prova do atletismo brasileiro. Mas a Corrida de São Silvestre, que inicia oficialmente às 16h25 de hoje (horário em que as mulheres largam; os homens saem dezessete minutos mais tarde), em São Paulo, é um evento que transcende o esporte.

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Política e economia da mais importante cidade brasileira param (literalmente) para os mais de vinte mil atletas correrem os quinze quilômetros que começam e terminam na avenida Paulista.

Este ano, a São Silvestre simboliza também a tentativa da cidade e do estado de São Paulo mostrarem organização após a agitação por conta das enchentes que marcaram dezembro – e que colocaram dúvidas na capacidade de gestão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) e do governador José Serra (PSDB), este candidato à presidência da República na eleição de outubro de 2010.

Apesar de ser organizada por empresas de marketing esportivo e ter a chancela da TV Gazeta, a São Silvestre é um evento oficial do calendário de São Paulo, e conta com prefeitura e governo como patrocinadores (“apoio especial”, segundo o site da prova) – e com o apoio decisivo da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e da Polícia Militar.

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Sem eles seria impossível promover a intervenção urbana na cidade, que começa às 10h, quando a avenida Paulista será fechada para os carros, sendo aberta só no dia 1´, já que depois da corrida há uma festa de réveillon.

São Paulo, involuntariamente, recebe a “honra’ de sediar o primeiro evento de esporte olímpico e de porte internacional após a confirmação do Brasil como sede da Olimpíada de 2016 (que será no Rio de Janeiro).

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Por isso, os olhos do mundo estarão voltados para os acertos da organização – e principalmente nos erros. Tal atenção será redobrada em março, quando a capital paulista receberá a Fórmula Indy. Se na Fórmula 1 correu tudo bem, os próximos “testes” são decisivos para a confiabilidade brasileira.

A grande preocupação não está na estrutura montada para a corrida, que é apenas a atualização do que foi feito nos últimos anos. Está sim na possibilidade de chuva, que aterroriza os organizadores.

A previsão aponta dia de calor com possibilidade de precipitação – para um instituto de meteorologia, “chance de trovoadas”. Ontem, caiu um toró no horário previsto para o início da prova. Nem mesmo os brasileiros, mais acostumados com o clima do verão paulistano, querem a São Silvestre com chuva.

As principais esperanças nacionais na prova de hoje são as campeãs Lucélia Peres, Marizete Rezende e Maria Zeferina Baldaia, que tentarão suplantar a favorita Margareth Okayo, da “armada do Quênia” e a sérvia Olivera Jevtic.

No masculino, o paranaense Anoé dos Santos Dias é o destaque para encarar os quenianos James Kwambai, atual vencedor da São Silvestre, e Robert Cheruiyot, tricampeão da prova. Numa corrida de bastidores e política, os atletas só vão conseguir aparecer de verdade na hora em que for dado o tiro de largada.

Marizete arma o maior barraco

São Paulo – O que seria uma entrevista coletiva protocolar acabou se tornando um acontecimento, em pleno hotel Hilton, centro da organização da corrida de São Silvestre.

Ex-campeã da prova, a corredora Marizete Rezende foi chamada para falar, fez duras críticas à estrutura do atletismo brasileiro e mudou o foco do evento, que acabou virando uma discussão sobre o esporte – pelo menos para quem se apresentou para falar.

A ordem da coletiva apontava a presença da elite feminina em primeiro lugar – tudo marcado para um horário que permitiria que as emissoras de TV oficiais (Globo e Gazeta) fizessem entradas ao vivo ao final da entrevista. Quando, pela sequência regulamentar, Marizete Rezende foi chamada, ,aconteceu a surpresa.

Questionada sobre as chances de vitória, ela foi direta – e constrangedora. “Tive um dos piores anos da minha vida. Mas não ia amarelar justo na São Silvestre”, iniciou, para logo depois falar sobre a falta de apoio.

“As estrangeiras chegam como favoritas, mas não tenho medo delas. A diferença é que elas têm como se preparar. Aqui ninguém tem equipe de apoio, só o Marílson (dos Santos, bicampeão da Maratona de Nova York). Nunca tive um time completo para me apoiar. É o que sempre acontece, esbarramos na falta de dinheiro”, atirou.

Quando o assunto passou a ser a chance de melhora com a confirmação dos Jogos Olímpicos, Marizete continuou as críticas. “Até agora, não aconteceu nada. A gente fica em uma situação delicada, porque é quase impossível continuar desse jeito. Chega a causar inveja a situação dos outros atletas, dos estrangeiros. Que inclusive estão aqui, correm as nossas corridas e ganham nossos patrocínios e nossos prêmios”, completou.

O forte e inesperado ataque gerou a reação da ex-atleta Esmeralda de Jesus, hoje dirigente da Federação Paulista de Atletismo. “Nós não podemos esquecer que as coisas estão muito melhores do que no tempo em que eu competia. Tem o apoio da Caixa (Econômica Federal). A Marizete talvez não saiba o que está acontecendo”, disse.

“A Caixa até vai me patrocinar ano que vem, mas os outros patrocinadores só apoiam quem ganha. E só os estrangeiros estão ganhando”, retrucou Marizete Rezende.

O técnico e comentarista da TV Globo, Lauter Nogueira, também entrou na discussão. “Acho que precisamos cuidar da base, formar professores de Educação Física para preparar a garotada. Se não fizermos isso, vamos ter estrutura e não vamos ter resultados”, resumiu. Quanto aos outros atletas, brasileiros e estrangeiros, nenhuma declaração sobre o assunto.