É justo que um eventual título da Argentina coloque Messi no Olimpo. Ele fez uma boa Copa, quatro gols, uma assistência e até correu atrás dos zagueiros. Mas não dá para esquecer que esta também pode ser a Copa de Alejandro Sabella, o treinador argentino. Ele conseguiu superar contusões de duas estrelas – Di María e Agüero -, reorganizou a defesa no meio da competição, passou incólume diante da pressão de jogar a Copa na casa do maior rival e cumpriu o objetivo de superar as quartas de final, barreira na qual a Argentina se esborrachou em 2006 ou 2010. Independentemente do resultado, o treinador deve deixar o cargo, mas cumpriu sua missão.
Enumerar todos os feitos de Sabella de uma vez só é tirar um pouco do brilho de cada uma dessas realizações. Vamos por partes. A primeira é a reorganização da defesa, o setor mais criticado da equipe nas Eliminatórias Sul-americanas. Até a decisão, contra a Alemanha, o técnico fez uma série de alterações. Na primeira delas, reinventou a equipe após a contusão muscular de Sergio Agüero, um dos craques da equipe, na última partida da fase de grupos. Ao escolher Ezequiel Lavezzi, Sabella conseguiu evoluir na ocupação dos espaços do campo.
Para enfrentar a Bélgica, deu uma tacada de mestre. De uma só vez, trocou dois titulares: o zagueiro Federico Fernández e o volante Fernando Gago. Entraram Demichelis e Lucas Biglia. Tomou a decisão difícil, mas teve o cuidado de preservar seus jogadores publicamente. Um dia antes de tirar Fernández do time, elogiou o zagueiro. “Fernández tem a nossa confiança. Os atacantes também têm seus méritos”, disse.
GRANDE TESTE – Contra a Holanda, Sabella teve de reorganizar a equipe com a lesão muscular de Di María, o segundo jogador mais importante do elenco, logo atrás de Messi. O treinador acertou de novo ao escalar o meia Enzo Perez, que fechou o lado direita da defesa. Embora tenha sido fundamental, Sabella adotou um discurso humilde. “Não vou bater no peito por nada. As conquistas são dos jogadores”, cravou.
Sabella é um sujeito calmo, bem articulado, sincero a ponto de externar suas dúvidas. Uma parte para ser ‘escondedor’, como ele diz em espanhol, para não entregar o ouro para o adversário, outra parte porque tem dúvidas mesmo. Gosta de analisar todos os aspectos – físicos, emocionais, psicológicos – antes de tomar uma decisão.
Talvez os momentos mais difíceis da campanha tenham sido os dias após a vitória sobre a Bósnia. No primeiro tempo, escalou a equipe com cinco zagueiros e o desempenho foi um horror. Na etapa final, retomou o esquema ofensivo das Eliminatórias, com três atacantes, e a equipe melhorou muito. Nos dias seguintes à vitória por 2 a 1, teve de suportar a pressão da cobrança pública pela utilização dos três atacantes. “Temos um sistema democrático, e os jogadores podem falar o que quiserem”, alegou. O esquema, conhecido como “time do Messi”, passou a ser utilizado em todas as partidas e deve ser escalado neste domingo, na final, contra a Alemanha.
DIPLOMÁTICO – Quando era jogador, Sabella esteve perto de ir à Copa do México. Em 1986, no momento da convocação final para a seleção argentina, ele foi preterido por Carlos Tapia e Ricardo Bochini. Viu o grupo comandado por Carlos Bilardo ser campeão derrotando a Alemanha, mesma rival que ele enfrentará agora, no estádio do Maracanã. Bilardo é atualmente coordenador de seleções.
Como técnico, aos 59 anos, está a uma partida de preencher o maior desejo de sua vida. “Eu ‘me ilusionei’ umas duas ou três vezes em levantar a taça de campeão do mundo. É uma ilusão muito bonita de se ter”, afirma. O termo “ilusão”, em espanhol, significa sonho.
O maior feito de sua carreira até agora foi a conquista da Taça Libertadores da América, em 2009, com o Estudiantes. Na final, venceu o Cruzeiro, dentro do Mineirão, por 2 a 1. Sabella assumiu a seleção em 2011, credenciado por essa conquista, e substituiu Sergio Batista, que deixou escapar a Copa América dentro de casa, ao ser eliminado nas quartas de final pelo Uruguai.
Além de conseguir a classificação para a Copa sem dificuldades, Sabella conseguiu outro feito, que não aparece na lista inicial: encontrar o lugar certo para Lionel Messi jogar e repetir, na seleção, as jornadas brilhantes do Barcelona.
Diplomático, o técnico argentino tomou um cuidado danado nos comentários sobre o Brasil. Fugia de todas as questões sobre uma possível final entre os dois rivais, lamentou a contusão de Neymar e disse que os 7 a 1 da Alemanha foram fora do normal. Sua melhor frase em toda a Copa foi uma definição sobre a alma argentina: “Os argentinos pensam que são melhores do que realmente são. Isso tem o lado bom e o lado ruim”.