Luiz Augusto Xavier ? Você acha que um atacante como você, com presença de área, é hoje uma espécie em extinção no futebol brasileiro?
Renaldo
? Extinção não. Acho que sou da boa época do futebol brasileiro. Hoje, com a minha idade, é difícil encontrar um jogador fisicamente preparado pra encarar um jogo. É raro. Pra trabalhar como eu trabalho, em uma temporada inteira, sem ter uma contusão e treinando igual a molecada, é raro sim. Muitos jogadores da minha idade já estão parados ou machucados e eu estou aí.Xavier
? E qual é o segredo?Renaldo
? É se cuidar, se alimentar bem, evitar algumas coisas. Acho que sou um jogador raro por causa desse lado profissional. Sou profissional em todos os termos.Borba Filho
? Você passou por grandes clubes, jogou fora do País e voltou. Temos exemplos de muitos jogadores que vão para o exterior e só voltam reclamando. Eles não deveriam ser mais profissionais?Renaldo
? É verdade. Ainda mais pelo investimento que os países europeus fazem nos jogadores brasileiros. É falta de respeito até mesmo com o jogador que está aqui no Brasil, porque muitos almejam uma oportunidade de jogar em um Valencia, um Real Madrid, entre outros. Então aquele que chega na Europa e diz que a comida não é boa, isso é pura enganação. Na Espanha, onde eu estive, me alimentei bem. Sou nordestino, acostumado a comer arroz com feijão e chegar lá comendo outras coisas seria mais difícil. Mas tem todo o tipo de comida, fiquei lá seis anos e poderia ter ficado mais. Acho que isso é desculpa daquele jogador não ter capacidade de vencer na Europa.Cristian Toledo
? Faça um histórico da sua carreira, até chegar no Paraná Clube.Renaldo
? Nasci em Cotegipe, na Bahia, me criei em Brasília e comecei jogando no Guará, modesto time da capital. Dali disputei três Taça São Paulo de Juniores e em uma delas o Atlético Paranaense me contratou, com o Carletto e o Farinhaque. No Atlético comecei a despontar pro futebol brasileiro e depois fui para o Atlético Mineiro, Deportivo La Coruña (Espanha), Corinthians, Las Palmas (Espanha), voltei para o Brasil em 2001 e fiquei dois meses no América-MG, fui novamente para o Galo, e agora estou no Paraná Clube.Gisele Krodel Rech
? Com quantos anos você começou a jogar?Renaldo
? Comecei a jogar futebol com nove anos. Me profissionalizei no Atlético com dezenove anos.Gisele
? Então você não pensou em fazer outra coisa, a não ser jogador de futebol?Renaldo
? Acho que não prestava pra trabalhar em outra coisa. Só jogar futebol. Meu pai falava para as meninas não me namorarem quando eu era menor, porque eu era vagabundo, não gostava de trabalhar. Acho que nasci para jogar futebol.Xavier
? Você fugia da escola para jogar?Renaldo
? Na escola, era terrível. Fiz até a quarta série do primeiro grau.Marcelo Fachinello
? Por tudo o que você passou, por toda a experiência, você se considera mais homem, do que jogador?Renaldo
– Pra mim o que vale é a pessoa. Não coloco o dinheiro nem fama nem nada à frente da pessoa. O que vale é o meu profissionalismo. Eles me chamam de ranzinza no Paraná, porque sou uma pessoa direita, honesta, gosto das minhas coisas da maneira certa. Então às vezes sou até chato porque sou profissional demais e no futebol brasileiro tem essa bagunça. Às vezes um jogador não vê isso, um detalhe pode diferenciar um vencedor de um perdedor e eu gosto das coisas certas.Cristian
? Nesse ponto você é um estranho no ninho, porque o futebol vive muito de interesse e falsidade. Às vezes você sente que o ambiente é mesmo ruim?Renaldo
? Sinto isso. Falo com todo mundo. Falo o que acho para o presidente, para os repórteres que vão no clube, com o treinador, porque gosto das coisas certas. Procuro sempre ser honesto e acho que por isso minha vida deu certo, não tenho que mentir pra ninguém. Vim para o Paraná pra fazer gols, para ajudar os mais jovens.Irapitan Costa
? Qual a sua relação com os jogadores mais jovens? Você os orienta com relação aos estudos, aos jogos?Renaldo
? Oriento até demais, por isso me chamam de ranzinza. Mas você tem que ter seriedade. Pra você ser um vencedor tem que ser sério em tudo o que faz. Se você não for sério enquanto for jovem, quando você for mais velho, aí é tarde. No futebol brasileiro, os jogadores se acomodam facilmente. Um jogador faz dez gols e acha que é o craque da vez. Mas não pode ser assim. Tem que querer marcar vinte, trinta gols, para ser o maior. Então eu tento passar isso para os outros jogadores. Me chamam de ranzinza, mas mais tarde, eles vão entender porque eu sou assim.Xavier
? Você acaba de recusar uma proposta do futebol japonês. Você já está bem financeiramente e por isso que não aceitou a proposta?Renaldo
? Posso falar que financeiramente, estou tranqüilo. Não estou milionário, mas estou bem. E tudo foi conquistado através do meu suor, batalhei muito. Muitas vezes me chamam de orgulhoso, mas não é nada disso. Tenho determinação, falo porque sou um vencedor. Antes não tinha nada e aos poucos fui conquistando o que tenho. A proposta dos japoneses era de 500 mil dólares. Isso pra mim não vai resolver nada, queria sair daqui para ganhar um milhão, aí era outra coisa. Então vou continuar no Paraná Clube. Sei que no futebol brasileiro tudo é coisa de momento. Se não estivesse fazendo gol, o pessoal ia pegar no meu pé, mas sei disso.Xavier
? Você se cobra muito?Renaldo
? Muito, demais.Xavier
? Você promete gols para a torcida. E quando os gols não saem, como você fica?Renaldo
? Quando prometo e não cumpro não consigo dormir. Porque aprendi a ser vencedor e no futebol só tem lugar para vencedores, não tem lugar para lorota. Se você promete um gol, e não faz, as pessoas já começam a desconfiar. Então tem que falar o que vai fazer, e cumprir.Cristian
? Como foi a chegada no Atlético? Foi aonde tudo começou a dar certo pra você?Renaldo
? É verdade e sei reconhecer isso, que na minha carreira o que foi determinante pra tudo ter acontecido foi o Atlético. Só que sofri muito pra conseguir isso. Quando cheguei no clube, tinha muitos jogadores de Brasília. Mas vencedores tinham poucos. Quando subi para conversar com o Farinhaque, na minha chegada, ouvi uma conversa de um repórter dizendo que mais uma m… de Brasília tinha chegado. Daí aquilo me tocou. E pensei comigo que iria vencer no clube. Botei aquilo na minha cabeça e consegui provar que era um vencedor.Gisele
? Por falar da imprensa, incomoda você ver o jornal uma nota baixa para o seu desempenho em uma partida ou algum comentarista falar mal de você?Renaldo
? Consegui na minha carreira, separar coisas boas das ruins. As críticas construtivas são boas para um jogador ser vencedor. Não leio jornal, não gosto de ver televisão. Sou um cara crítico. Sei quando faço algo errado e quando vou bem em uma partida. Então quando alguém diz que não joguei nada, treino a semana inteira, pra depois compensar no próximo jogo. Na vida não são só as coisas boas e um vencedor tem que lidar com isso.Fachinello
? Como você define o presidente Farinhaque, durante a sua passagem no Atlético?Renaldo
? O Farinhaque foi a pessoa que me descobriu, que me deu força. Foi um cara bom pra mim, mas até certo ponto foi ruim. Mas acho que tanto pra mim, quanto pra ele foi bom.Fachinello
? E no que ele não foi bom?Renaldo
? Ele não pagava o salário em dia, não ajudava a gente nesse sentido. Não perguntava se a gente precisava de algo, já que eu era pobre quando cheguei no Atlético. E, nesse sentido, como ele tinha me contratado, tinha uma obrigação.Xavier
? Você sempre foi transparente assim?Renaldo
? Sempre. Sempre fui honesto. Sei que no futebol brasileiro isso não acontece muito.Xavier
? E isso às vezes não faz mal?Renaldo
? Faz mal, mas tenho a minha opinião. Prefiro ser do jeito que sou, honesto, do que usar a falsidade. Quem não gostar de mim, tanto faz, não vou mudar o meu jeito, e dentro de campo sempre tento fazer o meu melhor. Às vezes brinco com o pessoal, mas dentro de campo sou um profissional, um guerreiro. E, se for para falar com o presidente do clube, com treinador ou com outra pessoa, falo mesmo. Chego e falo na cara, sou honesto.Irapitan
? E essa é uma atitude que você sempre teve ou só adquiriu depois da experiência, de ter uma vida consolidada?Renaldo
? Sempre fui assim, até na Espanha. E lá me prejudiquei por ser honesto. Saí do La Coruña, fui para o Corinthians e lá não consegui ser o artilheiro que eles esperavam, daí fui para o Lãs Palmas, que estava na segunda divisão espanhola, com 25 anos. Arrisquei em ter ido pra lá. Cheguei e fui honesto, falei que queria ajudar o time, para vencer e falei com o presidente do clube. Acabei sendo campeão, o time subiu, voltei para o La Coruña e fui novamente campeão. Quer dizer, tive obstáculos mas consegui passar por eles com honestidade, com sinceridade.Xavier
? Depois do Atlético Paranaense, como foi a chegada em Minas?Renaldo
? Financeiramente pra mim foi importante essa transferência, porque realizei alguns sonhos que eu tinha. Comprei uma casa pra minha mãe, um apartamento pra mim. Na época era 600 mil dólares, um preço bom para o mercado brasileiro. Me realizei momentaneamente, não fiquei rico. E cheguei lá com expectativa, porque tinha sido artilheiro aqui. Quando entrei no Mineirão, vi 50, 60 mil pessoas, fiquei assustado. E no começo não consegui ser o artilheiro que vinha sendo. Mas depois consegui recuperar o meu prestígio e me tornei ídolo da torcida.Xavier
? Porque o seu nome é Renaldo e não Reinaldo?Renaldo
? Bom, isso é coisa de baiano. Eu era gêmeo, meu irmão faleceu e então era Rivaldo e Reinaldo e na hora de ir no escrivão, meu pai colocou Renaldo e fez uma baianada. Não gosto de Renaldo, mas fazer o quê? Gosto de Reinaldo.Gisele
? Você falou que é ranzinza. Na hora do jogo, quando você dá um passe para o outro atacante e ele erra o gol, como você reage? Fica bravo e xinga?Renaldo
? Com certeza, falo na hora. Se não existir cobrança, não tem como jogar futebol. Tem o Caio lá no Paraná, que é um cara humilde, que está crescendo, só que quando a gente fala alguma coisa, ele abaixa a cabeça. Daí eu falo pra ele que o jogador que é quieto, coitadinho, acaba pobrezinho. O Dunga já falou isso também. Então tem que ter cobrança. Se não existir isso, o futebol brasileiro vira uma porcaria, não dá. Procuro sempre cobrar de todo mundo, mas às vezes eu estouro. A gente tem que aprender com a cobrança.Gisele
? E a relação com os árbitros?Renaldo ? Tem jogos que eu penso que não vou me estressar, que vou ficar na minha, mas tem jogo que dá confusão, xingo de tudo o que é nome. E o Paraná é o mais prejudicado no Campeonato Brasileiro. Fiz um gol legítimo no jogo contra o Santos, no Couto Pereira, e o árbitro anulou. E tem time que cai na área e eles dão pênalti. Então pra nós é mais difícil.
Borba
? Mas com toda a experiência que tem, sendo um exemplo para os outros jogadores, não fica ruim reclamar muito e acabar tomando cartões à toa?Renaldo
? Você está certo, mas tem hora que não dá. Você se estressa e daí não tem jeito. O árbitro marca uma coisa pra um lado e do outro não. O pessoal da minha casa até me fala depois que eu estava muito bravo na partida. E na partida contra o Guarani, que o Paraná teve chance de marcar 10 gols e não conseguiu, eu poderia estar em campo, e ter ajudado o time, mas estava suspenso. Nesse caso é ruim, me prejudiquei. Mas você acaba aprendendo.Fachinello
? Você é um cara experiente no futebol brasileiro. Os árbitros respeitam nessa hora das críticas ou o tratamento é igual para todos os jogadores?Renaldo
? Sou respeitado demais. Respeitado por todos, árbitros, treinadores, jogadores… estou falando humildemente. Só que tem hora que você não consegue ficar calado. Não aceito faixa de capitão, acabo me atrapalhando. Tem um exemplo do Marquinhos, na partida contra o Flamengo. Ele foi falar com o Simon e o árbitro falou que ele ainda era menino, tava começando e não podia reclamar muito. Quando eu fui falar com ele, reclamando de um pênalti, ele me disse que não enganava, que já me conhecia faz tempo.Irapitan
? Teve uma passagem que você descobriu quem era o árbitro de uma partida e viu que o conhecia, que era da tua terra. Mas na hora a sua tática não deu certo. Como foi?Renaldo
? Foi no jogo entre Atlético Mineiro e Paysandu e o árbitro era de Brasília. Eu ia sempre na escolinha dele. Daí eu falei para o Geninho, que na época era o técnico, que o árbitro era nosso. No final das contas, ele deu dois pênaltis contra nós, queimou meu filme, deu tudo errado.Xavier
? O Liédson esteve para ir para a Ucrânia e acabou não dando certo. Na época o Parreira estava convocando a seleção e falou que seria difícil enxergar um jogador que fosse jogar pra esses lados. Quando você foi pra Europa, pensou na possibilidade de estar abrindo mão de estar na seleção brasileira?Renaldo
? Estava cotado para ir pra Alemanha e naquela época, em 96, os melhores jogadores eram Romário e Renaldo. Surgiu a proposta na Alemanha e acabou não saindo o negócio. Mas logo depois veio a proposta do La Coruña para eu substituir o Bebeto, que estava saindo do time. Eles ligaram pra mim e acabei aceitando. Financeiramente seria muito vantajoso. Não pensei que seria esquecido da seleção. Que pra ser convocado jogando no exterior você teria que ser o artilheiro do campeonato espanhol ou italiano. E foi aí o meu erro. Pensei no lado financeiro.Fachinello
? Você acha que o critério para a convocação é certo? Até mesmo os jogadores que atuam no Brasil, mas em equipes menores, não têm chance.Renaldo
– Com certeza nisso tem uma discriminação muito grande. Há jogadores de muita qualidade, que jogam no Paraná, no Coritiba, no Atlético e que não são visados para a seleção. Tem muito jogador de mais qualidade nos time menores do que nas equipes do Rio. O Vasco, por exemplo, não tem nenhum jogador, no Fluminense também. E eles deixam fora alguns jogadores que têm potencial, mas não atuam em times de maior expressão. Acho isso uma injustiça. Todo mundo deveria ser olhado da mesma maneira.Fachinello
– E porque você acha que acontece isso?Renaldo
– Acontece porque as pessoas que estão lá já têm uma visão. É uma política regional, de Rio e São Paulo. Eu fui para a seleção na época em que era artilheiro do Brasil, senão não iria.Irapitan
– Você falou que era um jogador do povão, vibrou com o Atlético-MG. Como você está se sentindo jogando em clube que leva pouco torcedor no estádio?Renaldo
– O Paraná, nos anos atrás, estava brigando para não cair. Hoje o Paraná está entre os onze melhores do campeonato, então merecia mais o interesse do torcedor. A torcida podia ir mais no campo. Se for para cobrar, não fique em casa. Pelo menos vá ao estádio e cobre lá. Se um jogador vai mal em uma partida, tem que ter cobrança da torcida, mas de quem vai ao campo. Agora, quem fica em casa, ouvindo no rádio e criticando, é errado. Enquanto isso no estádio só tem duas mil pessoas. É difícil analisar. Muita gente fala mal da torcida do Paraná, que eles não comparecem aos jogos. E eles estão devendo para os jogadores uma presença maior.Cristian
– Um jogador que foi teu companheiro no Atlético-MG e que é talvez um referencial é o Taffarel. Esse tipo de exemplo te serve até hoje?Renaldo
– O Taffarel é um jogador exemplar e uma pessoa maravilhosa. Não só ele, mas o Mauro Silva e outros. É por isso que hoje sou um cara que procuro deixar a vaidade de lado e viver com profissionalismo, dando valor no convívio com as pessoas, porque aprendi com os caras que entendem das coisas. De cada pessoa eu sempre procuro tirar um exemplo.Fachinello –
Isso o que está acontecendo no Paraná, com a troca de técnicos, influencia, influenciou e está influenciando talvez por isso o time não esteja melhor no campeonato?Renaldo –
Na verdade tem uma parcela muito grande, porque se você começa a trabalhar com um treinador dois meses, sai e vem outro, dois meses, vem outro… aí é difícil. Você assimila um, tem que assimilar outro, só que dentro de campo quem joga é o jogador e então a gente também tem que assumir a responsabilidade. O futebol brasileiro tem esse negócio: quando perde, o treinador que é o culpado. Por que o jogador não sai na entrevista e fala assim: “nós não fizemos gol, chutamos a bola para fora, errei o pênalti”. Então a gente tem que assumir as responsabilidades e não jogar pra cima do treinador, porque um dia vem à tona e são quatro treinadores no Paraná e esse jogador não jogou nada e ele vai falar o quê?.Gisele –
Você acha há deslealdade dos zagueiros com jogadores que fazem muitos gols ou você não tem esse problema?Renaldo –
De vez em quando tem uma chegadinha, chega duro, mas ninguém nunca chegou para me machucar, para ser desleal. Acho o zagueiro brasileiro durão, tem uns que são mais duros nas entradas, mas nunca são desleais.Irapitan –
Por mais que um jogador se cuide, como é o seu caso, é difícil ele passar uma carreira sem contusão. Qual é o seu segredo?Renaldo –
Rapaz, eu não sei qual é o meu segredo não. Acho que quando morava lá na Bahia comia catuaba, aquelas coisas. Mas sou um cara felizardo porque o tempo em que estou jogando aqui no Paraná nunca tive uma lesão, detesto ir para o DM (Departamento Médico) e gosto de treinar todo o dia. O dia em que eu não treino eu me estresso, então eu agradeço muito a Deus por isso.Xavier –
Até que idade você acha que o jogador pode treinar fundamento ou pode aprimorar técnica?Renaldo –
Acho que tem que aprimorar nas categorias de base. Para que existe a categoria de base? É pro cara aprimorar, pro cara chegar no profissional e saber o que vai fazer no profissional. Então eu às vezes fico comentando com outro jogador: “pô, aquele juvenil subiu para o profissional e o cara não sabe dar um passe! Será que ele não foi bem treinado?” É igual um cara que vai fazer um teste numa firma, em qualquer lugar, ele chega lá, estudou, estudou e chega lá não sabe nem o que vai responder. Você tem a categoria de base, tem o juvenil, é para treinar a perna esquerda, a perna direita, o cabeceio, para chegar no profissional um jogador formado. Hoje vejo jogadores que chegam no profissional despreparados, tanto física quanto tecnicamente. Por isso que no futebol brasileiro demora a sair um Kaká, um Robinho, um Diego. O futebol brasileiro está escasso de craques porque sai mal trabalhado da categoria de base.Gisele –
Se a pessoa quiser entrar nas categorias de base ela consegue entrar tranqüila?Renaldo –
Lógico que consegue. Na vida você consegue tudo, acho que você querer, buscar aquele ideal, falar “eu vou me aperfeiçoar, a minha perna esquerda não serve para nada, só para subir no ônibus, eu vou trabalhá-la para chegar na cara do gol saber tirar, saber tocar a bola firme”… o cara querendo ele faz. Mas o jogador brasileiro é preguiçoso, chega lá na Europa os caras mandam embora porque eles chegam lá e se acomodam. O cara tem que chegar e trabalhar, mostrar que quer e aí todo mundo ajuda.Borba –
Você acha que um jogador que está começando, como o Dagoberto, e um jogador experiente como você devem ter o mesmo tipo de treinamento?Renaldo ?
Não. Você tem que trabalhar o que você sabe que não está bem. O jogador também tem que ter essa mentalidade, tem que ser inteligente. Quando vejo que estou mal numa coisa, estou finalizando mal, o meu domínio está mal, então eu procuro trabalhar o meu domínio, para chegar na área bater na bola curtinho e finalizar rápido. Então a gente tem que saber o que a gente precisa, chegar e pedir “ô professor, me ajuda aqui”. Isso é de interesse do jogador.Cristian – V
ocê falou que os zagueiros aqui no Brasil chegam mais juntos. Você enfrentou cada zagueiro também na Europa que era brincadeira, como Köeman, Hierro, essa turma toda. Você chegava a pensar “caramba, olha onde que eu estou”, “olhe quem eu vou enfrentar”?Renaldo – J
á enfrentei tantos, mas os argentinos são os piores. Teve um jogo com o Atlético de Madrid, o Simeone estava entrando em campo e, pô, a gente se cumprimenta e tal, quando fui cumprimentá-lo ele olhou para mim e disse “seu negro hijo de p….” (risos). Pô, esse cara tá louco, ficou me encarando e durante o jogo, com o Rivaldo caído, ele pisou na mão dele, ficou xingando o Rivaldo, é duro ali. Tem cotovelada, futebol europeu é duro cara, tem que ter muita vontade.Cristian –
E ao mesmo tempo você enfrentou jogadores de extrema qualidade.Renaldo –
Muitos, muitos, enfrentei os melhores. Foi uma escola. Camp Nou, esses campos todos, França, Santiago Bernabeu. A primeira vez que cheguei no Santiago Bernabeu fiquei só olhando para cima aquela coisa linda.Irapitan –
Culturalmente o que você tentou absorver dessa tua experiência depois já na Espanha?Renaldo ?
Culturalmente, o que mais aprendi foi o profissionalismo, isso que me ajudou pra caramba. O jogador brasileiro é o seguinte: só fica rindo, perde um jogo, chuta uma bola fora, ele fica rindo, brincando, aquela coisa, pagode, aquele rolo todo. Acho que na vida você tem que ter concentração, assim, eu vou fazer o gol, eu me concentro, não gosto nem que o repórter me entreviste. Quando entro no vestiário, acabou. Ali não sou mais o Renaldo, já fico sério, ninguém conversa comigo. Eu procuro me concentrar, pensar assim: “pô, a bola vai lá no segundo pau, como é que eu vou cabecear? Ela vai vir assim, como é que eu vou fazer?” – então procuro me concentrar, eu não gosto nem de olhar outro companheiro que os caras estão lá brincando, rindo e eu estou preocupado em fazer o melhor ali, então aprendi muito isso, os espanhóis são muito sérios, até demais, chega ali no vestiário os caras não falam nada, terrível.Xavier –
Fora de campo, no dia a dia, até que ponto o jogador exagera e até que ponto esse exagero atrapalha uma carreira?Renaldo –
Lá na Espanha é o seguinte: eles acham que o jogador deve ficar só em casa com a família, vai no restaurante…Xavier –
Eles quem?Renaldo –
Os espanhóis, a mentalidade deles é essa. Se você sai para ir a uma boate com a namorada e fica lá até duas horas, três horas da manhã, já começam o papo “o cara só quer noite”, então eles acham que 11h da noite você tem que estar em casa. É uma vida dura…Borba –
Isso todo o dia ou só fim de semana?Renaldo –
No fim de semana, no dia da folga, você não pode ficar até quatro, cinco horas da manhã que no outro dia todo mundo fica falando: “o Renaldo tá na noite”. Eu passei uma imagem de um cara sério, se eu sair pro outro lado dá uma m… Então o Djalminha já era um cara que lá não era respeitado profissionalmente, só queria festa. Quando ele não jogava nada a torcida vaiava, porque ele não era profissional. Quando eu jogava mal, eu era mais aplaudido do que quando fazia um gol. Se eu fizesse um gol, aplaudiam e se não fizesse aplaudiam mais quando não fazia gol…Xavier –
Era um incentivo.Renaldo –
É, entendeu como que é a coisa? Porque sabiam que eu sou profissional, que me entregava?Xavier –
Aqui no Brasil é um pouco diferente. Você contou que nas concentrações lá eles servem vinho é isso?Renaldo –
Servem vinho…Xavier –
Faz parte da cultura do paísRenaldo –
A questão é a seguinte: tudo isso aí é ética, não é nem cultura, é ética. Se puser uma garrafa de vinho aqui, o jogador quer tomar duas, três. Cadê a ética profissional do cara? Os caras querem derrubar um monte.Xavier –
Agora conte aquela tática especial em que você sentava à mesa só com jogadores do time júnior…Renaldo ?
Exatamente. Às vezes eu estava cansado e pensava: vou tomar esse vinho aqui e aí sentava com os juvenis, eles me adoravam e eu falava: bebam pouco e deixem o resto para mim (risos). Aí bebia e dormia bastante. Chegava no outro dia zerado.Xavier –
Aqui no Brasil a gente vê esses abusos, do cara que vai para gandaia, que se arrebenta, no dia seguinte não treina…Renaldo –
Não sou contra que o jogador tenha seu lazer, só que você tem que ter a ética. Você não vai todo dia sair na noite, vai para uma boate e chegar cinco horas da manhã, no outro dia a mesma coisa, que jogador é esse? Aí você vai dar margem ao povo falar de você, quando você está mal…Borba –
Até porque não vai ter condição física…Renaldo –
Exatamente. Vai ter um dia que você vai sair a uma boate e vai chegar quatro horas da manhã em casa, você tem que ter isso aí também. Agora o jogador quer sair todo o dia, quer beber, quer churrasco. E o dia de amanhã? Eu sempre pensei no dia de amanhã. Se eu gastar isso daqui hoje será que amanhã isso vai me fazer falta?Cristian –
Nesse ponto, você chega a alertar os seus companheiros? Ou você só faz isso quando alguém te pergunta?Renaldo –
Agora não falo mais nada, já parei, porque eu falo demais e estresso o cara. Então já aprendi uma coisa, uso uma tática: eu falei uma vez e já era. Não vou mais ficar cobrando, mas eu aviso.Xavier –
A maioria dos jogadores não chega jogando no pique que você está hoje, com a idade que você tem, 33. A maioria acaba a carreira com 28, 29 anos, não é?Renaldo
? Eu falo isso, sou um jogador que treina pra caramba, que trabalha, que tem pique, velocidade, arranque, não existe igual a mim. Tudo bem, eu não sou santo, tenho o meu lazer, essa semana fui para Brasília, fui ver minha família, beber o meu vinho, minha cerveja, comer churrasco, só que quando volto ao profissional eu estou magro, meu peso é sempre 65 kg, 9% de gordura no corpo, dá para jogar até os 50 anos desse jeito. Eu me trato, sofro nos treinamentos, não é fácil.Xavier ?
Quando sentir o primeiro sinal de que alguma coisa possa estar acontecendo, você vai parar ou vai continuar insistindo, como o Bebeto e o Romário?Renaldo ?
O problema do jogador é sentir fisicamente. Se sentir que eu não estou legal, que não acompanho os jogadores, que estou lento, então é hora de parar. O futebol brasileiro é rápido, é velocidade, tem que ter explosão. Então chega uma hora que não adianta forçar. Se você não tem força para jogar futebol, já era. O futebol mundial hoje se define fisicamente.Fachinello –
Se fisicamente você não está, mentalmente você já está cansado de ser jogador de futebol?Renaldo ?
Estou desgastado. Ih, cara, você vê cada coisa no futebol que te desgasta. Você fala uma coisa o cara faz outra, você sempre procurando ser um cara certinho e o cara sempre desviando, então você vai se desgastando. Pra você não ter problema é melhor largar. Então tem hora que eu falo: “vou largar o futebol”. Aí, pô, ficam me chamando. Se eu disser que vou largar o futebol hoje, amanhã me ligam. Então por que vou largar?Fachinello ?
A rotina também cansa?Renaldo ?
Cansa, você tem que mudar. Rotina é a pior coisa que existe, é o pior desgaste.Cristian ?
Te desgastou ainda mais sair, ir para Espanha conhecer uma estrutura organizada e voltar para o Brasil e ver essa bagunça toda?Renaldo ?
Com certeza, isso daí é o que me mata. É a falta de profissionalismo que me desgasta, porque você sai para uma realidade e volta aqui achando que o futebol brasileiro evoluiu. O futebol brasileiro estacionou, eu não vi nada de mudança. Os times não pagam, o jogador nem vou falar, juiz rouba pra caramba, é a mesma coisa, não mudou nada, não evoluiu nada, só evoluiu o futebol, que isso é de sangue, que temos jogadores craques.Irapitan ?
Você é contra concentração?Renaldo ? N
ão é ser contra concentração. É porque no Brasil não adianta você falar “não vamos concentrar”. Eu tenho uma mentalidade que vou ficar na minha casa me cuidando pra não me atrapalhar no rendimento e tem outros dez que vão pra gandaia beber, fazer churrasco. Então uma laranja podre estraga as outras e no Brasil tem que ter concentração.Cristian ?
E os pontos corridos, você é a favor da fórmula? Você já jogou nela, na Espanha, só que com menos clubes e com mais atrativos.Renaldo ?
Exatamente, no Brasil eu até achei assim “será que vai ser legal?” Eu estou achando até legal, porque achei que seria pior. Até que dá, está dando renda, tem jogos bons, acho que essa fórmula é certa e até justa, porque o time que joga melhor, está somando mais pontos é o campeão. Na outra, você chega no mata-mata, o time faz 40 pontos, outro time faz 20, chega lá na final e ele é campeão.Borba ?
Se perguntassem a vocês jogadores como é que vocês fariam o Campeonato Brasileiro, como ele seria?Reanldo ?
Teriam que cair os quatro últimos, tem que diminuir o número. No futebol espanhol é assim, caem quatro e sobem três. Então tem que evoluir para igualar ao futebol europeu, porque senão a gente sempre fica atrás dos caras, atrás do dinheiro deles, do futebol medíocre deles e a gente, o melhor futebol do mundo, ainda atrás.Xavier ?
Você acha que nós também devemos adaptar ao calendário europeu, como já fizeram os argentinos, de começar em agosto pra setembro e terminar em maio?Renaldo ?
Acho melhor assim, porque é melhor para o jogador, porque evita muita lesão, o jogador tem mais anos de futebol, porque do jeito que a gente joga aí…falaram que com o campeonato de pontos corridos vai dar semana a semana. Você joga sete jogos quarta e domingo, quarta e domingo, pô, isso é um desgaste pro jogador, o cara chega aos trinta anos e se não estiver bem cuidado não dá mais pro futebol.Borba ?
Na minha opinião, os candidatos ao rebaixamento são o Fluminense e o Fortaleza. E você, quem acha que cai?Renaldo ?
Cara, eles são fortes candidatos, só que futebol brasileiro eu fico até cismado porque de repente o time está lá em embaixo, daqui a pouco está brigando para estar entre os oito. Você veja o Atlético. Estava numa crise que não ganhava e hoje pode chegar entre os dez, está só a três pontos atrás da gente. Então futebol brasileiro é bom por isso…Borba ?
Mas diga o seu palpite.Renaldo –
Acho que são os dois tricolores mesmo.Fachinello ?
Você acha que se não tivesse jogado esses seis anos na Espanha você talvez hoje até não estivesse jogado dessa forma?Renaldo ?
Acho que não cara, se eu tivesse jogando seis anos, de quarta a domingo, não ia agüentar, porque na Europa a gente corre muito mais do que aqui, o futebol lá é muito rápido, a bola vai e volta. Lá jogo no domingo e só vou voltar a jogar no outro domingo. Então eu me recupero e tem tempo de novo para jogar. Aqui não, jogamos domingo e vamos jogar na quarta. Vamos viajar lá pra Goiás, uma hora, duas horas de vôo. Você já chega cansado.Irapitan ?
Você ainda não pensa em parar, mas você tem planos de seguir dentro do futebol ou quando você se aposentar é aposentar mesmo?Renaldo ?
Quando disser “larguei”, larguei. Por isso não vou falar que vou largar para depois voltar, porque isso aí é feio…Xavier ?
Você não entendeu. Vai largar tudo, parar com futebol de vez?Irapitan ?
Você quer ser técnico…Renaldo ?
Deus me livre! (risos) Não quero ser nada. Eu vou mexer com meus negócios, jogar minha peladinha, manter o meu corpo pra não ter problema. Mas mexer com futebol, Deus me livre.Cristian ?
Nós temos aqui um brilhante treinador que é o Borba, mas você não teve a alegria de treinar com ele. Quem foi o seu grande treinador?Renaldo ?
Tive um treinador que me ajudou psicologicamente que foi o Levir Culpi. Depois tive o Luxemburgo, que foi um cara perfeito taticamente, um cara que me orientou dentro de campo. Depois…Cristian ?
Lá fora?Renaldo ?
Teve o Carlos Alberto Silva, que esteve com a gente no La Coruña. Se for colocar assim, cada treinador pra mim foi importante, todos me ajudaram um pouquinho, seria até injusto citar. Quando você é um cara profissional, todo mundo te adora, porque o cara procura fazer o melhor, procura ajudar.Xavier ?
O futebol é cheio de empresários, procuradores, mas parece que você manteve uma certa distância disto.Renaldo ? E
mpresário eu não tenho nenhum. Mas tem uns 350 empresários que me ligam pra pedir pra levar jogador para a Espanha. Eu falo que enquanto eu jogar futebol, não quero mexer com esse negócio de jogador. Tô fora.Xavier ?
Quem lida com seus negócios é você, seu irmão…Renaldo ?
A minha família inteira mexe com os negócios. Eu quero jogar futebol e pensar no futebol, porque já que estou no futebol, vou no futebol. O que eu ganho no futebol pra mim não vai acrescentar nada. O dinheiro que eu ganho no Paraná, não quero ser injusto, mas para mim não vai acrescentar nada. Tudo o que vem ajuda, mas o que eu ganho com as minhas coisas, ganho muito mais do que o futebol. Tenho táxi aéreo, hotel, imóveis, bastante coisa que dá para me sustentar.Irapitan ?
Você começou a investir nesse outro lado quando?Renaldo ?
Quando me casei pela primeira vez, casei com uma família de condição financeira muito boa e foi daí que aprendi, porque eu ganhava US$ 100 mil por mês cara, ganhava muito dinheiro. Tinha um contrato de cinco, seis anos, pô, não é possível que o cara com US$ 100 mil, fora US$ 25 mil de ajuda de custo, não se acerte. Eu tenho dois apartamentos na Espanha ainda, carro eu nem vou falar. Fora os títulos, essas coisas. O jogador fala assim “joguei na Europa”. Ganhou o quê? O cara tem que falar “joguei na Europa e ganhei”. Não é o dinheiro que conta e sim o reconhecimento. O jogador chega aqui e diz assim “joguei na Espanha”. Aí você vai lá na Espanha e ninguém te conhece. Eu chego no aeroporto e os guardas ficam doidos, fica um alvoroço. Vencedor é você ter objetivo, ganhar os objetivos, ser campeão, ser registrado na história. Eu chego no La Coruña e sou rei, chego no Atlético-MG e sou rei, no Atlético-PR posso chegar ali e os caras me respeitarem, isso não tem dinheiro que pague. Não quero estar no Paraná, vestir a camisa do Paraná e dizer “fiz 11 gols e ganhei o quê?” Eu quero entrar para história do Paraná, quero sair do Paraná e as pessoas dizerem “esse Renaldo levou o time para o quarto, quinto lugar”. Minha motivação é essa cara, não quero dinheiro, fama, entrevista em jornal, revista, o que eu quero é que o Paraná chegue entre os melhores e falarem assim “O Renaldo com trinta e tantos anos, o Paraná chegou em tanto e ficou na história”. Isso é satisfação.Cristian –
Você falou do teu casamento, do teu irmão e do teu pai. O que a família significa para você?Renaldo ?
Minha família é tudo pra mim, porque tenho 11 irmãos e eles são pobres. Acho que dei uma casa para cada um, olha só a minha satisfação. Então a minha família é tão importante pra mim porque ela me dá apoio para alcançar meus objetivos. São todos crentes, só eu que sou desviado (risos), mas a minha família é tudo, meus irmãos nem olham o meu lado financeiro e nem a minha fama. Quando jogo em São Paulo ninguém vai no campo, não por maldade, é o jeito deles. Eles acordam meia-noite para orar por mim, para me abençoar, então o que vale é isso. Não adianta você ter um monte de amigo só para as horas boas, porque no futebol enquanto você está bem todo mundo é seu amigo, até o Presidente da República te manda um papel dizendo que você é o maior artilheiro, isso não adianta. Você tem que ter aquele cara, que quando você está mal, te diz assim “você é bom”, “vai que você consegue”.Xavier ?
E o tapinha nas costas no vestiário?Renaldo ?
Eu tenho até um sinal nas costas de tanto tapinha (risos)…Xavier ?
Sabe diferenciar isso daí?Renaldo ?
Diretor, presidente, esses caras aí, pra mim é tudo igual, são só diretor na hora da vitória. Na hora que o time está mal, só bicudo e cara feia. Então pra mim dá igual, bater nas minhas costas, falar que joguei bem, como falei para vocês, eu sei quando estou bem e quando estou mal. Na hora que estou mal vou trabalhar, vou melhorar e na hora que estou bem eu tenho que me manter. No futebol brasileiro o cara sempre tem que estar bem.Fachinello ?
Você já teve problema com falsos amigos?Renaldo ?
O último amigo meu me botou na justiça pedindo R$ 500 mil de indenização. Ele esteve comigo na Espanha, ficou dois meses comigo, tem foto minha, disse que trabalhava pra mim, pedindo indenização de R$ 500 mil. Ó os amigos! Pra que eu quero um inimigo com um amigo destes? (risos)Irapitan ?
Você falou que o cara fez dez gols e já vira “herói”. Até que ponto, nós da imprensa, temos culpa?Renaldo ?
Vocês têm culpa total (risos), porque o jogador faz dez gols e a imprensa diz “já é um craque”, “é o melhor”, “tem que ir para a Seleção Brasileira”, só que eles não dão um tempo para ver se o jogador amadureceu, se tem uma regularidade. Aí o cara já se acha o máximo. Eu não me iludo se falam que sou craque. Tenho na minha cabeça o seguinte: sei o que sou, se passar três jogos sem fazer gols, a cobrança em cima de mim vai ser enorme, terrível. Então o que eu ponho na minha cabeça: tenho sempre que ser o melhor, sempre fazer gol.Irapitan ?
Da mesma forma, a imprensa derruba?Renaldo ?
Na hora, a imprensa te coloca lá em cima e depois te puxam para baixo. No futebol brasileiro ou você é “o cara” ou você “não é o cara”. O Kaká era o cara, agora a torcida tem dúvida dele, a imprensa tem dúvida dele, só que o Kaká é um cara abençoado por Deus, porque já foi pro Milan, tem um respaldo que são os US$ 10 milhões, aí todo mundo respeita. Agora se o Kaká não dar um chute no Milan vão dizer “aí, não falei”. Essa é a realidade.Borba ?
O jogador, às vezes, ganha o jogo pro treinador e não para o clube?Renaldo ?
O jogador joga pro treinador. Se o treinador for amigo, honesto, quer o bem da equipe, mas eu vou falar uma realidade: trocou o treinador e às vezes o treinador não muda no time é porque o jogador não assimilou o que o treinador quer. O treinador é importante pra caramba pro grupo, porque é igual a uma escola. A professora passa aqueles “trens” pra depois dar a prova. Se eu gostar da professora, o jeito dela ser, o que ela passa no quadro, eu vou passar na prova. Se eu não passar na prova, a professora não vale nada (risos). Então treinador é essencial ao time.Borba ?
O Paraná não jogava pro Adílson (ex-técnico do Paraná)?Renaldo ?
Não é que não jogava pro Adílson, é que tinha muito jogador que não estava assimilando o que o cara queria. O jogador fala assim “esse cara inventa demais”, coloca outro sistema, quer que o jogador seja técnico e o jogador não é técnico, já fica puto com você, acho que não assimilou. Acho o Adílson um cara 100%, é um cara profissional demais, é um cara que merece seu espaço no futebol.Xavier
? Na teoria, o jogador pode derrubar um treinador?Renaldo ?
No ato. Isso acontece no futebol brasileiro direto. Você põe a tática e o cara não assimila, então você fala uma coisa e ele faz outra.Xavier ?
A última pergunta é uma auto-definição. Pra você quem é o Renaldo?Renaldo –
O Renaldo é um cara simples, trabalhador, tem muito amor no coração, só que não demonstra assim. Sou feliz, só que não fico rindo, sou feliz por dentro. Que mais…Xavier ?
Ranzinza (risos)?Renaldo ?
Vixe, eu sou “terrível”, quer dizer, sou ranzinza mas sempre querendo bem. Posso cobrar porque passei tudo na vida. Você sabe, de pobreza, de querer vencer, de ter dificuldade, de querer fazer gol… Então, às vezes, quero cobrar isso do cara, só que ele acha que vai ser fácil.Fachinello ?
Ranzinza, mas vencedor.Renaldo ?
E vencedor. Sou vencedor pra caramba, na vida sou vencedor. No dia que eu erro gol, eu não durmo, mas eu vou trabalhar para melhorar mais.Transcrição: Rubens Chueire Jr. e Flávio Laginski.