Depois de ser recebida com entusiasmo por dirigentes dos principais clubes do País, a proposta de transformar clubes em empresas, aos poucos, vai perdendo interesse – ao menos publicamente. Quem acompanha as discussões diz que os detalhes do anteprojeto de lei que está sob relatoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) traz muita “insegurança jurídica” em questões envolvendo contrato de atletas e eventuais pedidos de recuperação judicial. Os dirigentes também estão temerosos quanto aos custos que demandaria o novo modelo de tributação.
Acostumados a decidir os rumos do futebol brasileiro, os cartolas ainda deixam transparecer inconformismo com o fato de a proposta ter partido da Câmara dos Deputados, e não dos clubes. Formada por agremiações das quatro séries do Brasileiro, a Comissão Nacional de Clubes da CBF se reuniu duas vezes na sede da entidade para discutir o assunto. Na primeira, os dirigentes saíram empolgados. Na segunda, emitiram um comunicado conjunto manifestando preocupação com diversos pontos do projeto e pedindo mais tempo para discussão. A intenção no Congresso, contudo, é de colocar o Projeto de Lei (PL) em votação ainda este semestre.
Em agosto, o Estado procurou os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro e 15 afirmaram à época apoiar o projeto de transformação das agremiações em empresas. Desde então, o cenário mudou e o Corinthians, por exemplo, já se manifestou contrário. O presidente Andrés Sanchez chegou a afirmar que havia risco de os clubes terem o mesmo destino do Figueirense – o clube catarinense adotou o modelo empresarial, se afundou em dívidas, deu W.O. na Série B e está tentando se reerguer sem a gestora.
Oficialmente, a CBF diz que apenas acompanha as discussões, já que a comissão de clubes é “o foro próprio, soberano e independente” para debater essas questões, segundo palavras do secretário-geral da confederação, Walter Feldman. Ele nega, contudo, que os clubes estejam desistindo da proposta. “Não há um sentimento de estar fora. Eu diria que (o que eles querem é) aprofundar questões, preocupações relativas a questões trabalhistas, fiscais, tributária, recuperação judicial, a situação que ficaria em relação àqueles que não migrassem”, avalia Feldman. “Não tem um clima negativo.”
O secretário-geral assegura ainda que a entidade “não está diretamente envolvida” nas discussões, apesar de os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, David Alcolumbre, ambos do DEM, já terem ido à sede da CBF para debater o assunto.
DÚVIDAS – O advogado Mattheus Montenegro, sócio do escritório Bichara Advogados, tem acompanhado as discussões de perto. Ele avalia que a proposta de transformar clubes em empresas foi perdendo o entusiasmo a partir do momento em que os dirigentes tomaram conhecimento do projeto em detalhes – e não apenas pela ótica do potencial de investimento.
Ele cita o temor dos clubes no que diz respeito a questões trabalhistas. Pela proposta original, atletas com vencimentos acima de R$ 11,6 mil poderiam fazer contratos de trabalho específicos, que seriam discutidos na esfera cível, e não na trabalhista. “O problema aqui, como se diz na linguagem popular, é combinar com os russos. No caso, os juízes trabalhistas. Não adianta você fazer um acordo com um jogador e ficar todo mundo feliz, mas, na hora da rescisão, por algum motivo o jogador entrar na justiça do Trabalho e o juiz reconhecer que havia de fato um vínculo empregatício. Isso aumentaria o passivo trabalhista”, exemplifica.
Questões tributárias também geram incertezas. “A ideia que se tem hoje é de que os clubes pagariam 5% sobre a receita, incluindo imposto de renda, CSLL, PIS e Cofins”, comenta Montenegro. “Além disso, haveria mais 5% da contribuição previdenciária. Mas aqui seriam tributadas todas as receitas, incluindo a venda de direitos econômicos de jogadores”, alerta. Nesse caso, mesmo que um jogador tenha perdido valor de mercado, o clube teria ainda que descontar 5% em cima de uma eventual venda – aumentando ainda mais o prejuízo na transação.
LEGITIMIDADE – Na semana passada, após a segunda rodada de reuniões da sede da CBF, dirigentes que formam a Comissão Nacional de Clubes da entidade divulgaram uma carta em que avaliam que, “por ora, a iniciativa não está madura a ponto de ser colocada em votação imediata”. Na ocasião, o presidente do Vasco, Alexandre Campello, afirmou que as agremiações não estão inclinadas a aderir ao projeto. O dirigente foi além e chegou a questionar a “legitimidade” do projeto. “Essa não é uma demanda que surgiu do futebol, não começou uma discussão através dos clubes. Essa discussão foi trazida de fora pra dentro, então acho que falta até legitimidade pra isso”, declarou.
Relator do anteprojeto, Pedro Paulo rebateu a declaração. “Legitimidade quem tem é o Parlamento. O Vasco tem legitimidade para escolher seu presidente, (mas) para propor legislação quem tem legitimidade é quem tem voto”, disse ao Estado. “A gente pode ouvir, pegar sugestão, mas na hora de decidir quem decide é a política, não um ou outro cartola.”
O parlamentar lembrou que a nova lei que está sendo proposta não afeta exclusivamente os clubes. “Tem de escutar atletas, sindicatos, federações, CBF, o torcedor, especialistas no tema na área jurídica e econômica”, sustentou. “Nunca achei que esse projeto seria pra todo mundo vir (e aceitar).”
Pedro Paulo também disse estranhar comentários que questionam a celeridade para pôr em prática a proposta. “Eu nunca ouvi alguém falar isso pra político. O que eu mais vejo é gente falar que político é lento, que o Estado não ajuda, que a burocracia atrapalha.”