Manter a bola rolando no gramado ruim e de grandes marcas de chão batido é uma constante para o São Cristóvão. O clube que leva o nome do tradicional bairro carioca e que lançou para o mundo jogadores como Leônidas da Silva e Ronaldo Fenômeno completará 120 anos no dia 12 de outubro em meio a dívidas e com dificuldades em se manter ativo no futebol profissional.
O clube não revela o tamanho de sua atual dívida. Estima-se que arrecade R$ 35 mil por mês e gaste R$ 70 mil. A má condição do gramado contrasta com os bancos de boa aparência das arquibancadas, mas ao mesmo tempo combina com o tom de futebol raiz visto no placar – pintado na parede ao fundo do campo e que depende de alguém para substituir seus números a cada gol, como era em décadas passadas.
O marcador fica a poucos metros de onde está ostentado o nome da casa do São Cristóvão. “Estádio Ronaldo Nazário” é uma homenagem àquele que foi seu mais ilustre filho. Acima do nome do atacante, também em letras garrafais, a frase “Aqui nasceu o Fenômeno” não deixa dúvidas sobre quem é o grande orgulho da agremiação no Rio de Janeiro.
“Um deles”, apressa-se em dizer Renato Campos, que tem 57 anos de idade e 43 de dedicação ao clube. “O São Cristóvão é um celeiro de craques. Por aqui passaram grandes nomes, inclusive da Copa de 1938. O treinador saiu daqui, Ademar Pimenta, mais três jogadores (Leônidas, Afonsinho e Roberto). Teve também o Lazaroni, o técnico Parreira, Américo Faria, Djalminha, Válber, Catanha…”
O gerente, contudo, não esconde que o grande orgulho do clube é mesmo Ronaldo. Foi o mais antigo funcionário do São Cristóvão quem teve a ideia de escrever que lá deu seus primeiros chutes o jogador que seria conhecido como Fenômeno. A ideia de pintar a frase tinha por objetivo chamar a atenção dos que passassem pelas vias próximas. Para isso, ele se precaveu.
“Eu não podia colocar que era o Ronaldo, eu não tinha essa autorização dele. Então, coloquei ‘Fenômeno’. Se houvesse uma reclamação, diria que o Fenômeno era eu, que nasci aqui, trabalho aqui desde sempre. Que tem de ser um fenômeno para tocar isso aqui”, conta Campos.
Hoje, no entanto, nem a homenagem tem sido suficiente para atrair patrocinadores. A sede do time de futebol – há outra náutica, na Ilha do Governador – é pouco frequentada. Para piorar, o estádio não tem autorização do Corpo de Bombeiros para receber jogos e serve basicamente para treinos. A equipe principal, que este ano disputou a terceira divisão carioca e por pouco não acabou na quarta, manda seus jogos na Rua Bariri, sede do Olaria, zona norte.
O time de juniores, por sua vez, nem mesmo é formado por atletas do clube. O elenco que disputou a “Terceirona” foi composto por atletas da Soccer Fute, empresa especializada na formação e venda de jogadores.
“O São Cristóvão não tinha condições de bancar a categoria”, diz Felipe Lestayo, proprietário da empresa. “Para nós, isso foi bom. A gente representa um clube centenário e tem um local de treino.” O acordo prevê que as despesas fiquem a cargo da Soccer Fute. Caso algum atleta seja negociado, o clube recebe um porcentual.
Apesar de contar com uma equipe “emprestada”, o São Cristóvão mantém sua escolinha. São 120 alunos que treinam no campo de gramado ruim e chão batido. Renato Campos, o funcionário mais antigo, é um dos professores. “A escolinha se chama Fenômeno na bola e 10 na escola. Os meninos vêm aqui para ser o segundo Ronaldo”, diz. “Temos dificuldades? Temos. Mas temos uma camisa forte, um celeiro do futebol.”