O técnico português Jesualdo Ferreira desembarcou nesta terça-feira no Brasil para assumir o comando do Santos cercado de expectativa e carregado também de uma responsabilidade. Aos 74 anos, ele terá a missão de tentar igualar o sucesso do compatriota Jorge Jesus no Flamengo e conseguir representar o país que mais revela técnicos no mundo. Em 2019, treinadores portugueses conquistaram títulos nacionais em outros 11 países, mas em nenhuma das principais ligas europeias.
O sucesso de Jorge Jesus, o renome de José Mourinho, do Tottenham, e as buscas de Santos, Avaí (Augusto Inácio) e Red Bull Bragantino (Carlos Carvalhal) por portugueses têm uma explicação em comum. O país europeu se especializou em formar treinadores principalmente por criar há mais de 30 anos um curso de formação na área.
Portugal tem hoje em dia dois técnicos na elite inglesa e cinco treinadores que participaram da fase de grupos da atual Liga dos Campeões. Atualmente cerca de 2 mil profissionais têm as licenças obtidas em Portugal em algum dos quatro diferentes níveis, do básico ao de elite.
Para o presidente da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol do país (ANTF), José Pereira, o curso local tem como legado mostrar aos alunos a importância de dar treinos que consigam misturar a parte tática, técnica, física e psicológica.
Em um mesmo trabalho, o jogador deve aprimorar esses fundamentos de forma integrada. “O técnico deve trabalhar em bloco, com um agregado de vertentes. A vantagem dos portugueses é a profissionalização da ideia de jogo. O técnico não se limita a copiar os exercícios dos outros, mas cria os próprios métodos”, afirmou ao Estado.
O estudo não é garantia de sucesso ou de currículo. Recentemente nomes como Paulo Bento e Sérgio Vieira fracassaram no Brasil. Nesta temporada, o português Marco Silva foi demitido no Everton. Mesmo os recém-contratados Jesualdo Ferreira e Augusto Inácio conquistaram poucos títulos de expressão nos últimos anos.
O futebol português começou a se transformar em um celeiro de treinadores em 1975. Na época foi criada em Lisboa a primeira especialização em futebol voltada para graduados em Educação Física. O curso atraiu tantos interessados que depois foi estabelecido um novo parâmetro para frear o excesso de treinadores certificados.
Nos últimos 30 anos, o curso organizado pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e pela ANTF obteve sucesso a ponto de parte do currículo ser utilizado como referência pela Uefa para aplicação em outros países. Enquanto no Brasil o treinador interessado na licença da CBF precisa participar de cursos no Rio de Janeiro, em Portugal é possível se matricular a alguma das 11 unidades espalhadas pelo país.
O caminho rumo ao diploma principal é longo. Treinadores como Jesus, Mourinho e Jesualdo possuem a licença mais alta, do quarto grau. O iniciante deve primeiro pagar cerca de R$ 4 mil para realizar o curso de grau 1 e só poderá se inscrever no nível seguinte se cumprir um ano de aulas, seguido de outros períodos comprovados de observação e de experiência prática em clubes. Só pode dirigir na elite portuguesa quem tiver os certificados mais altos.
Antigo aluno dessa escola, o treinador português Paulo Duarte trabalhou no União de Leiria como assistente de Jorge Jesus e foi comandado por José Mourinho. Duarte afirma que os profissionais do país têm como diferencial o estudo constante e a vontade de aprender novos idiomas.
“Os técnicos brasileiros também têm capacidade. Mas sinto que o Brasil adormeceu um pouco pelo sucesso. Os treinadores portugueses tiveram o êxito de acompanhar a evolução do futebol e ver continuamente quais são os novos métodos de trabalho”, disse Duarte, atual treinador da seleção de Burkina Faso.
BRASILEIRO TÉCNICO EM PORTUGAL – Se o Brasil vive uma grande invasão portuguesa de técnicos, a recíproca não é verdadeira. O carioca Armando Santos é o único representante do País na atual temporada do futebol em Portugal.
O treinador do Mirandela, da terceira divisão nacional, quer realizar o terceiro grau do curso, que permite ao profissional dirigir na segunda divisão local. “Em Portugal se preza a tática e o profissionalismo. No Brasil, boa parte dos técnicos são ‘boleiros’ e se valoriza mais a parte individual. Aqui você precisa estudar e ter formação, ou não vai ter espaço”, comparou.
Ex-goleiro, Santos está em Portugal há 14 anos e explica que um dos aspectos mais interessantes do curso é a ênfase na psicologia. “O treinador tem de cativar o desejo dos jogadores. A tática não vai funcionar se o time não mantiver o equilíbrio emocional”, contou.