Elas chamam a atenção. Usam bandeiras, faixas, têm coreografias e gritos de guerra característicos. Dominam parte da arquibancada e são alvo de flashes e câmeras. Tudo isso nasceu com as torcidas organizadas para incentivar o time e ajudar a ganhar jogos.
Mas a festa, nos últimos tempos, tem sido substituída por pancadarias, agressões e ameaças, colocando em dúvida o real papel das torcidas organizadas dentro dos estádios.
Em Curitiba, a discussão ganhou maiores proporções depois do jogo válido pela última rodada do Campeonato Brasileiro, entre Coritiba e Fluminense, que resultou no rebaixamento do time paranaense para a segunda divisão da competição.
Os recorrentes confrontos entre as organizadas, inclusive do mesmo time (como aconteceu entre as torcidas Fanáticos e Ultras, do Atlético, pela banalidade da escolha do local para colocar a faixa das torcidas, nos anos 2000), ou entre comandos (grupos de torcedores divididos em regiões da cidade) despertaram a calorosa discussão sobre o possível fim dessas organizações.
Se for efetivada, a medida pode afetar até oito das torcidas organizadas de Curitiba, do total de 22 organizadas no Paraná cadastradas no site Portal das Torcidas Organizadas (www.organizadasbrasil.com).
Posso expulsar o cara da torcida, mas ele vai continuar indo ao estádio. Há sensação de impunidade.” Luiz Fernando Corrêa, presidente da Império Alviverde, do Coritiba, cobrando atuação policial. |
Mas, o que garante que cancelar o registro em cartório e fechar a sede da torcida vai proibir as pessoas que praticam atos criminosos de continuar fazendo arruaça em dias de jogo?
Esse é um dos principais questionamentos dos presidentes das torcidas organizadas, que defendem que é preciso separar o “joio do trigo” na responsabilização pelos atos criminosos, já que muitas vezes a violência transcende o futebol, entre pessoas que têm o desejo de simplesmente brigar.
Para os presidentes das organizadas da capital, o que falta é punição imediata para quem causa problemas nos campos de futebol. “A hora que tirar 50 pessoas de circulação em dia de jogo vai haver uma grande diferença”, afirma o presidente da torcida Fanáticos, do Atlético-PR, Júlio Sobota, o Julião da Caveira.
E aí entra a ação policial, cobrada também pelo presidente da torcida organizada Império Alviverde, do Coritiba, Luiz Fernando Corrêa, o Papagaio. “Nós não temos poder de polícia. Posso expulsar o cara da torcida, mas ele vai continuar indo ao estádio. Há sensação de impunidade para esses vândalos”, disse Papagaio esta semana, durante reunião com o Ministério Público do Estado (MPE).
A hora que tirar cinquenta pessoas de circulação em dia de jogo vai haver uma grande diferença.” Júlio Sobota, presidente da Fanáticos, do Atlético, referindo-se aos que causam problemas |
A instituição, inclusive, também é cuidadosa na hora de opinar sobre o assunto, sem ver necessidade, em um primeiro momento, de acabar com as organizadas. “O espaço das torcidas pode ser um espaço de interlocução. Não podemos tomar medidas no calor dos fatos nem deixar que as torcidas sejam bodes expiatórios”, afirma o procurador-geral de Justiça, Olympio de Sá Sotto Maior Neto.
O advogad,o e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP Antonio Gonçalves é categórico: a lei que deveria punir é conivente, na maioria dos casos, uma vez que o Brasil importa leis que deram certo, mas não o procedimento.
“Não basta criar legislação proibindo e controlando torcida organizada. O que falta no Brasil é a prática, o procedimento. De que adianta criar uma lei para ter o cadastro de todos os componentes das organizadas e não sofrer nenhuma sanção quando acontece briga generalizada, como no Couto Pereira?”, questiona.
Já os presidentes dos três clubes da capital e da Federação Paranaense de Futebol não opinaram.
Procurador questiona eficácia de extinção generalizada
A única experiência brasileira de extinção de torcidas organizadas aconteceu em São Paulo, em 1995, por causa de uma pancadaria ocorrida após o jogo entre São Paulo e Palmeiras, pela Supercopa São Paulo de Juniores.
Armadas de paus e pedras, as duas torcidas promoveram a confusão no gramado e deixaram um morto e 101 feridos. No entanto, nem o procurador de Justiça Fernando Capez, que na época conseguiu extinguir a Mancha Verde, do Palmeiras, e a Independente, do São Paulo, concorda com o fim generalizado das torcidas organizadas, como se cogita fazer aqui no Paraná.
“É importante que a medida não seja tomada em cima da emoção ou para atender uma pressão momentânea”, opina Capez. Para o procurador, trata-se de medida para ser tomada quando as torcidas atingirem um ponto que fuja ao controle, assumindo caráter de associações criminosas. “Naquele episódio, em São Paulo, tivemos a caracterização de verdadeiras gangues organizadas. Encontramos armas estocadas nas sedes, os dirigentes recrutavam pessoas portadoras de antecedentes criminais para enfrentar a polícia, preparavam emboscadas para brigar”, lembra.
Foram mais de 200 páginas de relatos e 12 volumes de documentação para comprovar o pedido de extinção. Paralelamente a isso, a Federação Paulista de Futebol (FPF) baixou norma proibindo a entrada em estádio com camisa de torcida organizada, o que, para Capez, produziu resultados imediatos para a redução da violência.
Diferente de propor simplesmente acabar com as organizadas, Capez defende que é mais fácil cumprir o Estatuto do Torcedor, que determina que todos os lugares dos estádios sejam numerados. “É uma medida imediata e mais eficaz, que não permite agrupamentos, se dividirmos esses lugares em pequenas áreas para fiscalização”, acredita. (LC)
O crime que se esconde por trás da instituição
Os Fanáticos (esq.), do Atlético, e Fúria Independente, do Paraná Clube: 6 em 10 brasileiros voltariam aos estádios se não houvesse organizadas. |
Para punir os criminosos que agem dentro dos estádios, acabar com as torcidas. Logo após o incidente no jogo entre Coritiba e Fluminense, o secretário estadual da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, foi o primeiro a defender o fim das atuais torcidas organizadas, espaço para “promover a desordem e agir de maneira ilícita”, nas palavras do próprio secretário.
Para isso, Delazari propõe a reorganização da estrutura jurídica das organizadas em relação à forma como são constituídas hoje. “Nós queremos extinguir as torcidas da maneira como elas existem porque está mais do que comprovado que bandidos usam estas instituições para cometer crimes.
O que queremos aqui é o fim destas torcidas e a reorganização da estrutura jurídica para que possam ser criadas instituições que privilegiem o verdadeiro torcedor e acabem com a presença de bandidos nestes locais”, diz.
Da mesma forma, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) quer a extinção dos comandos de torcidas. “A Sesp vê estes comandos como parte das torcidas organizadas, criminosos que agem apenas no intuito de pr,omover a desordem dentro e fora dos estádios e que, portanto, não podem existir”, reforça o secretário.
Junto com a medida, a identificação de quem causa arruaça e quebra-quebra é considerada fundamental para diminuir as confusões. “Neste ano, a Polícia Militar (PM) passou a cumprir o artigo 39 do Estatuto do Torcedor, identificando os torcedores que promovem badernas no estádio. Identificados, a PM comunica ao Ministério Público, que analisa o fato e encaminha ao Judiciário, solicitando a punição que o caso requer”, explica Delazari.
Acatado o pedido, os torcedores são encaminhados para o cumprimento das respectivas penas nas unidades da PM determinadas pela Justiça. “Isso já aconteceu com sete torcedores que foram obrigados a passar o período dos jogos dentro das unidades da PM. Por enquanto, esta medida só acontece para badernas e algazarras que não configuram crimes ou contravenções, de acordo com o Código Penal”, completa.
Cadastramento de torcedores, câmeras nos estádios, reforço na estrutura da segurança privada, proibição de camisas e subsídios de torcidas organizadas também são defendidos pela Sesp.
Punir e remodelar o futebol
Nenhuma novidade foi apresentada até agora entre as medidas propostas pelos órgãos competentes para tentar diminuir o problema da violência nos estádios, na análise do coordenador do MBA da Indústria do futebol da Universidade Positivo e pesquisador do grupo de indústria do futebol da Universidade de Liverpool, Oliver Seitz.
Mais que a extinguir torcidas ou cadastrar torcedores, um trabalho policial de inteligência preventiva, em parceria com os clubes, é sugerido por Seitz. “A ideia da identificação e o anúncio das prisões parece interessante. Resta esperar que essa rapidez se torne um padrão de comportamento”, ressalta. A hora de resolver a questão, para ele, é agora.
“Aqui, o problema ainda não é tão grave como no futebol argentino ou no italiano, ou ainda como já foi no inglês. Em 1970, a torcida do Boca Juniors já era muito pior que as organizadas do Brasil de hoje”, lembra.
A Inglaterra foi um dos países que mais sofreu com grupos de torcedores violentos, principalmente nos anos 1980s, com os hooligans. Para mudar isso, após a final da Copa dos Campeões da Europa entre Juventus e Liverpool que resultou em 38 mortos e 454 feridos, houve um longo processo de investigação que resultou em um planejamento completo de melhorias.
Em outro episódio, em 1989, 96 torcedores do Liverpool morreram em Sheffield, esmagados nas grades do estádio. A remodelagem do futebol inglês incluiu mudança na estrutura dos estádios, fim das “gerais”, aumento dos ingressos e proibição de alcoólicos. (LC)
Quem diz “não” às organizadas
Curitiba é a terceira cidade brasileira que mais pede a extinção das torcidas organizadas, atrás de Santos e Florianópolis. Pelo menos 92% dos curitibanos acreditam que são as torcidas as maiores responsáveis pela violência nos estádios de futebol, aponta pesquisa feita pela TNS Sport Brasil, empresa especializada em pesquisas esportivas, realizada no fim de novembro nos 27 estados e no Distrito Federal.
Sem as organizadas, seis em cada dez brasileiros que não vão aos estádios voltariam a frequentar as arquibancadas. “É um número bastante expressivo. Podemos afirmar tranquilamente que as torcidas organizadas afastam um bom número de torcedores dos estádios e que os clubes estão perdendo receita significativa com a conivência com os uniformizados”, afirmou um dos sócios-diretores da TNS Sport Brasil, César Gualdani.
Para 86,02% dos torcedores brasileiros, a principal responsabilidade pela violência dentro de campo é das torcidas organizadas. Em seguida aparece a segurança pública (7,10%), além dos dirigentes dos clubes (1,7%), álcool e drogas (1,5%) e jogadores (1,44%). (LC)
Para amenizar o problema
O fim das torcidas organizadas foi uma das ideias discutidas nas últimas semanas para reduzir a violência em estádios. Outros pontos, levantados por especialistas, governo e pelas torcidas, que poderiam diminuir o problema, seguem abaixo:
* Punição rápida aos envolvidos em ,atos de vandalismo.
* Aumentar a aplicação da medida que cerceia o direito de ir e vir dos envolvidos em dias de jogos, com apresentação obrigatória em local determinado.
* Instalar plantões dos Juizados Especiais Criminais em dias de jogos mais relevantes.
* Aumentar a área de restrição de venda de bebidas alcoólicas nos arredores dos estádios.
* Cadastro com identificação dos torcedores, a ser feito durante a compra do ingresso. Projeto já aprovado, segue para sanção do prefeito Beto Richa e deve entrar em vigor em 2010.
* Reforço na estrutura da segurança privada.
* Conforme prevê o Estatuto do Torcedor, numerar todos os lugares dos estádios e fiscalizar para que todos sentem no lugar indicado, o que evita aglomerações.
Instalação de câmeras nos estádios, segundo o que já estipula o Estatuto do Torcedor.