Não deu

O que era pra ser festa das mulheres terminou em lágrimas

Marta lamenta a eliminação da final. Ainda dá pra pegar o bronze como um presente para a torcida. Foto: Albari Rosa

Rio de Janeiro – Você, caro leitor, pode não ter vivido o Maracanazzo, mas ontem passou pelo Maracanansson. Nos pênaltis, da forma mais triste possível, a seleção feminina foi eliminada pela Suécia e não disputa a medalha de ouro no futebol da Olimpíada. Num dia único do esporte brasileiro, as lágrimas foram de novo as nossas companheiras.

Parecia que era um daqueles filmes antigos, dos anos 1970. Mas em vez dos trens da Central, eram os renovados metrôs. Em vez das ruas apinhadas, com carros e torcedores dividindo espaço, era uma passarela. Em vez dos rádios de pilha grudados no ouvido (fone de ouvido? Muito moderno), eram os celulares prontos para as selfies de todos os ângulos e em todos os cantos. Em vez do ‘maior do mundo‘, o remodelado Maracanã. E em vez dos geraldinos e arquibaldos, as mulheres.

Terça-feira, 16 de agosto de 2016, foi o dia em que as mulheres tomaram posse do maior símbolo do esporte brasileiro. O imponente Maraca tinha um público diferente. Não só porque precisava pagar ingressos entre 50 (os espertos que comparam por antecipação) e 280 (a turma da última hora) para assistir à semifinal. Mas porque pela primeira vez em 66 anos as mulheres eram maioria em campo e nas cadeiras.

Elas vieram sozinhas. Grupos de adolescentes, turmas de amigas, mães com suas filhas, avós sendo guiadas pelas netas. Casais (por que não?). Negras, brancas, mestiças. Ricas e pobres. Da zona norte, do subúrbio. Ou da tradicional zona sul. E mesmo da nova-rica Barra da Tijuca. Elas assumiram o último reduto que faltava, o espaço mais sagrado dos mais sagrado dos patrimônios masculinos.

Não que não estivéssemos no Maracanã. Mas éramos coadjuvantes desde o metrô até o gramado. Éramos os acompanhantes. Com esposas e namoradas, com mães ou avós, ou os que foram sozinhos e tinham apenas olhos para aquelas moças de amarelo. E como havia mulheres de amarelo. Mas as do campo eram as estrelas da tarde de calor no Rio – ou de uma sauna a céu aberto para curitibanos desacostumados aos 32 graus.

As meninas da seleção brasileira também estavam desacostumadas. Com o calor, com o Maraca, com o mar de gente que aos poucos ia enchendo o estádio. O palco de Garrincha, Didi, Pelé, Zico e Romário era de Marta, Bárbara, Andressa e Formiga. Quem dera que o espetáculo fosse costumeiro, mas todos (elas e nós) sabíamos que a posse daquela terra era temporária. Como disse o técnico Oswaldo Alvarez, não será uma medalha – nem a de ouro – que fará do futebol feminino um esporte valorizado no País.

Mas, se não podemos contar com a triste gestão do esporte, poderíamos pelo menos abraçar as meninas nesse momento. Foi com esse espírito que a torcida começou a gritar desde o apito inicial. A turma do ‘ódio ao futebol moderno‘ poderia chamar de uma torcida de vôlei, mas era a melhor forma de incentivo à seleção – mereceriam elas uma galera que com pouco tempo de jogo poderia estar cobrando demais em vez de empurrando o time?

Jogo tenso

Até porque seria uma partida tensa, emocional, em vários momentos desesperadora. Ao mesmo tempo em que o Brasil tinha o domínio amplo do jogo e tinha um chute atrás do outro, o contra-ataque da Suécia fazia todo mundo sofrer. Das cadeiras, era comovente ver a dedicação de Formiga, a mulher que não cansa. E a angústia no rosto de Marta, a craque triste. Cada chute era um eletrocardiograma compacto em todos, inclusive em Vadão.

Na prorrogação, somou-se a tudo o cansaço, que impedia as jogadores de botar força num chute. Não se sabe de onde aparecia uma sueca na cara de Bárbara, e a agonia se completava. Cristiane estava em campo, mas sem a explosão de sempre. A árbitra errava marcações. A gente pode xingar? A voz do futebol exigia que sim. O tempo passava.

Pênaltis. Era o que a Suécia queria. O tal jogo covarde que Hope Solo falou nas quartas de final, jogando com dez atrás da linha da bola. Era preciso correr muito, e o Brasil se desgastou. Marta terminou acabada, Formiga sentia a coxa esquerda, Debinha usava as últimas forças. Não é possível ter ideia de quantas chances a seleção teve em 120 minutos. O que se sabe é que não marcou.

E ainda perdeu dois pênaltis na decisão, com Andressinha e Cristiane. Não é pra gente. Mais uma derrota decisiva no Maraca. Jogadoras como Marta e Cristiane devem encerrar a carreira na seleção com a marca de não vencerem. Como Zico e Sócrates. Que não deixaram de ser craques, mas que não conseguiram a maior glória de suas carreiras. A medalha delas (além do possível bronze) foi trazer mais de setenta mil pessoas ao Maracanã, numa tarde em que o Brasil foi realmente a pátria de chuteiras. Assim mesmo, no feminino.

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