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Luiz Augusto Xavier ? Presidente, está com saudades daquele tempo? Do dia-a-dia do futebol?

Evangelino Neves – Confesso que realmente sinto saudades da minha época de presidente, de colaborador do Coritiba. Infelizmente tive que ficar afastado. Não por vontade própria, mas por vontade dos dirigentes que me substituíram, que não querem realmente a minha presença. Não sei por quê. Sempre trabalhei para fazer o melhor no Coritiba e depois que saí não tive a oportunidade para voltar. Me sinto marginalizado no Coritiba.

Xavier ? Se dependesse do senhor, ainda estaria servindo o clube?

Evangelino ? Estaria. Haja visto que quando o Sérgio Prosdócimo assumiu a presidência do clube e vendo a situação horrível que estava o departamento de futebol do Coritiba, os desmandos que eu tinha conhecimento, pedi para poder ajudá-lo, colaborar dentro do Coritiba. Mas lamentavelmente, aquele orgulho que eu deveria ter, deixei de lado e fui ao Sérgio me oferecer. Ele se recusou. Fui rejeitado e o Sérgio me disse que como já havia sido presidente do clube, não poderia reconduzido a um cargo dentro do departamento de futebol. Lamentavelmente fui afastado e continuo afastado do Coritiba até hoje. Quem sabe em uma oportunidade futura eu tenha uma condição de voltar a trabalhar? Conceito de trabalho eu tenho, conhecimento de futebol não os perdi. Continuo atualizado com os assuntos de futebol, porque acompanho as crônicas e as revistas especializadas. Eu me considero ainda útil ao futebol, mas existe sem dúvida nenhuma uma hostilidade por parte dos atuais dirigentes e pelos que me substituíram em aproveitar o meu trabalho e o meu conhecimento.

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Gisele Rech ? Em que ano foi a sua saída e qual a causa dessa decisão?

Evangelino ? Em 1994 eu estava bastante adoentado e tive que me submeter a uma cirurgia, na qual fiz um implante de uma válvula no cérebro. Então ocorreu o meu afastamento da diretoria do Coritiba por dois, três meses. Aliás, uma grande parte do conselho estava realmente preocupada se a minha saúde ainda permitiria voltar a ser o presidente do clube. Nesse ínterim aconteceu um descuido na parte financeira do clube e quando reassumi encontrei dificuldades financeiras para tocar o clube. Aí estava programada uma promoção de uma firma de São Paulo, onde receberia uma participação disso de aproximadamente de 200 ou 300 mil reais. Mas precisava evidentemente da aprovação dessa promoção. Nos bastidores, houve um trabalho contrário a essa aprovação e meu amigo Gilberto Tim, quando soube que iria receber o dinheiro se participasse da promoção, me pressionou para que eu desse aos jogadores que estavam em atraso com os seus salários cheques pré-datados para treze de junho, data que iria receber todo aquele dinheiro..

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Xavier ? Gilberto Tim, que naquela época trabalhava no Coritiba?

Evangelino ? Sim, ele era o preparador físico do time e o técnico era o Ênio. Um pouco pressionado pelo Gilberto, eu concordei em dar os cheques aos jogadores. E nesse período da emissão dos cheques, para o vencimento em treze de junho, eu tomei conhecimento que a promoção não seria aprovada. E então criou-se um problema enorme para mim, não tinha condições de cobrir esses cheques e tinha jogadores que evidentemente estavam interessados e outros que tumultuaram a vida do departamento de futebol. Fiz todo o esforço para que todos fossem remunerados. Inclusive me dispus a hipotecar a minha casa e o Mílton Vendramini, que era o tesoureiro, também se dispunha a hipotecar sua casa na praia para conseguirmos o dinheiro. E aí o único recurso que tinha era recorrer às pessoas com poder financeiro que desse para emprestar o dinheiro e cobrir esses cheques. Então fui ao Sérgio Prosdócimo, ao Malucelli e ao Mauad, fiz um apelo e eles disseram que realmente poderiam dispor dessa importância, desde que eu saísse do clube. Pelo amor que tinha ao Coritiba, pela consideração que devia aos jogadores, acabei concordando e então o trio assumiu a direção do clube. A única tristeza que tenho com tudo isso, é que minha falecida mulher, Valquíria, que sempre foi a minha companheira, me ajudou nas crises que um presidente de clube enfrenta, ela realmente sentiu que eu saísse do Coritiba nesta situação, e faleceu com mágoas do nosso clube. Foi a minha única tristeza de sair do Coritiba.

Cristian Toledo ? Como o senhor chegou ao Coritiba?

 

Evangelino ? O Coritiba atravessava uma fase muito difícil no ano de 1966, só faltava colocar nas manchetes dos jornais da cidade: "Procura-se um presidente no Coritiba!". E fui convidado na Boca Maldita para ser o presidente do clube em 66. Nunca tinha pensado nisso e recusei o convite, dizendo que o Coritiba precisava de um presidente experiente, que tivesse conhecimento do clube e eu não tinha. Aí nesse convite feito na Boca Maldita, pelo falecido Pizzato, pelo Nivaldo da Cunha e por tantos outros da velha guarda do Coritiba, e naquele momento passava o Dr. Lincoln Hey falei que ele seria uma boa pessoa para ser presidente do Coritiba. E naquele momento, então chamaram o Lincoln e aceitou de imediato o convite. Em 67 passei a fazer parte da diretoria do Lincoln. Até que no final deste ano, o Lincoln se afastou do Coritiba e eu assumi então a presidência, cumprindo um mandato tampão. Em 68, houve a eleição e acabei ganhando para o biênio 68-69.

Xavier ? E já começou a ser campeão?

Evangelino ? Nós fomos campeões em 68 e 69. Primeira em cima do Atlético, em uma partida memorável, com um time inferior ao adversário, mas mesmo assim conseguimos a vitória. Em 69, novamente ganhamos. Em 70 não vencemos o campeonato, houve uma nova eleição e fui reeleito para mais dois anos. Nesta época entrou como presidente do conselho deliberativo do Coritiba o Jaime Canet, que futuramente seria o governador do Estado. E aí, em 71, começamos a campanha do tricampeonato e chegamos ao hexa. E, falando nisso, soube de uma declaração do atual presidente do clube, dizendo que se naquela época ele fosse presidente, iria muito mais além do hexacampeonato. Discordo plenamente dessa declaração do presidente Giovane, porque as dificuldades para se conseguir um campeonato eram maiores do que atualmente acontece. Viajávamos para Guarapuava, preparados para uma guerra e não para um jogo de futebol. Ir para Bandeirantes, enfrentar o Serafim Meneghel não era fácil. Enfim, encarar o Londrina, o Grêmio Maringá não era brincadeira. O futebol era muito diferente. Não acredito que o presidente Giovane teria fôlego para conseguir mais de seis campeonatos. Agora, ele ganhou a competição desse ano, mas foi um campeonato tecnicamente sofrível.

Cristian ? Como foi a formação do time hexacampeão?

XavierE uma das melhores comissões técnicas do futebol brasileiro da época.

 

Evangelino ? Quando chegávamos nas cidades de todo o País, a cobertura jornalística nessas cidades se dirigia não aos jogadores, mas à comissão técnica. Era o Almir de Almeida, o Tim, o João Carlos de Castro. Então realmente era uma comissão de respeitabilidade. Era um cartão de visita quando nós chegamos nas cidades, além de um plantel maravilhoso, que hoje, se o Coritiba tivesse os jogadores que tínhamos naquela época, representaria quase que um selecionado brasileiro

Xavier ? E como você trazia esses jogadores?

Evangelino ? Com muito sacrifício. Uma que nós não tínhamos dinheiro. Nunca tive dinheiro para trabalhar no Coritiba, sempre trabalhei com dificuldade. Trabalhei com os empréstimos, de uma maneira que tudo era difícil. Tinha muitos amigos em Santos, eu sou santista. Tinha o amigo falecido Athiê Jorge Kuri, presidente por muitos anos, o vice-presidente do Santos, o Bittencourt. E eles sempre me protegiam nas negociações, assim trouxe esses jogadores por atacado. Chegava com o ônibus praticamente cheio, todos bons jogadores. Mas sempre tive um bom relacionamento com todos os clubes do futebol brasileiro. No Internacional, por exemplo, tinha um amigo diretor de futebol, o Romanovski, e ele me prometeu, em uma das viagens que fizemos para Fortaleza para contratar um zagueiro. Ele contratou antes de mim porque tinha chegado de táxi antes da minha chegada no hotel. Mas o Romanovski ficou sensibilizado e me prometeu que emprestaria um jogador de grande nível técnico. Mas, infelizmente não conseguiu um grande jogador, que no caso seria o Falcão, no começo de sua carreira, lá em Porto Alegre. Mas esse meu amigo me cedeu o Bráulio. Tive que sair escondido de Porto Alegre, porque os torcedores do Internacional queriam me surrar, tal amor que eles tinha pelo jogador. No São Paulo, com o presidente Henri Aidar, passei o Atlético para trás na contratação do Zé Roberto e o Henri não queria realmente me emprestar o jogador, porque sabia das minhas dificuldades em pagar. Esse era o meu maior problema. Mas o Vicente Feola , que era meu amigo, conseguiu falar com o Henri e acabamos contratando o jogador. Posteriormente, voltei ao São Paulo, entrei na sala do presidente e pedi um empréstimo do Pedro Rocha. O homem se assustou, mas novamente pela influência do Vicente Feola eu trouxe o jogador. As contratações feitas por mim foram na base da amizade, porque dinheiro eu nunca tive.

Gisele ? O senhor acha que apesar de hoje em dia, com a internet, com os vídeos, com mais informação, por causa das ações dos empresários é mais complicado contratar um jogador?

 

Evangelino ? Eu acompanho muito essas particularidades dos empresários. Acho que depende muito do dirigente, dele aceitar ou não. Na minha época já existia o Juan Figer e nunca aceitei interferência nos meus negócios. Aliás, os empresários não me viam com bons olhos. Acho que a influência dos empresários depende muito da atuação do presidente e da diretoria dos clubes.

Xavier ? Mas graças a um bom relacionamento com alguns bons empresários, o Coritiba conseguiu três belíssimas excursões para o exterior, com o Durancier e o Elias Zacour.

Evangelino ? Mas era um nível de empresários diferente. A preocupação deles era levar uma agremiação ao exterior. Hoje os empresários não têm esse pensamento. O único trabalho do Durancier e do Elias era promover os clubes no exterior, para levá-los em excursão. Hoje os empresários querem ganhar em cima da venda dos passes dos jogadores e muitas vezes em parceira com o próprio diretor de um clube. É diferente. O Durancier nos levou em 68, em 70 nos levou o Elias Zacour, em 72 foi um argentino, em 73 e 74 fomos para a Costa do Marfim com um argentino. E na Costa do Marfim foi curioso, nós tivemos um problema com o empresário, que ele não me pagava a cota. Então fomos para o aeroporto e o Coritiba sem receber a cota. Cheguei no empresário e falei que ele precisava me pagar a cota. O empresário disse que não sabia se iria pagar, ficou enrolando. Eu disse então que todos nós iríamos ficar ali, na Costa do Marfim. E daí ele falou que iria e que toda a delegação ficava. Imediatamente falei que de jeito nenhum e que o passaporte dele estava comigo. Então, o empresário chamou o médico da delegação e pagou de uma vez. Mas não é fácil. Você tem que ficar muito atento para não ter problemas em uma excursão. E volto a dizer que os empresários com que trabalhei, foi de uma maneira diferente. Eles ganhavam um "x" da cota do patrocinador da excursão e o Coritiba a parte dele.

Irapitan ? O senhor citou alguns exemplos de boas negociações, bom relacionamento com os outros clubes, e até de uma rivalidade de passar a perna no Atlético. Hoje em dia o nível de rivalidade e de amizade parece um pouco diferente?

 

Evangelino ? Bem diferente. Na minha época, tinha um contato sempre amigável com o presidente do Atlético, principalmente, e do Ferroviário. O presidente do Ferroviário era muito bom inclusive. Conhecia muito do futebol, que era o Hipólito Arzua. Então nós mantínhamos uma amizade fora de campo. Fui muito amigo do Jofre Cabral, inclusive naquele episódio em que o Atlético estava sendo rebaixado, trabalhei em prol do Atlético. Sempre tive um bom relacionamento com todos os dirigentes do futebol paranaense. Com o próprio Serafim Meneghel. O Serafim era terrível. Você chegava em Bandeirantes e era pé de guerra. Teve uma ocasião por exemplo, que terminou o jogo ele tocou fogo no canavial na saída. Mandei o motorista dar ré para sair e o Serafim também colocou fogo no fundo do canavial e a gente ficou preso.

Cristian ? E mesmo assim o senhor ainda trouxe o Abatiá e o Paquito?

Evangelino ? Na realidade, o Serafim Meneghel é coxa. E coxa mesmo. O time do coração dele é o Bandeirante, mas fora da cidade, ele torce pelo Coritiba. Então isso facilitou a vinda desses jogadores.

Xavier ? É verdade que o Coritiba passou a perna no Atlético na vinda do Roderlei?

 

Evangelino ? O Munir foi de avião e trouxe o Roderlei. Quando o pessoal do Atlético chegou a Maringá de carro ele já estava sendo apresentado em Curitiba. Nós gostamos de passar o Atlético para trás. Mesmo assim, recebo dos atleticanos a maior respeitabilidade, eles me cumprimentam, me consideram muito. Aliás, muitas vezes, sou mais agraciado pelos atleticanos do que pelos coxas-brancas. Os atleticanos dizem que eu judiei muito deles, mas que mesmo assim eles gostam de mim. As minhas primeiras amizades em Curitiba, foram atleticanas.

Gisele ? Como começou essa paixão pelo Coritiba?

Evangelino ? Eu era supervisor de uma companhia de seguros em São Paulo e essa companhia mandou para Curitiba três profissionais que eram jogadores de futebol. O Lula, o Ribeiro, e o Osvaldo. O Lula era conhecido o canhão do Parque Antártica naquela época e isso foi em 1965. Com a vinda deles, e como eu fazia companhia a eles, e cheguei ao Alto da Glória. Por conviver com o clube, comecei a ter uma afeição pelo Coritiba e me tornei coxa-branca. E não me arrependo disso.

Marcelo Fachinello ? O senhor guarda alguma mágoa dessa eleição de agora?

Evangelino ? Não guardo absolutamente nada. Entrei nessa eleição em consideração a um amigo meu, que era candidato à presidência do Conselho Deliberativo, que era o Militão, e sabia que iria perder. Nunca tinha perdido uma eleição no Coritiba. E o Militão era para ser presidente do Conselho Deliberativo no lugar do Marco Hauer e pedi ao Júlio Militão que deixasse a sua condição de candidato para o Hauer, que tinha sofrido um problema de saúde, merecia uma atenção especial, inclusive para se recuperar, e se achar útil para a sociedade. Então o Júlio Militão naquela ocasião abriu mão da sua candidatura, em prol do Marco Hauer. Quando o Militão se candidatou nessa eleição, nós nos dispusemos a concorrer com ele, mas sabíamos que a derrota era certa.

Xavier ? Foi uma espécie de anti?candidato, então?

Evangelino ? Exatamente. A gente sabia que iria perder. Mas tudo bem. Só lamento que o Coritiba não esteja na situação em que todos pensavam que estaria. A situação do clube é realmente delicada, muito perigosa, onde o presidente Giovane não traz ao conhecimento do público a situação real do Coritiba. O clube não paga ninguém hoje, tem mais de 200 ações cíveis e trabalhistas e ele não responde por isso. Eu tive problemas de dívidas, sem dúvida nenhuma. Mas quando saí do clube, deixei uma situação estável. Nós devíamos 1 milhão e oitocentos mil e, depois de uma auditoria, chegaram à casa de 3 milhões. Só um jogador cobriria essa dívida. E hoje a situação do Coritiba é totalmente diferente, deve muito e a torcida não toma conhecimento, as coisas não são feitas as claras. O clube deve estar devendo aproximadamente entre 60 e 80 milhões. A esperança do presidente Giovane é o lançamento das ações. Não sei se realmente ele vai conseguir isso. Ele é um homem inteligente, habilidoso, poderá conseguir. Mas é difícil.

Cristian ? No Coritiba à primeira vista a gente não percebe uma oposição. Após a eleição houve uma acomodação de forças. O trabalho do senhor é nesse momento ser uma voz do clube para alertar a própria torcida e os conselheiros?

 

Evangelino – O Conselho do Coritiba, hoje, é formado totalmente pelo Giovane. Hoje você não encontra dentro do Coritiba 10% da velha guarda. Todos aqueles antigos conselheiros foram se afastando. Ou por vontade própria ou por uma condição do estatuto, foram saindo. Hoje, o conselho do clube é totalmente renovado e é manejado pelo presidente. De maneira que, uma voz que seja hoje, é uma voz no deserto. Todos acham que as coisas estão indo bem. A única coisa que pode fazer uma revolução no Coritiba é o time ir mal no futebol. O futebol é que gera toda uma movimentação de torcedores, de associados. Se o futebol for bem, está tudo bem.

Xavier ? Aliás, o Coritiba hoje é basicamente futebol.

Evangelino ? No meu tempo nós tínhamos uma parte social, inclusive o Dirceu Graeser era o nosso diretor social. Depois, o Gilberto Fontoura. O Fontoura foi o primeiro diretor social a trazer o Roberto Carlos para o Paraná. Nós realmente tivemos uma parte social, mas hoje isso não existe. Uma hora era uma promoção, o clube abriu as portas. Quem comprasse um carnê tornava-se sócio. E isso fez com que o nosso nível social caísse. Então foi aí que a parte social acabou. Mas também nada depois foi tentado nesse departamento.

Cristian ? Naquela época existiam os carnês e essa era a principal fonte de sobrevivência dos clubes, já que não havia patrocínio.

Evangelino ? Nós não tínhamos patrocínio. Na camisa do clube tinha o Bauducco, que nos dava uma receita muito pequena. No campeonato de 85 nós tivemos grandes dificuldades de encontrar um patrocínio e com muito trabalho consegui da Britânia. Com isso nós conseguimos 500 cruzeiros por jogo, que não representava nada. Mas nós não tínhamos patrocínio, só uma pequena verba da loteria e por isso tínhamos muitas dificuldades financeiras.

Xavier ? Outro dia me encontrei com o Oberdan, e ele contou algumas histórias. E mais as mais interessantes eram as suas histórias de como você conseguia fugir dos jogadores. É verdade que o senhor saiu escondido em um caminhão?

 

Evangelino ? Uma vez, não. Várias vezes. O Oberdan e o Orlando por exemplo, o Hidalgo já era mais inteligente. O Oberdan chegava sempre na empresa antes de mim. E ele ficava dentro do carro, furava o jornal e esperava eu passar. Mas eu já tinha chegado. E tinha uma saída para o armazém, onde ficavam encostados os caminhões de mudanças. Bem, eu entrava na carroceria. Eles me fechavam, o caminhão saía, e depois, mais pra frente, abriam para eu sair.

Xavier ? E o Oberdan ficava o dia inteiro te esperando?

Evangelino ? O Oberdan, o Negreiros… O Oberdan foi um grande jogador do Coritiba, um grande amigo. E o Orlando também.

Cristian ? O senhor sempre trabalhou com jogadores de personalidade forte, e que até por isso eram mais confiáveis do que outros. Como era a relação com o elenco fora e dentro de campo?

 

Evangelino ? Era excelente. Uma família. O relacionamento não tinha jogador que eu não quisesse, e que eles não me quisessem. Eles chegavam ao certo ponto de qualidade técnica, que combinavam de entrar em campo e começar perdendo um jogo, para me assustar. E depois eles se recuperavam. Era um grupo fantástico. Tenho muita saudade desse pessoal. Queria ter uma oportunidade para reunir todos, sem exceção.

Gisele ? E com o Zé Roberto, você tinha que dar muito puxão de orelha?

Evangelino ? Ele era um bom caráter, inimigo dele mesmo. Ele só se prejudicou na vida profissional. Nunca prejudicou ninguém. Nunca prejudicou os clubes que serviu. Tivemos que ter paciência com ele, saber levá-lo e no dia do jogo, só nos dava alegria.

Cristian ? Quantas vezes o senhor teve que buscá-lo em boates?

Evangelino ? Muitas vezes. Mas ele sempre estava em boa companhia. Sempre ao lado dele tinha um padre. Eles tomavam pinga como se fosse água benta. Mas o Zé Roberto era excelente. Aliás, eu tive a felicidade de conhecer o pai dele, um ponta direita que começou no Jabaquara e depois se transferiu para o Corinthians. Jogava tanto quanto ou melhor do que o Zé Roberto. Era o Jerônimo.

XavierE como era o relacionamento com a arbitragem? O Atlético chora até hoje, dizendo que na época dos anos 60, o Coritiba tinha uma arbitragem favorável, que havia uma amizade.

 

Evangelino ? Depende do trabalho. Veja o caso do Coritiba, recentemente no Brasileiro. Jamais iria permitir que o meu clube fosse desclassificado contra o Figueirense e contra o Gama. Então, como vocês são bastante inteligentes, sabem que realmente há uma possibilidade de se fazer um trabalho para contornar isso. Na minha época, não vou negar, de que o atleticano não deixou de ter as suas razões. A gente sentia um gosto diferente em saber que eles estavam se sentindo prejudicado.

Irapitan ? O grande barato era sacanear o Atlético?

Evangelino ? Era e é gostoso.

Xavier ? E aquele título de 70 perdido para o Atlético deve ter doído, não?

 

Evangelino ? Eu cometi um erro muito grande em 1970. O nosso técnico era o Filpo Nunes, e ele estava dezessete partidas invicto. Comecei a desconfiar que o Filpo iria me entregar o campeonato, pois sempre estava em uma roda de jogo com os atleticanos. E assim, mandei ele embora. O Filpo reclamava, mas acabou saindo. E, logo em seguida, fiz a bobagem de trazer o Mauro Ramos. Fomos jogar em Guarapuava e nós perdemos o jogo por culpa do Mauro. Ele insistia em colocar o Sílvio, que era centroavante. Saímos lá de Guarapuava e no domingo seguinte, nós jogávamos com o Maringá aqui, e o Atlético com o Seleto, em Paranaguá. Se nós ganhássemos, dependíamos de um resultado do Atlético. Chegando aqui em Curitiba, eu falei para o Mauro não colocar o Sílvio, e ele defendeu o jogador. Sendo assim eu chamei o massagista do time e falei que o Sílvio não poderia jogar no outro dia, de maneira alguma. Então a solução foi dar para o jogador um laxante, para ele não entrar em campo. Daí no dia seguinte, encontrei o Sílvio e perguntei como ele estava. Me respondeu que iria acabar com o jogo, e estava preparado. Logo depois fui falar com o médico e com o massagista para saber o que estava acontecendo. E então eles deram uma dose ainda mais forte para o Sílvio. Meia hora depois, ele desceu passando mal e não jogou. Na hora do jogo, o Reinaldinho entrou no lugar do Sílvio e ganhamos do Maringá de 3 a 0. Mas acontece que o Passerino Moura, presidente do Atlético, tinha acertado com o Seleto e daí nós perdemos o campeonato de 70. Foram dois erros meus. Mandar o Filpo Nunes embora e contratar o Mauro Ramos.

Xavier ? Mas aquela derrota para o Seleto, por 1 a 0, em Paranaguá, debaixo de muita chuva, também cortou o embalo?

Evangelino ? É verdade. A gente perdeu o embalo. O jogo não era para ter saído. Tinha dois jogadores acertados naquele jogo. Eu tinha acertado com um zagueiro, mas o Atlético tinha acertado com o meu centroavante. Então o zagueiro falava para o centroavante entrar na área que ele fazia o pênalti, mas o atacante não entrava de jeito nenhum.

Gisele ? Sobre o caso de não colocar o Sílvio para jogar, você acha que ainda hoje existe essa interferência do presidente para escalar um time? Tem treinador que aceita isso?

Evangelino ? Tem jogador e treinador que dependem do emprego. Uns aceitam, outros não. Existe sim.

Gisele ? E o senhor gostava de dar palpite quando o time era escalado?

 

Evangelino ? Sempre dei o meu palpite, isso não faz mal a ninguém.

Xavier ? E como era com Tim?

Evangelino ? O Tim era bom de diálogo. Ele aceitava, não era o dono da verdade. Muitas vezes ele provava que estava certo. Era um grande técnico, sem dúvida nenhuma.

Xavier ? Ele fazia a diferença?

Evangelino ? Sem dúvida. Agora, aquela equipe que tínhamos sob o comando dele, na hora que se reunia, antes de entrar no jogo, era sensacional. Ele falava para não escutar o que eu havia dito. Ele modificava. "Não escutem o que o velho disse". E o velho aceitava. Quando contratei o Negreiros, ele me disse que não havia pedido aquele jogador. Mas disse que quem contratava era eu, a obrigação dele era escalar o time. No jogo de estréia do Negreiros, inclusive contra o Corinthians, ele acabou com jogo e nós ganhamos por 3 a 2, no Pacaembu. E pior que, na entrevista após o jogo, o Tim falou: "Eu disse ao presidente que ele era um grande jogador!" Ele era um homem bom.

Marcelo ? Foi o melhor com quem o senhor já trabalhou?

 

Evangelino ? Tive muitos bons técnicos. Esse Jorge Vieira tinha um bom caráter, o Ênio Andrade, o próprio Iustrich, ele era bom com os jogadores. Você precisava ver o café da manhã que ele preparava para os jogadores. Tive também o Armando Renganeschi, um ótimo treinador. Só trabalhei com gente boa, com exceção do Borba (rindo…). Uma vez, estava com problemas de eleição na CBF e me distraí. E nós fomos jogar contra o Vasco no Rio de Janeiro. O Borba colocou o Peninha e perdemos o jogo. Mas no fim das contas não foi tanta culpa do Borba, pois o Vasco tinha comprado o árbitro e perdemos jogo por 2 a 1.

Xavier ? Aliás o Borba contou outra história interessante dessa época, quando ele dirigia o Coritiba, e chegou em terceiro lugar do Brasil nesse ano. Ele lembrou uma história com o Campinense. O pessoal estava turbinado, por assim dizer?

Evangelino ? Havia a suspeita que os jogadores do Campinense jogavam turbinados. Então nós armamos um esquema, onde nós alertamos os dirigentes do time de que estava chegando uma comissão anti-doping. Os dirigentes acabaram acreditando que essa comissão chegaria do Rio e não prepararam os seus jogadores como deveriam para o jogo. Fomos a campo e quando chegou os 30 minutos do primeiro tempo caíram de produção e o Coritiba ganhou fácil.

Cristian ? Como é que foi a primeira conquista nacional do nosso futebol, que foi o Torneio do Povo?

Evangelino ? Nós jogamos com as melhores equipes do futebol brasileiro: Flamengo, que tinha sido o vencedor anterior, Bahia, Corinthians e Atlético Mineiro. E nós fomos felizes, porque culminou num acidente no jogo contra o Bahia que dificilmente voltará a acontecer. O Coritiba no ataque, com dois a menos. Num ataque nosso um baiano apitou da arquibancada, a defesa do Bahia parou e o Hélio Pires gritou fez o gol e não foi o juiz que apitou, foi o torcedor da arquibancada. Eu nunca vi um homem apanhar tanto na vida como esse e daí empatamos e fomos campeões. E aí terminou o torneio, não