Apesar da austeridade no primeiro semestre, a diretoria trouxe Lúcio Flávio e Tcheco, que se juntaram a Roberto Brum e recuperaram o nome do clube no campeonato nacional. |
Que ano, hein? O Coritiba passou mais um ano em branco, e enfrentou em 2002 algumas de suas maiores provações. Derrotas, decepções, humilhações e um vexame para completar – a triste eliminação no campeonato brasileiro. Mas entre esses tantos problemas, a torcida viu o surgimento de novos jogadores, a confirmação de outros e o reerguimento definitivo de uma equipe em um cenário nacional. Só faltou chegar mais longe em algum campeonato.
É, porque em 2001 (um ano tão terrível quanto), o Coritiba foi finalista da Copa Sul-Minas e semifinalista na Copa do Brasil e na Copa dos Campeões. Mas o ano anterior foi o da dilapidação do pouco dinheiro que havia no clube, graças a políticas malfadadas e problemas internos que foram alvo de investigação da diretoria que assumiu em janeiro deste ano. Austeridade – essa foi a palavra básica da administração de Giovani Gionédis, presidente desde o dia 9 de janeiro. Mais de setenta funcionários foram demitidos, enxugando-se ao máximo a administração. E o comando do futebol foi orientado a não fazer loucura, privilegiando as pratas da casa.
E com Gionédis chegou Joel Santana, trazendo a estigma de campeão em inúmeros clubes e um jeito ‘carioca’ de trabalhar. Para muitos, ele foi até uma surpresa nos primeiros dias, trabalhando muito e exigindo bastante do elenco, que tinha poucas novidades em relação a 2001. A principal estrela ainda era Evair, mas já tendo Liédson como artilheiro confirmado e rapidamente transformado em ídolo.
O início da “era Joel” foi auspicioso – quatro vitórias em quatro jogos, incluindo uma ótima vitória sobre a Ponte Preta na Copa do Brasil. A boa largada deu esperanças de título na Copa Sul-Minas, mas foi apenas aquilo. O sinal foi a eliminação na Copa do Brasil, com a goleada de 4 a 1 aplicada pela Ponte. No torneio regional, mais derrotas – incluindo uma para o Atlético, quando Joel escalou Wéllerson no gol e Reginaldo Nascimento na lateral.
Era o princípio do fim. Amparado pela diretoria, que lhe dera plenos poderes, Joel cometia erros em série – falhava nas escalações, demitia membros da comissão técnica que não o agradavam (Paquito e Omar Feitosa) e perdia jogos sem que com isso fosse cobrado. Pediu reforços e foi atendido – Márcio Costa, Roberto Brum e Sérgio Manoel. Desses, só um ia ter sucesso, e justamente o mais criticado, Roberto Brum.
A vinda da trinca de “cariocas” rachou o elenco – Evair e os que já estavam em um lado; Sérgio e os que chegaram de outro. Joel trafegava entre esses lados, mas tinha clara preferência para seus pupilos. A única partida em que elenco e técnico tiveram calma, o Cori goleou o Joinville por 4 a 1, com boas atuações de Sérgio, Evair, Da Silva e Liédson. Mas ficou naquilo, pois à época o Coxa já não estava tão perto dos quatro primeiros da Sul-Minas.
Depois de outras derrotas, o Cori ficou alijado de qualquer possibilidade de classificação, e encararia duas partidas sem qualquer importância, contra Paraná e Juventude. A diretoria decidira que Joel teria esses dois jogos para avaliar o elenco e definir quem sairia e quem ficaria para o supercampeonato paranaense. Mas veio a tragédia – em um sábado de sol, o Coxa foi humilhado pelo time reserva do Paraná, perdendo por 6 a 1. Joel não resistiu e foi demitido horas depois.
Para definir o substituto, a diretoria alviverde esperou o Paraná ser eliminado pelo Corinthians na Copa do Brasil para avançar sobre Paulo Bonamigo. Já acertado, o treinador foi sondado pelo presidente atleticano Mário Celso Petraglia, mas confirmou a palavra e na tarde seguinte assumiu o Coxa. Ele recebeu um elenco esfacelado pelos problemas e pelas derrotas.
Foi nesse momento que a cúpula coxa decidiu ser o momento de chacoalhar o grupo. A primeira ação foi dispensar Evair, que chegou a ser homenageado pela diretoria. Sem o maior ídolo do time nos últimos anos, o grupo se viu forçado a criar novas lideranças e uma capa de responsabilidade que estava toda colocada sobre Evair. Se isso não rendeu resultados a curto prazo, no Brasileiro algumas reações puderam ser vistas – para o bem e para o mal.
No supercampeonato paranaense, a passagem coxa foi curta, até pelo fato de o torneio ser curto. Na primeira fase, o Cori fez o mais difícil (vencer o Atlético em um clássico que terminou em pancadaria) e deixou de fazer o mais fácil (vencer os fraquíssimos Maringá e Prudentópolis). Como o rival fez o serviço contra os pequenos, ficou para o time de Bonamigo enfrentar o Paraná em um jogo único de semifinal. O empate bastava ao Tricolor e foi isso que aconteceu.
Findo o supercampeonato, o Coritiba tinha quase três meses para preparar o time para o Brasileiro. Com um período de férias para esfriar a cabeça, no total foram dois meses (61 dias, para ser mais exato) de treinamentos e contratações. No meio disso, amistosos – contra Internacional e Olímpia – que já mostravam que a equipe tinha condições de fazer uma boa campanha no campeonato nacional.
Mas o clube passou por duas situações vexatórias envolvendo possíveis reforços. O primeiro foi Gil Baiano, que foi contratado mas não se apresentou – quem veio foi o procurador, dizendo que estava tudo certo. Realmente estava, mas com o Bahia – dias depois, o meio-campista chegava a Salvador. Depois foi Tico Mineiro, que foi contratado se imaginando que viria um clone de Oséas. Quando ele chegou no Aeroporto Afonso Pena, percebeu-se que não era nada disso, e a diretoria teve que acusar “problemas irremediáveis” para cancelar o negócio. Para completar, a FIFA suspendeu o clube por falta de pagamento a empresários no caso Mozart.
Depois de resolver tantos problemas, o Coritiba entrou no campeonato brasileiro completamente desacreditado, com uma equipe formada para não cair. Apenas com o decorrer da competição o futebol brasileiro voltou a conhecer o Coritiba. Com uma campanha irrepreensível, a equipe chegou à liderança da competição com uma bela vitória sobre a Portuguesa.
O time se acertara: Fernando se firmara como grande goleiro, Edinho era o comandante da defesa, Reginaldo Nascimento se transformara em zagueiro de qualidade, Adriano (aos 17 anos) desfilava categoria na esquerda, Roberto Brum, Tcheco e Lúcio Flávio faziam um meio-campo de categoria e, no ataque, Lima era garantia de lindas jogadas. Ah, e havia Jabá, que agitara o país com suas pedaladas. E ainda Sérgio Manoel, Juninho e o ‘príncipe’ Alexandre Fávaro no banco. Os joagdores sentiam o bom momento mas não denotavam soberba – era a responsabilidade adquirida à fórceps. A torcida lotava o Couto Pereira para comemorar as vitórias. Tudo dava certo.
Mas uma série de seis jogos sem vitória parecia colocar tudo a perder. A sexta partida foi o clássico contra o Atlético, e após a derrota pensou-se na demissão de Paulo Bonamigo. Jabá chegou a bater o carro e entrar em uma confusa história para se explicar. A palavra do presidente Gionédis falou mais alto, e Bonamigo ficou para recuperar a equipe, com vitórias sobre Cruzeiro, Internacional e Paraná Clube. No equilibrado campeonato, o Coritiba só dependia dele para ser um dos oito melhores. Era só marcar quatro pontos contra o irregular Figueirense (em casa) e o rebaixado Gama (em Brasília).
Foi aí que a responsabilidade adquirida à fórceps não resistiu. A empolgação que tomou conta de Curitiba afetou o elenco, que foi totalmente envolvido pelo time catarinense, que parecia ter transformado o Couto Pereira na sua própria casa. “Foi ali que perdemos a vaga”, acredita Giovani Gionédis. E foi mesmo – fragilizado por uma derrota, o Cori foi humilhado pelo Gama, perdendo por 4 a 0. E o clube perdia a chance de ganhar dinheiro nas quartas-de-final do Brasileiro e em um torneio internacional. E seriam precisos não quatro, mas sim três pontos, uma vitória simples. No lugar do Coxa entrou o Santos, e o fim da história todo mundo sabe.
Futuro plantado
Parece que deu tudo errado, mas o Coritiba termina 2002 com fatos a comemorar. De uma forma inédita no futebol paranaense, torcida e diretoria se uniram em uma série de ações; jogadores nem tão conhecidos contratados pelo clube hoje são ídolos; o clube assumiu os problemas financeiros e fez uma reforma administrativa que diminuiu as despesas e estancou a dívida. Mas o principal ponto favorável do Coxa este ano foi a revelação de uma fornada de jovens jogadores.
Quando Joel Santana foi contratado, no final de dezembro, a diretoria o avisou que não tinha dinheiro para trazer reforços, e que chegara o momento de valorizar a prata da casa. Ao lado da cúpula do futebol, Joel foi acompanhar a Taça São Paulo de Futebol Júnior, e daquele time muitos saíram direto para o time profissional – Thiago, Juninho, Alexandre Fávaro, Lima e Ricardo Malzoni. Eles se juntariam a Badé, Lira, Danilo e Marcel, que já estavam entre os profissionais.
Eles formaram o principal núcleo do elenco coxa na temporada – e receberam o incrível reforço de Adriano, que aos 17 anos subiu do time juvenil para a equipe titular de Paulo Bonamigo. E terminou o campeonato brasileiro como um dos destaques da equipe e revelações da competição, sendo citado inclusive por gente do quilate de Carlos Alberto Parreira. Adriano pode ser considerado o retrato de uma política arriscada, mas que rendeu dividendos ao Coritiba muito antes do que se imaginava. De todos os jovens, apenas Malzoni não está no clube – ele foi negociado com o Fluminense.
O jovem atacante foi para que um dos principais jogadores do Coritiba esse ano permancesse no Alto da Glória: Roberto Brum, que teve grudado o apelido “Senador” como uma tatuagem. Brum foi muito criticado quando chegou, mas soube suplantar as críticas com bom futebol, uma identificação imediata com o clube e com suas sempre animadas declarações, que explicam totalmente o porquê do apelido.
Exemplo: no final do ano, o programa “Tribuna no Esporte”, da TV Iguaçu, pedia mensagens de fim de ano para os jogadores do Coxa. Cada um falava rapidamente, até que Roberto Brum chegou. O discurso durou quase cinco minutos (uma eternidade na TV), citando desde Jesus Cristo até o presidente Lula.
Brum fez sucesso assim como Fernando, que veio para ser reserva e termina o ano como um dos melhores goleiros do Brasil. Sua participação no campeonato brasileiro foi expressiva, chegando a ser milagrosa em partidas contra a Ponte Preta e Cruzeiro. Outro destaque coxa foi Tcheco, que chegara para completar o elenco e desbancou a todos, sendo considerado o melhor jogador do Coritiba no Brasileiro. Ele tornou-se um dos mais valorizados atletas do Estado, e o Coxa luta para mantê-lo no Alto da Glória.
Ação
A diretoria do Coritiba ganhou um forte aliado neste ano: a torcida, organizada ou não. Os coxas voltaram ao Couto Pereira e transformaram o projeto Sócio-Torcedor no maior sucesso institucional da temporada. As torcidas organizadas evitaram os conflitos e demonstraram apoio mesmo nos piores momentos do ano, como nas seis partidas sem vitória durante o campeonato brasileiro.
Mas o grupo independente Cori-Ação surgiu como principal braço organizado fora do clube. Buscando sempre auxiliar o Coxa, os torcedores promoveram ações importantes, como o jantar em homenagem aos dirigentes e à diretoria e a limpeza e reforma de vários setores do Couto Pereira. Ao lado da direção de marketing e da assessoria de imprensa do clube, o Cori-Ação realizou várias ações de solidariedade, revertendo a força da torcida em alimentos, brinquedos e roupas para diversas obras de caridade.
Seriedade
Enquanto isso, o presidente Giovani Gionédis promovia uma profunda reformulação na administração do Coritiba. Demitiu setenta e cinco funcionários, terceirizou serviços de limpeza e conservação e reduziu em muito a folha de pagamentos do clube. Se a dívida não diminuiu, ao menos ela não cresceu. E para 2003 está pronto o projeto Coxa S/A, que envolve o lançamento de ações para investidores e torcedores. “É isso que vai salvar o Coritiba”, diz Gionédis. Ele também demonstrou palavra ao enfrentar a batalha das eleições. Prometeu e cumpriu não usar o Coritiba na campanha, e provavelmente saiu prejudicado com isso nas urnas. Mas saiu limpo, e com a credibilidade no alto. (CT)
Tico, Adão, Robenildo e até Lúcio Flávio. Lembra?
O principal problema do Coritiba na temporada foram as contratações. Apesar de elas terem sido aplaudidas quando anunciadas, se mostraram fracassos em campo. As apostas em alguns jogadores consagrados deram n’água, e mesmo alguns reforços desconhecidos também ficaram pelo caminho. Pior que isso, só mesmo aqueles que não apareceram.
A situação mais constrangedora aconteceu no já anedótico caso Tico Mineiro. Quando foi anunciada sua contratação, lembrava-se das boas passagens pelo Botafogo e pelo interior paulista. O atacante de tranças no cabelo se assemelhava a Oséas, e vinha para ser o ‘matador’ há tanto ansiado. A chegada dele no Aeroporto Afonso Pena era aguardada pelos dirigentes, numa tarde de terça-feira.
Pois então chegou o avião, vindo de São Paulo. E descem os passageiros, e nada de Tico Mineiro cabeludo. Eis então que surge um jogador, com pinta de jogador e se apresenta aos incrédulos representantes coxas: “Eu sou o Tico Mineiro”. O Coritiba contratara o Tico Mineiro errado. Rapidamente, o clube desfez o negócio e anunciou “diferenças irremediáveis” para cancelar a contratação. O problema foi que havia pessoas ligadas aos clubes rivais no Aeroporto, e elas se encarregaram de contar a história do Afonso Pena.
Antes, acontecera a frustrada vinda de Gil Baiano. A notícia vazara numa sexta-feira, e marcara-se para a quarta seguinte a apresentação. No dia, Gil não apareceu, mas o seu procurador sim. Ele veio para dizer que estava tudo certo e que na volta das férias o meia se apresentaria normalmente. “É a primeira apresentação de jogador por procuração”, constatou um repórter. Havia algo errado, e dias depois descobriu-se o que era: Gil Baiano estava acertando com o Bahia.
Quem?
Roberto, Adão e Robenildo. O trio foi contratado apenas para a disputa do supercampeonato paranaense. Eles não tinham o reconhecimento da torcida, mas foram usados nos jogos decisivos contra Grêmio Maringá e Paraná. Robenildo (que queria ser chamado de “Robin Hood”) teve ainda um momento ‘consagrador’: contra o Tricolor, ele ficou quase trinta minutos se aquecendo. E não entrou.
Consagrados
O Coritiba apostou em vários jogadores conhecidos e na maioria deles o clube ficou na mão. A começar por Wéllerson, que chegou agitando o Alto da Glória com seu estilo peculiar de marketing pessoal (que não agradou aos jogadores). A estréia dele foi contra o Atlético, numa escalação que dividiu o elenco e causou o primeiro tremor entre Joel Santana e os atletas. Márcio Costa chegou pouco depois, mas ambos saíram junto do clube – o zagueiro veio para ser o xerife coxa, mas a presença dele só serviu para a torcida sentir mais saudade de Edinho Baiano.
Mas as grandes decepções do ano estavam no meio-campo e no ataque. Para ser o atacante artilheiro, Genílson foi contratado com a moral de ter sido goleador em vários times. No final das contas, ele deixou o Cori tendo marcado apenas um gol e com problemas de relacionamento com o técnico Paulo Bonamigo. Da mesma forma passou Sérgio Manoel, que veio para ser o comandante do time dentro de campo. Sérgio chegou a dar declarações exigindo “explicações” de Bonamigo, e saiu pela porta dos fundos.
No final das contas, Lúcio Flávio acabou sendo a grande decepção alviverde em 2002. O meio-campista foi alvo da maior negociação do futebol paranaense da temporada, e era a grande esperança do Coritiba no campeonato brasileiro. Apesar de feito seis gols e dado nove assistências, Lúcio não rendeu o esperado nos jogos decisivos, e ainda deixou o clube com contrato em vigor para assinar com o Atlético-MG – o presidente Giovani Gionédis ameaça processá-lo. Foi o final certo para uma temporada frustrada. (CT)