Com uma carreira pouco expressiva como tenista, mas com vasta experiência em diversas áreas da modalidade, o catarinense Rafael Westrupp assumiu o posto de novo presidente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT) no último sábado. O novo mandatário do tênis nacional é sucessor do polêmico Jorge Lacerda, que virou notícia ao longo da sua trajetória de 12 anos na presidência da entidade tanto por conquistas do tênis nacional quanto por denúncias na Justiça.
Apesar de valorizar o trabalho do antecessor, Westrupp promete mudanças na gestão da entidade, mais focada no trabalho de base e na transição do juvenil para o profissional, que avalia como crucial para que surjam novos talentos no Brasil. E tudo isso em meio a uma redução drástica no orçamento da CBT, por conta da diminuição dos valores repassados pelo patrocínio dos Correios.
Para tanto, o novo presidente conta com a reaproximação com os ex-tenistas profissionais, que ficaram de fora da última gestão. André Sá, por exemplo, é o presidente da comissão de atletas da CBT. Sá foi treinado pelo próprio Westrupp, que mantém relação próxima com as principais figuras do tênis nacional. Não por acaso. Nos tempos de jogador, foi treinado por Larri Passos e Rafael Kuerten, ex-técnico e irmão de Guga Kuerten.
Em seu currículo, Westrupp também tem a experiência de dirigir torneios, como o juvenil Banana Bowl, e o WTA de Florianópolis, que recebeu tenistas do quilate de Venus Williams e Garbiñe Muguruza nos últimos anos. Agora o ex-tenista e ex-treinador tenta canalizar para a presidência da CBT a experiência que acumulou no esporte, conforme contou à reportagem do Estado em entrevista exclusiva concedida entre as quadras do Lagoa Iate Clube (LIC), clube no qual se iniciou no tênis e onde bateu bola com Guga nos tempos de infanto-juvenil, em Florianópolis.
Num cenário de dificuldade econômica, quais serão suas prioridades à frente da CBT?
Minhas prioridades serão o trabalho de base e a transição do juvenil para o profissional. Historicamente o Brasil tem fama de formar grandes juvenis e eles sentem muitas dificuldades na transição para o profissional. Nossa meta é fazer com que estes juvenis tenham uma transição saudável e colher resultados, ranking e números de maneira natural, como consequência do trabalho que estamos fazendo agora, das oportunidades que estamos criando para eles. Então o Projeto Transição já nasce dentro da minha gestão. Eu assumi o cargo no sábado e o projeto começou na terça. Estamos dando chance aos juvenis de viajar com técnico para acompanhar profissionais em torneios nos Estados Unidos e na Europa. É uma forma de eles vivenciarem o ambiente das competições. A ideia surgiu quando ainda treinava André Sá e víamos jovens tenistas como Alexander Zverev, ainda adolescente, acompanhando o irmão mais velho Mischa no circuito. Hoje ele está aí se destacando (é o 20º do ranking mundial).
E na base, como será o trabalho?
Em outubro, ainda na gestão passada, demos o primeiro passo para fazer um mapeamento dos grandes clubes do Brasil, como o Pinheiros (SP), o Graciosa, de Curitiba, o Leopoldina, de Porto Alegre, o LIC, o Itamirim, em Itajaí, o Minas Tênis Clube, entre outros. Contratamos um professor que foi inspecionar os clubes para ter uma ideia de volume de crianças jogando de cinco a dez anos nas escolinhas, para conhecer o perfil dos professores e dos alunos, o volume de horas de trabalho. Com um relatório em mãos, vamos buscar uma verba no Ministério do Esporte para investir diretamente nesta ação. E o segundo passo é oferecer uma assistência gratuita da CBT para estes clubes. Teremos a criação de massa crítica de mão de obra qualificada e de assistencialismo técnico da CBT para os clubes para que, a médio e longo prazo, possamos ter estas crianças na cadeia de alto rendimento, surgindo novos talentos em nível profissional e mundial.
É como se a CBT estivesse atuando “no atacado” na base?
Não estamos atirando para todo lado. É um projeto consistente, tanto na base quanto no Projeto Transição. Vamos estender este projeto para as meninas também. Temos talento, suporte financeiro, condição para viajar. Há bons treinadores no mercado. Estão treinando em bons lugares. A estrutura básica que estamos oferecendo está no mesmo padrão dos grandes países. Se for analisar o volume de jogadores ITF, com bons rankings, comparando com Austrália, por exemplo, é semelhante. Agora é a capacidade de resistência dos jogadores e acreditar que não é da noite para o dia que as coisas acontecem, mas tem que trabalhar no longo prazo.
E quais os planos para o alto rendimento?
Vamos tentar criar a rede nacional de treinamento, com apoio do Ministério do Esporte. Queremos atender diversas regiões do país, entre 10 e 13 núcleos de treinamento. Podemos pagar diretamente profissionais da área, treinadores, preparadores físicos, fisioterapeutas, comprar bolas, raquetes, e até pagar aluguel de espaço para treinamento. Um dos núcleos seria o Centro Olímpico de Tênis, no Rio de Janeiro. Ainda estamos negociando isso com o Ministério. Lá já temos material humano pronto para instalar em 24 horas. Seria a nova sede do centro que já é apoiado pela CBT, que é o Tennis Route, no Recreio. As quadras de lá são da CBT, que é um legado dos Jogos Pan-Americanos de 2007. São cedidas para que os nossos principais jogadores possam jogar lá. O capitão da Copa Davis, João Zwetsch, é o head coach do centro. Lá temos Thomaz Bellucci, Beatriz Haddad Maia, Thiago Monteiro, Marcelo Demoliner, Fabiano de Paula, Thiago Wild. Estamos avançando nas conversas sobre este projeto com o Ministério do Esporte.
O que falta ao Brasil para ter um tenista que consiga ir mais longe em simples?
Investimento não falta. Olhando para trás e trazendo estas novidades, não vai faltar. Temos três tenistas no Top 100 [do ranking], sendo que um deles é renovação, com o Thiago Monteiro. E, na garupa dele, tem essa gurizada, como o Orlando Luz, o Marcelo Zormann. É questão de tempo para eles estarem se aproximando do Top 100. No momento em que você cria uma grande quantidade de jogadores que estão beirando o Top 100, é coisa de momento para decolar. Em primeiro lugar, eles têm talento. Em segundo, tem o nosso apoio e a partir daí vem a capacidade de entrega de cada um, de suar sangue todos os dias.
Torneios como o Rio Open e o Brasil Open investiram em jogadores do Top 10 nos últimos anos, mas mesmo assim as arquibancadas não lotam, às vezes nem mesmo nas finais. Como a CBT pode estimular mais o público de tênis no País?
Tivemos carnaval durante o Rio Open e muita chuva no Brasil Open. E claro que essas coisas afastam as pessoas. Acredito que podemos sempre buscar uma melhoria na participação em termos de quantidade, porque a qualidade do espectador hoje em dia é muito boa. O pessoal entende muito o tênis, sabe se comportar. O que a gente pode fazer é continuar inspirando novos praticantes, essa geração pode ser uma que inspire muito. Fazia tempo que não tínhamos três no Top 100 masculino. E a Teliana Pereira virou referência para as meninas. Acredito que logo vai ter mais gente querendo assistir ao vivo o Rio Open e o Brasil Open in loco porque as datas vão ficar melhores e porque teremos mais brasileiros, como o Monteiro, cada vez mais nas cabeças.
A gestão de Jorge Lacerda, de quem você é o sucessor, foi marcada por acertos, críticas e até denúncias na Justiça. Como a CBT pode aumentar a transparência em sua gestão?
Crítica é inerente a um cargo eletivo, de uma entidade de classe. E atirar pedra é de graça e as consequências às vezes são desmedidas. Estou totalmente preparado para as críticas. Acredito que a gestão do Jorge teve muito mais acertos do que erros. Existe também os “sofazistas” de plantão, que só sabem sentar no sofá e trocar o canal de TV sem levantar e vir dar sua contribuição. A única alternativa que eu encontro é o comprometimento com a entidade e com a modalidade. Vou cometer erros, naturalmente, e, se precisar mudar a trajetória para chegar aos nossos objetivos, não tenho vergonha e nem me falta de humildade para isso. Hoje temos a credibilidade do André Sá na presidência da comissão dos atletas. Ele tem direito a voto na Assembleia Geral e hoje não tem contrato com a CBT. E ainda apadrinha o projeto Transição.