São Paulo – A chegada de Júnior e Rivelino ao Parque São Jorge significa muito mais do que simples preenchimento de cargos. Na avaliação dos cartolas do Corinthians, a contratação da dupla representa o início de um processo de profissionalização que, se bem sucedido, deverá marcar época e servir de modelo para os demais clubes. Porém, em meio ao clima de otimismo, promessas e expectativa, o que, de fato, pode ser considerado objetivo concreto, atingível, e o que não passa de simples discurso, utilizado apenas para colocar panos quentes no ambiente conturbado? Se a diretoria diz que Júnior vinha sendo observado já há algum tempo e sua contratação era um desejo antigo, por que não a concretizou antes? Na prática, o que muda no clube e na equipe com a criação do cargo de diretor-técnico, ocupado por Rivelino? De que adianta montar um organograma baseado nos clubes europeus se a realidade brasileira (financeira, organizacional e até educacional) é completamente diferente? Essas são perguntas dos bastidores do Parque São Jorge.
A Agência Estado apurou ontem com pessoas próximas à direção e ao conselho que a escolha de Rivelino e Júnior não provocou o impacto esperado. O ex-camisa 10 do Corinthians ainda desfruta de credibilidade e respeito, mas Júnior terá mais dificuldades do que imagina como técnico corintiano. Entre elas, a falta de experiência e identificação com o clube. O maior temor é de que tanto os torcedores uniformizados quanto conselheiros e diretores, que tanto pressionam time, comissão técnica e diretoria, não se disponham à trégua.
Sonho
Com a chegada de Rivelino, a diretoria espera desenvolver nova política administrativa. Aspectos sempre considerados exemplos de profissionalização, como planejamento de médio e longo prazos e definições precisas de funções e responsabilidades internas, estão entre os objetivos imediatos. A estrutura do Real Madrid é o exemplo a ser seguido.
De Júnior, além do engajamento na nova concepção, espera-se trabalho forte com os atletas jovens. Na linguagem do futebol, o novo treinador corintiano é o chamado “boleiro”, aquele que conta com larga experiência no campo e, assim, falaria a “língua” dos jogadores. Espera-se que essa característica lhe possibilite, em curtíssimo prazo, conquistar a confiança do grupo, reagir no campeonato brasileiro e ainda brigar por uma vaga na Taça Libertadores da América.
Enquanto prega a revolução administrativa, o clube ainda não conseguiu quitar dívida com o volante Vampeta, que simplesmente abandonou o clube por não ter recebido cerca de R$ 500 mil referentes ao direito de imagem. Apesar do sumiço, recebeu proposta de renovação. Em outras palavras, a mesma diretoria que cobra profissionalização, não paga em dia e tenta manter funcionário que abandonou o emprego. Para completar, parte da diretoria está rachada e a ala descontente tenta esquentar o ambiente. Se Rivelino, afastado do cotidiano do Parque São Jorge há 29 anos, e Júnior, estreante, vão suportar, ninguém sabe.
Júnior acredita em vaga na Libertadores
Rio de Janeiro –
O novo técnico do Corinthians, Leovegildo Lins Gama Júnior, ou simplesmente Júnior, de 49 anos, ex-craque do Flamengo e da seleção brasileira, recebeu a Agência Estado em sua casa, num luxuoso condomínio da Barra da Tijuca, para falar de seu novo desafio. Ele hesitou por algumas horas em aceitar o convite formalizado na noite de terça-feira pelo vice-presidente de futebol do Corinthians, Antônio Roque Citadini, num hotel de Copacabana. Depois de uma contraproposta apresentada ontem, por telefone, após o meio-dia, Júnior acertou o contrato com o clube: até dezembro de 2004.Nesta entrevista, Júnior, que pela segunda vez dirige um grande clube – foi técnico do Flamengo em 1993/1994 e 1997 -, fala da luta por uma vaga na Taça Libertadores da América de 2004 e da importância de Vampeta no time.
Agência Estado – O que esperar do Corinthians na reta final do campeonato brasileiro?
Júnior – Vamos brigar para garantir vaga na Taça Libertadores. Se existe essa possibilidade, tentaremos. Mas com os pés no chão. Sem iludir o torcedor.
AE – Por que o Corinthians faz campanha irregular na competição?
Júnior – O time sentiu a saída de vários jogadores, perdeu sua espinha dorsal, e houve um processo acelerado de aproveitamento dos mais jovens. Eles têm de ser alternativa e não solução, até para serem preservados.
AE – Qual a expectativa de trabalhar com o Rivelino?
Júnior – Temos ótimo entrosamento por conta de um ano como comentaristas de TV (trabalharam juntos na SporTV). E vou encontrar no Corinthians uma comissão técnica de muita qualidade.
AE – Vampeta está nos seus planos para 2004?
Júnior – Claro. É uma figura determinante na equipe, pela experiência e espírito de liderança. Espero que se recupere logo da contusão e que haja uma solução dos seus problemas com o clube.
Rivelino volta “sem mágoa”
São Paulo –
Rivelino retomará amanhã, ao meio-dia, o caminho trilhado em 1964. Pouco tempo depois de ter sido reprovado em uma peneira no Palmeiras, o então garoto inexperiente que sonhava ser jogador de futebol foi recebido no Parque São Jorge onde despontou para o futebol como um dos melhores na história do esporte. Quase 40 anos depois, novamente sem experiência para realizar seus planos como diretor-técnico, Rivelino está de volta ao Corinthians, clube do qual saiu em desgraça, acusado de omissão no jogo mais importante de sua trajetória: a final do paulista de 1974, contra o Palmeiras.“Não guardo mágoa. Saí contra minha vontade. Sou corintiano e vou exercer meu poder em cem por cento”, disse Rivelino ontem, em sua primeira declaração depois de aceitar o convite corintiano.
O mais perto que chegou do cargo que ocupará oficialmente a partir de amanhã foi no Japão. Lá, em 1994, foi técnico do Shimizu, sua primeira experiência no futebol do lado de fora do gramado.
Desde então, passou a aceitar convites esporádicos para trabalhar como comentarista em jogos transmitidos pela Rede Bandeirantes de televisão. Sem papas na língua, logo ganhou espaço na equipe de tevê comandada por Luciano do Valle. E se efetivou.
Com a diminuição do espaço para transmissões esportivas na Band, Rivelino também perdeu espaço. Foi para o SporTV, integrando um grupo de comentaristas “boleiros”, que contava com Júnior e Leivinha, o mesmo que deu o passe para Ronaldo fazer o gol na decisão de 1974 em favor do Palmeiras.