São Paulo – Futebol é para o povão, é a única diversão do pobre. Para o torcedor que pensa assim, um alerta: prepare-se, pois tudo indica que a realidade vai mudar bastante nos próximos anos. Tanto alguns dirigentes de clubes como executivos que participam direta e indiretamente do negócio futebol brasileiro empunham bandeira que, uma vez adotada, mudará radicalmente o perfil do freqüentador de estádios no País. Sai a camada mais pobre para dar lugar à classe média, principal alvo dos especialistas em marketing esportivo. Em outras palavras, uma espécie de elitização.
A argumentação dos defensores de tal mudança é simples e objetiva. Começa pela necessidade de aumentar a receita dos clubes. Para isso, querem atrair para os estádios a parcela da população que dispõe de recursos para consumir mais do que um simples ingresso. “Veja o exemplo da Inglaterra e de boa parte da Europa. Lá, o torcedor gasta três, quatro vezes o preço pago na entrada com outros tipos de produto vendidos dentro do estádio, como refeição e souvenirs”, explicou o diretor da agência de marketing esportivo Traffic, J. Hawilla.
E olha que as explicações dos cartolas não param por aí. Todos são unânimes em apontar as adequações ao Estatuto do Torcedor como um dos fatores que também impulsionam a troca do público dos estádios. “É verdade que são investimentos que ficarão lá a longo prazo, mas instalar o sistema de monitoração com câmeras, ou pagar R$ 100,00 em cada cadeira é dispendioso, pois a manutenção também é cara”, explicou o diretor de marketing do Clube dos 13, Mauro Holzmann.
“É preciso que o torcedor contribua mais com a receita dos clubes. Por isso é necessário que tenha poder aquisitivo. Aquela história de só ficar no alambrado gritando ?queremos jogador? acabou. Quer o quê, cara pálida?”
Curto e grosso
Em conversas com dirigentes e executivos, fica claro que a elitização do freqüentador de estádios não é um objetivo, mas sim uma conseqüência das mudanças que, mais cedo ou mais tarde, ocorrerão na administração esportiva.
Enquanto os cartolas procuram um discurso mais brando sobre o tema sabem que pode desagradar sobretudo aos torcedores organizados, com os quais muitos mantêm relacionamento estreito, profissionais da área são incisivos. É o caso do diretor da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto.
“Paga quem puder pagar. E ponto final”, afirmou, em recente seminário realizado na capital paulista. “Não é possível que o espetáculo de futebol valha menos do que um (bilhete) cinema. Nos últimos anos o custo da promoção do esporte aumentou muito e o preço não acompanhou.”
O recém-eleito presidente do Flamengo, Márcio Braga, quase teve um surto com o executivo global. “O que este senhor (Campos Pinto) disse me deixou em estado grave de indisposição. Ele falou coisas absurdas. Onde ele mora? Em que Estado ele se esconde? Está completamente alienado”, esbravejou. “Dizer que o futebol é um produto caro que tem de ser vendido a preços acima do bilhete do teatro, do cinema… O que ele quer? Quer cadeira acolchoada nos estádios?”
Del Nero investe na família
AE
São Paulo –
Se para alguns dirigentes já passou da hora de adaptar o preço do ingresso à nova realidade do futebol brasileiro, para outros a mudança até é admitida, mas de maneira mais cadenciada. É o caso do presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), Marco Polo Del Nero. “É preciso encontrar um meio termo que não puna os clubes, mas também não prejudique o torcedor”, afirmou.Para a temporada 2004, a entidade definiu que, antes de atentar para o lado do “negócio”, vai investir no promocional, sobretudo entre as crianças. Uma das novidades para o Estadual é exatamente a criação do “Torcedor Família”. Na compra de um ingresso com preço fixado em R$ 20,00, o portador do bilhete poderá levar ao estádio a esposa e três crianças de até 12 anos. Caso tenha mais do que quatro filhos, será necessário comprovar a paternidade na entrada, com a apresentação do documento de identidade.
Dessa forma, o preço do bilhete acabaria reduzido a R$ 4,00, o que, em tese, contraria a proposta dos executivos do setor. “Nossa preocupação nesse momento é incentivar a volta das famílias ao estádio. Queremos criar nas crianças o hábito de freqüentar o futebol”, explicou Del Nero. O cartola ainda destaca que sua idéia também ajudaria a afastar os torcedores baderneiros do ambiente negativos das organizadas. “Em vez de se juntar a um grupo e ir ao estádio, o torcedor pode ir acompanhado da esposa e dos filhos, situação que, certamente, vai torná-lo mais sensível e menos violento.”
Sem conversa!
Del Nero destacou que os clubes têm autonomia para alterar o preço dos ingressos durante o paulista, desde que seja para reduzi-lo. A hipótese de aumentá-lo não chegou a ser discutida. “Só para você ter uma idéia, nós (dirigentes) nem cogitamos essa possibilidade nas reuniões que tivemos para conversar sobre a competição.”
O presidente da FPF preferiu atribuir a polêmica sobre o preço do ingresso ao contexto macroeconômico do País. “É claro que todos nós gostaríamos que o ingresso custasse 30,00 e que o torcedor pudesse comprá-lo”, disse. “Mas precisamos trabalhar de acordo com nossa realidade.”